Rival de Beira-Mar é solto após 20 anos; polícia e MP temem reflexo no RJ
Celso Luís Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém, 61, foi solto na tarde de hoje após 20 anos de prisão. A volta do cofundador da facção ADA (Amigos dos Amigos) às ruas do RJ levanta ao menos três possibilidades de alteração na dinâmica do crime organizado no estado: fortalecimento de milícias, do Comando Vermelho ou sobrevida ao grupo criminoso de Celsinho.
A análise é feita por autoridades das polícias Federal e Civil do RJ e por promotores do MP-RJ (Ministério Público) ouvidos pelo UOL. Celsinho é o principal inimigo de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, um dos líderes do CV, que cumpre pena na penitenciária federal de Mossoró (RN).
Ao UOL, o advogado de Celsinho, Max Marques, negou qualquer reaproximação do seu cliente com o crime. "O que ele quer agora é ter uma nova vida e recuperar o tempo perdido junto à família. O passado é passado", disse o defensor.
Vinte anos após sua última prisão, Celsinho agora responderá em liberdade à acusação de ter comandado uma invasão à Rocinha, em 2017. Ele cumpriu penas por tráfico de drogas, roubo e organização criminosa.
Celsinho e a disputa territorial no RJ
O crime hoje se organiza de forma diferente do que há 20 anos. Agora, milicianos e Comando Vermelho, principalmente, disputam territórios no Rio. Essa disputa, antes, era travada pela ADA ou pelo TCP (Terceiro Comando Puro) contra o CV.
Os investigadores não têm relatos recentes da influência de Celsinho na dinâmica do tráfico no estado, mas não descartam a possibilidade de Celsinho se unir a forças paramilitares em uma tentativa de enfraquecer a facção de Beira-Mar.
O UOL apurou que também há a possibilidade de Celsinho se reunir com antigos aliados para reivindicar o território em áreas dominadas por bicheiros que antes pertenciam à ADA.
Uma possibilidade remota, mas não descartada, é a aproximação de Celsinho com o CV. Neste caso, a facção ganharia mais força para avançar em territórios já dominados pela milícia e até de recuperar territórios antes dominados pela ADA que passaram a ser controlados pelo TCP, com a debandada de alguns líderes.
Essa aproximação do Celsinho com o CV só aconteceria com alguma intervenção. Fala-se que esse nome pode ser Edmílson Ferreira dos Santos, o Sassá, que fez o mesmo movimento: saiu da ADA para o Comando Vermelho.
Contudo, ambos têm perfis diferentes: Sassá era mais administrativo e Celsinho era considerado mais belicoso, o que pode impedir eventual troca de facção. Outro ponto que impede essa aproximação é a disputa que ADA e CV travam em outras cidades fora da capital.
Em Macaé, no norte fluminense, a ADA é a facção mais forte no tráfico de drogas local, com poucas comunidades sob domínio do CV. Uma absorção da facção em nível estadual poderia ser impedida para que a ADA não dê 'sinais de fraqueza'.
Por fim, há também a possibilidade de Celsinho sair da prisão sem qualquer suporte em seu entorno. Há quem avalie que o tempo de prisão e isolamento possam ter diminuído seu poder de influência a um nível que não sustenta uma alteração na dinâmica do Rio.
Caso volte à forma dos anos 1990, Celsinho pode colocar sua própria vida em risco, a exemplo de outros líderes da mesma época. Em 2004, José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, foi morto cerca de cinco anos após sair da prisão. Escadinha é um dos fundadores da Falange Vermelha, que viria a se tornar o CV.
Juiz cita trânsito em julgado na soltura
Em decisão publicada ontem (18), o juiz Marcello Rubioli, da VEP (Vara de Execuções Penais), citou decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que define o início de cumprimento da pena do réu só pode se dar com o esgotamento de todos os recursos —o chamado "trânsito em julgado" da condenação.
Celsinho já foi condenado por ter comandado uma invasão à Rocinha, em 2017, mas ainda cabe recurso. "Não havendo pena privativa de liberdade a ser cumprida definitivamente, e, revogada a prisão preventiva mantida negando direito de recorrer em liberdade, não se suporta mais a enxovia no presente feito, importando na imediata expedição de alvará de soltura em beneplácito do reeducando", escreveu o magistrado em sua decisão.
Rompimento com CV e relação com Beira-Mar
Celsinho fundou a ADA (Amigos dos Amigos) na prisão, nos anos 1990. A facção exercia grande influência na favela da Vila Vintém, em Padre Miguel, e tinha domínio sobre outras regiões da zona oeste.
Em 1994, o fundador da facção fugiu da penitenciária Milton Dias Moreira, sendo recapturado em 1996. Em 1998, fugiu do Hospital Penitenciário Fábio Maciel, onde estava internado para a extração de uma bala alojada no braço. Ele conseguiu escapar de madrugada vestido com uma farda de policial militar.
Celsinho foi preso pela última vez em 2002. Na prisão, houve o acirramento da disputa com Fernandinho Beira-Mar, iniciada com a proximidade de Celsinho com Ernaldo Pinto Medeiros, o Uê — apontado como traidor do CV ao planejar a morte de outro líder, Orlando Jogador, também na década de 1990.
No ano em que Celsinho volta à prisão, uma grande rebelião acontece no presídio Bangu 1 por ordem de Beira-Mar para assassinar Uê, segundo apontaram investigações da época.
Em 2015, Celsinho depôs à Justiça do Rio e afirmou que ficou vivo após a rebelião —apesar de ser da ADA— porque foi poupado por Beira-Mar. Este foi o mais próximo de uma trégua que os dois estiveram.
Amigos dos Amigos e a disputa no Rio
O objetivo da criação da ADA era diminuir o domínio de áreas pelo Comando Vermelho, considerado o primeiro grupo criminoso organizado no Brasil, criado no final da década de 1970.
Nos anos de 1990, Fernandinho Beira-Mar desenvolveu parcerias estratégicas nas fronteiras do Paraguai e Colômbia e ampliou o poder de influência da facção pelo país. Os membros da ADA chegaram a se unir com a facção TC (Terceiro Comando) para se fortalecer na disputa regional contra o Comando Vermelho.
Beira-Mar e Celsinho disputaram importantes territórios no Rio de Janeiro, como a favela da Rocinha, a maior comunidade do Rio. O CV, por sua vez, estava concentrado na disputa de rotas internacionais do tráfico de drogas contra a facção paulista PCC (Primeiro Comando da Capital).
Nos últimos anos, a ADA veio perdendo força e domínio. Em 2001, Beira-Mar foi preso por autoridades militares da Colômbia em um acampamento das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colombia). Hoje, as milícias entraram na disputa pelo tráfico no Rio e chegam a dominar metade do território do crime.
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