'Morreu na hora': como foi a ação que matou primeiro brasileiro na Ucrânia
André Hack Bahi, 43, aliado das tropas ucranianas e o primeiro brasileiro morto na guerra contra os russos, há um mês, foi atingido por rajadas de metralhadora na altura do peito em um confronto travado em uma área industrial de Sieverodonetsk, principal campo de batalha no leste do país.
A informação consta em relatório elaborado pelo tenente Sandro Carvalho da Silva, também brasileiro e comandante do pelotão do qual André fazia parte, que detalhou toda a operação. "Não teve dor. Ele morreu na hora. Já caiu desfalecido", disse, em entrevista ao UOL, com base em informações colhidas da autópsia feita no cadáver.
Foi Silva quem enviou mensagem em áudio para a família de André após o confronto, ocorrido em 5 de junho. "A notícia que tenho é oficial. Nós todos estamos bem sentidos. Já nos reunimos, já choramos, já nos abraçamos. Falei com gente que estava diretamente com ele no momento que aconteceu. Não foi só ele, teve outros alvejados", disse no áudio.
A morte do primeiro brasileiro na Ucrânia só foi confirmada oficialmente pelo Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) quatro dias depois.
Com as mortes de Douglas Búrigo e Thalita do Valle, atingidos por mísseis russos na tarde de 30 de junho quando estavam em um alojamento na cidade de Kharkiv, já são três brasileiros aliados das tropas ucranianas mortos durante a guerra.
Silva inclusive estava no mesmo alojamento com Douglas e Búrigo quando começou o bombardeio russo e relatou o que viu. "Eles não conseguiram sair", relatou.
'Dava para ouvir os disparos pelo rádio'
Dividido em três grupos, o pelotão precisava progredir por uma linha de cerca de um quilômetro entre galpões industriais, prédios em ruínas após bombardeios e pistas de pouso desativadas. "Era tipo combate urbano, daqueles que a gente vê em filmes", descreveu Silva, oficial da reserva do Exército brasileiro, que monitorava a missão por radiotransmissor.
Pelo rádio, ouvi: 'médico, médico'. Depois, ninguém respondia. Dava para ouvir os disparos. O coração acelera, a gente fica preocupado. A gente vem para cá sabendo das regras do jogo. Mas quando acontece [a morte de um combatente], é algo muito impactante"
Sandro Carvalho da Silva, comandante do pelotão
"Ele estava com um combatente inglês, que foi quem viu ele sendo atingido pelos tiros de metralhadora quando tentava avançar pelo terreno. Foram vários tiros", complementou o comandante do batalhão.
Após André ser atingido, houve um intenso tiroteio que durou cerca de 15 minutos, descreveu Silva no relatório. Outros quatro militares do mesmo pelotão se feriram no confronto.
"Foi usado um lança-rojão e a tropa russa retraiu. Foi quando um militar conseguiu puxar o corpo dele para uma área coberta. Em seguida, foi feito o transporte dos feridos e o corpo foi retirado da área de conflito em um carro blindado, que se deslocou para o nosso QG na região".
Morto em combate, o brasileiro foi condecorado por uma medalha concedida pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky aos heróis de guerra. Procurada pelo UOL, a família diz ainda aguardar pelo traslado dos restos mortais após a cremação do corpo de André.
Prestativo e 'cheio de habilidade'
Silva relembra da primeira vez em que viu André, logo após chegar ao pelotão na Ucrânia. "Logo, fui promovido a comandante da unidade, pela minha patente. Aí, o André retornou de uma missão, apertou a minha mão e disse: 'Já sei de muitas coisas sobre você. E vai ser uma satisfação fazer parte da sua equipe. Pode contar comigo para tudo'. Era um cara muito prestativo. Construímos um elo forte", lembra.
Apesar de calado, André costumava fazer piadas com os colegas de farda e estava sempre falando da família, diz Silva.
"Ele fazia de tudo um pouco. Era sniper [atirador de elite], paramédico, desarmava minas. Era um cara sensacional, cheio de habilidade e boa vontade para ajudar. Foi uma perda que deixou todo mundo com a moral bem baixa".
André carregava cicatrizes de conflitos anteriores quando atuava pela legião estrangeira francesa. Há seis anos, só escapou da morte em uma missão na Costa do Marfim, na África, porque estava com colete à prova de balas quando foi atingido por quatro tiros no peito —a área em que ele estava havia sido alvo de bombardeios e mísseis, segundo a família.
Resgatado às pressas de helicóptero, precisou ficar dois meses hospitalizado para se recuperar de um traumatismo craniano e de fraturas na mandíbula e tórax. Mas isso não o impediu de se alistar junto às tropas ucranianas há três meses.
Ex-militar e socorrista: 'ele queria ajudar'
Ex-militar do Exército, trabalhou como técnico em enfermagem e teve uma rápida passagem pela Islândia. Depois, se mudou para Quixadá (CE) em 2014, a 170 km da capital Fortaleza. No ano seguinte, se alistou junto à legião estrangeira francesa e começou a participar de missões em países em conflito.
Nem mesmo os graves ferimentos sofridos em 2016 na Costa do Marfim fizeram com que ele desistisse da carreira militar. Depois disso, retornou ao Ceará, onde se formou em enfermagem em 2021. E teve uma passagem temporária por Portugal —foi quando começou a guerra na Ucrânia, e André decidiu se apresentar como voluntário das tropas ucranianas.
"Ele queria ajudar", disse a irmã Letícia Hack.
'Perdi amigos lá', disse André após ataque russo
André fazia parte do primeiro grupo de voluntários brasileiros que se alistou junto às tropas do país invadido. "A gente veio pra ajudar", disseram os integrantes do grupo.
Em entrevista ao UOL à época, André relatou ter deixado a área militar atacada pelos russos na região de Lviv horas antes de um bombardeio que deixou ao menos 35 mortos na madrugada de 13 de março, segundo o governo ucraniano. "Perdi amigos lá", disse.
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