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Guerra da Rússia-Ucrânia

Notícias do conflito entre Rússia e Ucrânia


Com emojis e em tempo real, Ucrânia usa Telegram para divulgar guerra

Entre as mensagens enviadas no aplicativo, estão pronunciamentos do presidente Volodymyr Zelensky - Reprodução/Telegram
Entre as mensagens enviadas no aplicativo, estão pronunciamentos do presidente Volodymyr Zelensky Imagem: Reprodução/Telegram

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

14/03/2022 04h00

Autoridades e ministérios do governo ucraniano têm utilizado canais do Telegram para divulgar as suas versões da guerra contra a Rússia à população do país e ao mundo. No grupo da Prefeitura de Kiev, por exemplo, a capital da Ucrânia avisa moradores sobre possíveis ataques. "Um alerta aéreo foi declarado em Kiev", diz a mensagem mais comum, enviada quase todos os dias desde o início dos bombardeios no país, em 24 de fevereiro.

Para especialistas ouvidos pelo UOL, enviar mensagens à população, rapidamente, também é uma estratégia de guerra. "A Ucrânia conseguiu fazer uma comunicação instantânea. Essa é uma grande vantagem e uma arma de guerra, que os ucranianos estão usando de maneira eficiente", avalia o professor Eduardo Mello, coordenador do curso de graduação de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Mello lembra que, enquanto a Ucrânia comunica a todo instante —enviando textos, fotos e vídeos—, os russos restringem informações. A Rússia chegou a proibir, em seu território, o uso da palavra guerra para definir o que está acontecendo no país vizinho (leia mais abaixo).

"É uma maneira do governo [ucraniano] mostrar que o Exército está lutando; de aumentar o moral, como chamamos nessa área; e também a vontade de continuar lutando e resistindo", complementa o especialista.

Daniela Ramos, professora de novas tecnologias da comunicação na ECA/USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo), diz também que o uso massivo do Telegram acontece devido a uma tendência mundial, já observada em eleições passadas no Brasil, nos Estados Unidos e em outros países.

"As autoridades políticas agora se comunicam diretamente com seus eleitores, seu público, sem uma mediação. Já vimos, por exemplo, governos informando diretamente a sociedade sobre mudanças sem convocar uma coletiva de imprensa ou avisar seus assessores", afirma.

Telegram 1 - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Por dentro dos canais

A reportagem analisou 11 canais oficiais no Telegram de autoridades, ministérios e do gabinete da presidência da Ucrânia —o do presidente Zelensky é o que reúne mais inscritos, 1,5 milhão até quinta-feira (10).

Entre as mensagens enviadas nos grupos, há avisos de sons de sirenes que informam sobre possíveis ataques russos, fotos e vídeos de vítimas, prédios atingidos e pronunciamentos de representantes do governo. Algumas delas têm comentários sobre os russos ou mensagens de resistência.

"Nós nunca esqueceremos! Jamais perdoaremos essa escória!", escreveu a Prefeitura de Mariupol, depois do ataque a um hospital infantil e maternidade, na quarta-feira (9). A Rússia alegou que o prédio funcionava como base militar; a Ucrânia nega.

Carros e prédio de hospital destruído por ataque aéreo em meio à invasão russa da Ucrânia, em Mariupol - Serviço de imprensa da Polícia Nacional da Ucrânia/via Reuters - Serviço de imprensa da Polícia Nacional da Ucrânia/via Reuters
Carros e prédio de hospital destruído por ataque aéreo em meio à invasão russa da Ucrânia, em Mariupol
Imagem: Serviço de imprensa da Polícia Nacional da Ucrânia/via Reuters

Em alguns canais oficiais ucranianos, os administradores usam emojis para chamar a atenção. Quando há alertas sobre sons de sirenes em Kiev, por exemplo, há emojis de pontos de interrogação e de raios. O canal da capital ucraniana reunia, até o fim da semana passada, mais de 450 mil pessoas.

Especialistas destacam a estratégia de ampliar a divulgação das mensagens. "Antes das redes sociais, não havia uma preocupação em comunicar o mundo, mas o país", lembra a professora da USP.

"Na guerra, você sempre teve muita incerteza, nunca sabia onde estava o inimigo, onde estavam suas forças, qual o próximo passo. A guerra assim não é a de hoje", relata Mello. "Hoje, manter as pessoas informadas dá força para o governo. Ele informa sobre os ataques, onde um míssil pode cair, onde precisa de doação de sangue, alimentos."

Para comentar sanções e decisões econômicas contra a Rússia, a agência de notícias oficial ucraniana usou um X na cor vermelha. "O fabricante suíço de relógios Swatch Group suspendeu suas atividades na Rússia", escreveu o governo de Volodymyr Zelensky, na última quinta. Em cerca de sete horas, mais de 87 mil pessoas visualizaram a mensagem e mais de 500 reagiram com emojis de aprovação, rejeição e carinha sorrindo.

"Até pelo perfil do Zelensky, essa comunicação com a população é de forma mais rápida, inclusive via Telegram", pontua o professor da FGV —lembrando que o presidente da Ucrânia era ator e comediante e foi eleito para o principal cargo do país há quase três anos, após uma campanha quase toda feita na internet.

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Quando o presidente ucraniano assinou um pedido para que o país se tornasse membro da União Europeia, por exemplo, a informação foi divulgada em tempo real pelo governo no aplicativo. Fotos e vídeos de Zelensky assinando o documento foram enviadas em diferentes grupos.

Só o canal do gabinete da presidência acumula mais de 791 mil pessoas; o do governo ucraniano, 1,1 milhão. As mensagens de todos os grupos são enviadas em ucraniano, mas é possível traduzi-las para o inglês.

Segundo Mello, esse movimento de informação em tempo real deve ter levado em consideração a popularidade do aplicativo no país.

Na Ucrânia, assim como na Rússia, o Telegram é mais disseminado do que o WhatsApp, que tem mais força no Brasil, por exemplo."
Eduardo Mello, coordenador da FGV

Daniela ressalta que, antes da internet, o rádio era o veículo de comunicação mais utilizado por se tratar de um meio acessível para todos.

Segurança

Se uma das vantagens é que qualquer pessoa do mundo inteiro pode entrar nos canais do Telegram da Ucrânia, essa também é uma desvantagem. "Mesmo que o Telegram seja considerado mais seguro do que o WhatsApp, o governo da Ucrânia deve assumir que qualquer informação inserida nos grupos pode ser monitorada pelos russos", analisa Mello.

O professor da FGV afirma que a Rússia já mostrou sua "grande capacidade de operar no ciberespaço e invadir sistemas sigilosos como o do Pentágono".

Informação em uma guerra é um ativo estratégico. [...] Mas há de ser seletivo com o que se comunica e como se comunica. Na cidade de Odessa, por exemplo, aconteceu uma situação em que os moradores estavam impedidos de tirar fotos, porque isso poderia dar pistas para a Rússia sobre como a população se organizava para uma possível invasão."
Daniela Ramos, professora da ECA/USP

Nos canais que a reportagem acessou, não é possível mandar mensagens, apenas reagir com emojis ao texto enviado pelo dono do grupo. Carinha chorando, coração e fogo são alguns dos mais usados pelos usuários.

Mello observa que, enquanto isso, a Rússia não tem utilizado tanto as redes sociais. Na semana passada, o país governado por Vladimir Putin bloqueou o Facebook, alegando que a rede social restringiu o acesso a veículos russos apoiados pelo Estado. O setor responsável pela regulação da imprensa no país, Roskomnadzor, justificou o veto afirmando que, entre outubro de 2020 e a primeira semana de março, houve "26 casos de discriminação" contra a mídia russa.

Hoje (14), jornalistas relataram que o Instagram ficou inacessível no país.

A Duma Estatal da Assembleia Federal da Rússia, órgão responsável pelo legislativo do país, aprovou por unanimidade, há dez dias, a criação de um projeto de lei que prevê punições que podem ir até 15 anos de reclusão para pessoas que publicarem e disseminarem na internet o que for considerado notícia falsa envolvendo as forças armadas do país.

"Na Rússia, a política é muito mais de cercear informação. Colocam propaganda e é mais comum encontrar publicações na VK [rede social russa que funciona como um Facebook]", analisa Mello.

7.mar.2022 - Voluntários empilham sacos de areia protetores na entrada do metrô no centro de Kiev, na Ucrânia - Sergei Supinsky/AFP - Sergei Supinsky/AFP
7.mar.2022 - Voluntários empilham sacos de areia protetores na entrada do metrô no centro de Kiev, na Ucrânia
Imagem: Sergei Supinsky/AFP

Divergências no conteúdo

As autoridades e o governo da Ucrânia também usam outras redes sociais para divulgar suas versões da guerra, em tons informais. Horas depois de Putin ordenar os primeiros bombardeios, a conta da Ucrânia no Twitter postou uma caricatura do presidente russo junto ao líder nazista Adolf Hitller. Nos últimos dias, a página tem trazido mensagens de resistência.

Além das diferenças de formato na divulgação de informações, há divergências no conteúdo e em números relatados pela Rússia e pela Ucrânia, desde o início da guerra. Isso também é uma estratégia, de acordo com analistas ouvidos pelo UOL.

"Você cria uma névoa, divulga informações erradas para diluir a certeza do inimigo e a capacidade dele de tomada de decisões", Tasso Franchi, professor da Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército), que dá aulas sobre estratégia e teoria da guerra no programa de pós-graduação em Ciências Militares.

(Com informações de reportagem publicada pelo UOL no dia 06/03/2022)