Portão do Inferno: 'Despenquei com meu caminhão de precipício de 75 metros'

O motorista Daniel Francisco Sales, 66, despencou com o seu caminhão de uma altura de aproximadamente 75 metros, na rodovia MT-251, em uma curva conhecida como Portão do Inferno, em maio de 2022.

Ao UOL, ele conta como foi o acidente e sua longa recuperação.

15 toneladas, sem freio

Daniel havia carregado o caminhão com 15 toneladas de galões de água no município de Chapada dos Guimarães, região metropolitana do Vale do Rio Cuiabá. E pegou a estrada com destino a Cuiabá, capital do estado.

Ao chegar em um trecho da estrada, onde a curva é muito acentuada, bem no local conhecido como Portão do Inferno, o motorista perdeu o freio do veículo. Ele tentou jogar o caminhão em direção ao paredão rochoso, no acostamento, mas a manobra não funcionou.

O caminhão seguiu sem controle até a extremidade da curva, atravessando o guarda-corpo e caindo precipício abaixo.

Eu me lembro de ter pisado várias vezes no freio e me lembro também de tentar bater o caminhão contra o barranco, no acostamento, para frear. Mas não deu certo. O caminhão continuou seguindo até que rodou na pista [e caiu do precipício]. Eu não senti nada. Depois de um tempo, escutei uma voz gritando: 'Será que tem alguém vivo?'. Daí eu gritei: 'Eu estou vivo'. E a voz respondeu: 'Não dorme, não, que vão te tirar daí'.
Daniel Francisco Sales, motorista

Um tempo depois, Daniel ouviu viu agentes dos bombeiros se aproximando. Eles desceram pela encosta fazendo rapel.

Ele conta que em momento algum pensava estar na cabine, que foi esmagada durante a queda do veículo. O tempo todo a sensação que ele tinha, mesmo estando consciente, é de que estava deitado do lado de fora, sobre a mata.

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Eu fiquei preso nas ferragens, os bombeiros tiveram um trabalhão para me tirar de lá. Eu não sentia nada, não fazia ideia do que estava acontecendo. Eu só fui sentir uma dor na coluna depois que me tiraram da cabine e me colocaram na maca. Quando entrei no helicóptero, me deram um remédio e eu apaguei.
Daniel Francisco Sales, motorista

Daniel ficou meses internado e ainda tem de fazer fisioterapia
Daniel ficou meses internado e ainda tem de fazer fisioterapia Imagem: Arquivo pessoal

'Queda extremamente alta'

Dificilmente alguém poderia sobreviver àquele tipo de acidente, na opinião do tenente-coronel Adão César Rodrigues Silva, comandante do BPMTran (Batalhão de Trânsito Urbano e Rodoviário) da Polícia Militar de Mato Grosso. Ele lembra bem do dia em que ocorreu o acidente porque chefiou a ação de resgate que retirou o caminhoneiro do precipício.

Daniel teve traumatismo craniano
Daniel teve traumatismo craniano Imagem: Arquivo pessoal

Ali você tem uma queda extremamente alta, estamos falando de 60, 70 metros ou até mais. E o caminhão, apesar de ter perdido parte da carga, quando o veículo bateu no paredão e os galões de água se espalharam pela pista, caiu inclinadamente, como se estivesse mergulhando. A tendência era de que a parte do caminhão com o primeiro contato no solo, na parte de baixo, no fundo do precipício, fosse a cabine do condutor.
Adão César Rodrigues Silva, comandante do BPMTran

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A equipe de resgate enfrentou dificuldades para chegar ao local do acidente devido a rajadas de vento e ao difícil acesso. O tempo perdido diminuía as chances de encontrar o motorista vivo.

Para a surpresa de todos, quando a equipe e os bombeiros finalmente chegaram ao local, o motorista ainda estava vivo, apesar da falta de contato anterior devido à sua localização, na base do precipício.
Adão César Rodrigues Silva, comandante do BPMTran

Múltiplas fraturas

Quando acordou, no dia seguinte, o motorista descobriu-se num leito de hospital, com o pé recém-operado para corrigir uma fratura exposta. O braço direito, engessado devido a outra fratura. Descobriu ainda que três costelas estavam quebradas e que havia sofrido traumatismo craniano. Um lado de seu rosto sofreu afundamento, corrigido dez dias depois em uma cirurgia de longa duração, para reconstruir os ossos quebrados.

Daniel perdeu a conta de quanto tempo permaneceu internado no hospital. "Um ano e quatro meses", arrisca. Nesse período, ele várias vezes pensou em fugir, em abandonar o tratamento. A força para continuar ele tirava da esposa, a doméstica Vera Lúcia Sales, que ele considera "o verdadeiro e único amor" de sua vida.

Se não fosse a minha esposa, eu nem aqui estava. Pensa numa mulher guerreira. Ela todo o santo dia ficava comigo no hospital Quando precisava, saía para trabalhar e voltava correndo para ficar comigo. Ela não saiu de perto de mim.
Daniel Francisco Sales, motorista

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O luto por Vera

O casal estava junto havia 25 anos. Há alguns meses, porém, Vera morreu após sentir uma dor forte no estômago. Os médicos que a atenderam disseram ser uma úlcera, que teria "estourado".

A morte de Vera tornou tudo ainda mais difícil para Daniel. Sem filhos, o casal vivia em uma casa pequena, na cidade de Várzea Grande. Hoje o motorista vive sozinho no imóvel. Sem poder trabalhar por pelo menos 90 dias, devido à última cirurgia realizada no pé, ele sobrevive graças a familiares e amigos, que compram mantimentos e o ajudam a pagar as contas.

Daniel e Vera: esposa morreu há alguns meses após complicações de uma úlcera
Daniel e Vera: esposa morreu há alguns meses após complicações de uma úlcera Imagem: Arquivo pessoal

Assim que o médico me liberar, quero voltar a trabalhar. Esse é o meu maior desejo na vida agora. Trabalhar. Meus amigos já estão procurando alguma vaga para mim. Como a única coisa que sei fazer é dirigir, voltarei para a estrada. Mas eu pego o que aparecer. Do caminhão pequeno a carreta. Para mim, o importante é conseguir me manter e pagar minhas contas.
Daniel Francisco Sales, motorista

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