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Seios expostos e "anarquismo": que fim levou o movimento ucraniano Femen?

O Femen tem origem na Ucrânia e luta contra exploração sexual, religião, ditadura e homofobia - Francois Guillot/AFP
O Femen tem origem na Ucrânia e luta contra exploração sexual, religião, ditadura e homofobia Imagem: Francois Guillot/AFP

Rebecca Vettore

Colaboração para UOL

12/07/2022 04h00

O movimento Femen nasceu em 2008 na Ucrânia e desde o início reúne militantes que reivindicam um feminismo mais "radical", conhecido como "sextremismo". As participantes se manifestam contra exploração sexual, religião, ditadura e homofobia, e exigem a abolição total do patriarcado em protestos marcados por seios de fora.

Há discussões sobre quem de fato fundou o grupo. Muitos dizem que a ucraniana Anna Hutsol criou o Femen em 10 de abril de 2008. Já o documentário "Ukraine Is Not a Brothel" (na tradução algo como "A Ucrânia não é um bordel") afirma que o movimento foi feito pelo cientista político Viktor Svyatsky — a informação também foi confirmada por Inna Shevchenko, atual líder da organização.

Apesar de ter nascido em solo ucraniano, o Femen acabou fixando bases na França. Uma das líderes do movimento, Inna Shevchenko, fugiu da Ucrânia em direção à França em 2012, após sofrer perseguição por quebrar uma cruz em apoio às cantoras russas da banda Pussy Riot.

O grupo não tem fins lucrativos e conta com membros ativos e contribuintes, membros patrocinadores e membros honorários. Todos os participantes são voluntários. Segundo o Le Monde, em 2013, quem quisesse contribuir com o movimento pagava 10 euros (pouco mais de R$ 50 na cotação atual).

Com o passar dos anos, o movimento chegou a outros países e passou a atacar alvos mais específicos, como as instituições matrimoniais, a Igreja, além de fazer frente aos opositores do casamento homossexual e transexual. O Femen já se manifestou contra a Sharia islâmica (sistema jurídico do Islã) e a prática da mutilação genital feminina.

Para Juliana Fratini, cientista política e mestre em ciências sociais pela PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), apesar de o movimento ser classificado como "anárquico", ele é importante para o feminismo. "O Femen chama atenção para a ruptura de padrões e modelos de organização social mais tradicionais, e preza pela igualdade e liberdade feminina."

Femen em outros países

Segundo dados do Femen, em 2011 foram criadas filiais do grupo nas cidades de Varsóvia (Polônia), Zurique (Suíça), Roma (Itália), Tel Aviv (Israel) e Rio de Janeiro (Brasil). Dois anos depois, o Femen fechou a sucursal brasileira em razão de 'abuso econômico' e 'falhas organizacionais'.

Em um comunicado divulgado na época, ainda foi dito que Sara Winter, a líder do grupo no Brasil, deixava de fazer parte do movimento, e havia perdido o direito de usar o nome da organização, logotipo e até o termo "sextremista".

Anos depois da ação, Sara passou a ser a principal porta-voz do grupo bolsonarista "300 do Brasil" e foi presa em junho de 2020 por determinação do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes. A pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), Sara foi investigada por ataques às instituições, além dos seus pedidos de intervenção militar, fechamentos do Congresso e do Supremo. A ativista ficou poucos dias no presídio feminino, antes de receber a soltura de Moraes.

No mesmo ano do fechamento da sede no Brasil (2013), o Femen afirmou ter membros nos Estados Unidos, Canadá, Bulgária, Turquia e Tunísia, e abriu sedes na Alemanha, com representantes em Berlim e Hamburgo. As representantes do Femen em Seattle (EUA), criado em 2016, se posicionaram contra a eleição de Donald Trump.

Ações do Femen

Desde sua criação em 2008, o Femen fez diversas ações pelo mundo. Entre as principais temos:

  • Oito militantes entraram na catedral de Notre-Dame de Paris em 2013, seminuas, tocando sinos, para festejar o fim do pontificado do papa Bento 16. Na época, elas também protestaram contra a penalização da prostituição, a violência conjugal e os extremismos políticos;
  • Em 2013, a polícia ucraniana abriu um processo criminal contra o Femen. Durante uma batida à sede do grupo em Kiev, a polícia teria encontrado uma pistola TT e uma granada. As ativistas Yana Zhdanova, Anna Hutsol e Alexandra Shevchenko foram convocadas para participar de um interrogatório para esclarecer a situação, mas não se apresentaram no tribunal. Em vez disso, fugiram do país, sob a alegação de temerem por suas vidas. As ativistas que ficaram na Ucrânia participaram dos protestos da Euromaidan (Primavera Ucraniana), que acabaram culminando na fuga do então presidente Viktor Yanukovych para a Rússia e no seu impeachment;
  • No dia 1 de maio de 2015, três ativistas com a frase "Heil Le Pen" pintada no corpo atrapalharam um discurso da política francesa Marine Le Pen, em Paris. Antes de serem detidas, as manifestantes fizeram a saudação nazista e gritaram frases contra a líder do partido francês de ultradireita, Frente Nacional;
  • Em ação menor em 2018, as manifestantes do Femen escreveram nos peitos nus os slogans "Fake Peace" (falsa paz), "Gangsta party" (partido gangster) e "Hypocrisy parade" (desfile dos hipócritas), em oposição à visita do então presidente dos EUA, Donald Trump, a Paris. Uma das mulheres conseguiu chegar a poucos metros do veículo que transportava o líder norte-americano, mas foi retirada pela polícia do local;
  • Dois anos depois, uma ativista subiu em um monumento em frente ao gabinete do presidente em Kiev (capital da Ucrânia) para exigir que as autoridades confirmassem a Convenção de Istambul - tratado de direitos humanos para prevenir e combater a violência contra as mulheres.

O que aconteceu com o grupo?

Em 2018, o Femen comemorou dez anos de existência em uma festa em Paris, na casa de espetáculos La Bellevilloise. Apesar de ainda estar presente em diversos locais, as ações do movimento têm se tornado cada vez menos frequentes.

No ano passado, a manifestação de maior destaque foi a presença do grupo em Madrid. Com tronco nu, as mulheres irromperam um evento que relembrava a morte do antigo ditador espanhol, Francisco Franco. Elas se manifestaram gritando slogans antifascistas.

Segundo Vitelio Brustolin, professor do INEST da UFF (Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense) e pesquisador de Harvard, a perda da visibilidade está relacionada às alegações de perseguição, multas por vandalismo, profanação de símbolos do Estado e divisões internas.

Além disso, Brustolin afirma que a dissolução da filial da Bélgica em 2013 acabou ajudando a enfraquecer o movimento: "a organização continua existindo, mas não tem mais a mesma força e atuação de dez anos atrás."

Já para a cientista política e mestre em ciências sociais pela PUC, as manifestantes têm aparecido menos, em razão da pandemia. "O Femen atua mediante protestos sociais, em espaços públicos como ruas e eventos, algo que diminuiu com a pandemia."