Assédio, transfobia e ameaça: 'bancada polêmica' perde e deixa a Alesp
A eleição para a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) chamou a atenção este ano pela recondução de 59% dos deputados estaduais. Apesar da baixa renovação da Casa, ao menos sete parlamentares que se envolveram em polêmicas no último mandato perderam a eleição em 2022.
Ficaram pelo caminho deputados acusados de assédio e de transfobia, parlamentares que invadiram hospitais de campanha, deputado que xingou o papa Francisco, que intimidou presidenciável e até nomes que se consagraram na última década justamente pelo perfil polêmico, como Janaina Paschoal (PRTB), que não conseguiu emplacar seu nome para o Senado.
Douglas Garcia (Republicanos). Um dos deputados estaduais mais polêmicos da Alesp, Douglas Garcia começou seu mandato sendo acusado de transfobia depois de dizer em sessão de 2019 que transexual é "homem que se acha mulher". Após discurso da deputada Erica Malunguinho (PSOL) —a primeira transexual eleita na Alesp— Garcia subiu ao plenário para afirmar que, se uma transexual entrasse no banheiro "em que estiver minha mãe ou minha irmã, tiro de lá a tapa".
Em junho do ano seguinte, ele foi suspenso pela presidência da Alesp por envolvimento na disseminação de fake news e de ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Depois, foi condenado por divulgar um "dossiê antifascista", com centenas de dados pessoais de opositores do governo federal. Garcia, que recorreu, negou responsabilidade pela divulgação do material ao dizer que a condenação era "um esculacho no Direito".
Já na campanha deste ano, quando tentou uma vaga na Câmara Federal, o bolsonarista chamou a atenção ao insultar a jornalista Vera Magalhães durante debate do UOL, Folha de S.Paulo e TV Cultura. Na campanha, terminou com 24.549 votos. Procurado, o deputado não retornou contato.
Frederico D'Avila (PL). Irmão de Felipe D'Avila, que concorreu à Presidência da República este ano pelo Novo, Frederico tentou uma vaga na Câmara dos Deputados este ano, mas recebeu apenas 46,9 mil votos e ficou de fora.
Na Alesp, ele foi alvo de processo no Conselho de Ética por ter chamado o papa Francisco e o arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, de vagabundos, pedófilos e safados. O pedido de suspensão de mandato pro três meses ainda não foi votado em plenário por falta de quórum.
A declaração foi uma resposta a dom Orlando Brandes, que em outubro do ano passado receberia a visita do presidente Jair Bolsonaro (PL). Na ocasião, o religioso defendeu "que juntos construamos um Brasil pátria amada".
"E para ser pátria amada não pode ser pátria armada", disse, em indireta à pauta armamentista do presidente. O deputado, então, foi à tribuna retrucar o arcebispo e até o papa.
Seu vagabundo, safado, que se submete a esse papa vagabundo também. (...) Seus pedófilos, safados. A CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] é um câncer que precisa ser extirpado do Brasil."
Frederico D'Avila, deputado estadual não reeleito
Dias depois, D'Avila pediu desculpas pelo pronunciamento "inflamado por problemas havidos nos dias anteriores". Procurado, afirmou pela assessoria de imprensa que não perdeu a eleição em razão da polêmica.
"O fator preponderante foi a grande e expressiva votação de outros deputados dentro do mesmo segmento", afirmou, ao dizer que ele teve "quase 91% de votos a mais do que na outra eleição".
Fernando Cury (União Brasil). O parlamentar ficou famoso nacionalmente no ano passado, quando chegou a ter o mandato suspenso na Alesp por seis meses por passar a mão no seio da colega Isa Penna (PCdoB) durante sessão da Casa. Cury retomou seu mandato na Alesp, mas agora enfrenta um processo na Justiça comum por importunação sexual.
Este ano ele disputou a reeleição, recebeu 35.493 e ficou com uma vaga de suplente. O UOL o procurou por telefone e email, mas não recebeu retorno.
Vítima de Cury, Isa Penna tentou uma vaga na Câmara dos Deputados, mas também perdeu. Recebeu 31 mil votos e não se elegeu.
Coronel Telhada (PP). Outro que se envolveu em polêmica no começo do ano foi o deputado Coronel Telhada. Em vídeo nas redes sociais, ele ameaçou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por ter aconselhado a militância sindical a se organizar para pressionar deputados e senadores nas cidades em que moram para que votassem em propostas de interesse trabalhista.
"Vai lá em casa, incomodar a minha mulher, meus filhos e meus netos", afirmou Telhada no estacionamento da Alesp enquanto exibia uma arma. "Estou te esperando lá. Você e todo o seu bando", concluiu.
Telhada, que em 2018 se reelegeu com 214.445 votos, este ano angariou 69,9 mil em sua tentativa frustrada de se eleger deputado federal. Ficou com a primeira suplência. Por outro lado, emplacou o filho na Alesp, o Capitão Telhada, leito com 83,4 mil votos. Procurado, o coronel passou a palavra ao filho.
"Não acredito que a suplência do coronel Telhada tenha relação direta com o vídeo gravado", afirmou o deputado eleito. "Sabíamos que a eleição para federal seria difícil por causa de tantos nomes da bancada da segurança pública, como ex-ministros e apoiadores do presidente", disse, ao afirmar que sua eleição no estado foi um endosso também ao pai.
"Acredito que o legado da família Telhada permanece na Alesp", disse.
Sargento Neri (Patriota) e Adriana Borgo (Pros). Ao lado de Coronel Telhada, Leticia Aguiar (União Brasil) e Marcio Nakashima (PDT), Borgo e Neri invadiram o hospital de campanha do Anhembi, em junho de 2020, para filmar as instalações e "provar em vistoria" que o então governador João Doria (PSDB) mentia sobre a gravidade da pandemia de covid-19.
Desta vez, Borgo e Neri não conseguiram votos suficientes para permanecerem na Alesp. Procurados, não responderam a reportagem. Já Aguiar e Nakashima se reelegeram.
Janaina Paschoal (PRTB). Personalidade polêmica desde que ganhou fama nacional ao assinar o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Janaina acabou como a deputada estadual mais votada da história do Brasil em 2018. Este ano, ela tentou chegar ao Senado, mas amargou um quarto lugar com 447,5 mil votos, um quarto do que havia conquistado na eleição passada.
Em dezembro de 2019, ela se envolveu em um bate-boca com o então correligionário Gil Diniz (ex-PSL, hoje PL) durante uma sessão na Alesp, que precisou ser suspensa. Diniz discursava na tribuna quando Janaina o interrompeu dizendo que ele "está desrespeitando a gente", em referência ao fato de o deputado ter votado com o governo Doria no aumento de 5% aos policiais.
O então presidente da Alesp, Cauê Macris (PSDB), pediu calma, o microfone de Paschoal foi cortado, mas ela continuou respondendo a Diniz aos gritos, provocando a suspensão da sessão. Procurada, a deputada disse não acreditar "que o perfil polêmico tenha sido a causa [para a derrota] este ano".
"Tive a legenda negada por todos os partidos grandes; só consegui legenda num partido pequeno, que apesar de ter cumprido a palavra de não me tirar legenda, não me deu apoio nenhum. Não tive nenhum segundo de TV, e os três concorrentes na minha frente ficaram o dia inteiro na TV. Fiz minha campanha com recursos próprios, gastei próximo de R$ 50 mil."
Se eu tivesse disputado a reeleição ou [a Câmara] federal, teria, sim, conseguido ser eleita."
Como ficou a Alesp?
Após a apuração dos votos, o grande vencedor na Alesp foi o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, que elegeu 19 deputados estaduais. Mesmo assim, a esquerda conseguiu vitórias: além de o PT conquistar 18 cadeiras e ficar em segundo lugar, os três candidatos mais votados são do campo progressista.
Eduardo Suplicy (PT) foi o mais votado, com 807.015 votos, seguido por Carlos Giannazi (PSOL), com 276.811, e Paula da Bancada Feminista (PSOL), com 259.771.
A bancada feminina da Alesp também cresceu, ao passar de 19 para 25 cadeiras em 2023. Em 2018 eram 11.
Ao mesmo tempo, a bancada da bala desidratou. O estado elegeu sete parlamentares da segurança pública, contra 11 eleitos em 2018: desta vez chegam ao poder dois policiais civis, três militares, um federal e um membro das Forças Armadas.
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