'Não somos terroristas': filha de palestinos no Brasil teme ataques
Soraya Misleh, 54, é filha de palestinos, mas nasceu no Brasil. No país, ela é coordenadora da Frente em Defesa do Povo Palestino e diretora cultural do Instituto da Cultura Árabe.
Nesta terça-feira (10), ao lado de outros movimentos sociais, ela ajudou a organizar um ato de solidariedade à Palestina no centro cultural e restaurante palestino Al Janiah, no bairro da Bela Vista, região central de São Paulo.
Em entrevista ao UOL, a jornalista palestino-brasileira disse que a ideia do encontro era chamar atenção da comunidade internacional e "dar voz ao povo palestino". A guerra entre Israel e o Hamas chegou ao quinto dia nesta quarta-feira (11), com quase 3 mil mortos.
"Construímos esse ato com comunidades brasileiras, árabes e palestinas, com o espaço cultural do Al Janiah. Sou amiga do pessoal que é responsável pelo local.
Achamos que a comunidade internacional precisa ouvir nossas vozes, o que já vivemos há 75 anos, com a limpeza étnica na região.
Quando meu pai tinha 13 anos, ele, meus tios e avós foram expulsos de suas terras e vítimas disso. Isso aconteceu em 1948, em meio a Nakba [êxodo palestino durante e após a guerra árabe-israelense de 1948], e a aldeia do meu pai ficava do lado onde hoje é Israel. Eles já ocuparam 78% do território histórico que era da Palestina.
Nós achamos que as pessoas precisam entender a história, ver o que de fato acontece lá.
Quantas vezes a Faixa de Gaza foi bombeada só neste ano? Quantas vezes Israel invadiu a região, massacrando e botando fogo na casa deles só neste ano?
Mais uma vez, estamos assistindo a um crime contra a humanidade. Estamos falando de uma área que vive há 17 anos em um cerco, com 2,3 milhões de palestinos sendo mortos ou pelas bombas ou por conta do bloqueio que foi feito por Israel.
O que estamos olhando com preocupação é a xenofobia. Vimos o que aconteceu depois da invasão dos Estados Unidos no Iraque, e como sofremos. O que está acontecendo agora é um discurso que alimenta essa xenofobia contra palestinos.
Teve gente que entrou no meu Facebook e escreveu: 'Vai embora terrorista'. Mas não somos terroristas, somos parte de um povo que resiste.
O próprio espaço do Al Janiah já foi alvo de ameaças quando foram atacados com garrafas e gás de pimenta em 2019. É preciso cuidado com tudo que se tem passado para as pessoas.
O ministro da Defesa de Israel nos chamou de 'animais', sendo extremamente racista. Mas não somos animais. E eu não trato meus animais desta forma, tirando comida e água. Para eles, não somos humanos, não somos nada.
Mas nós só queremos que nossas vozes sejam ouvidas. As pessoas precisam ouvir nossos gritos de socorro. O ato que organizamos é também uma forma de ecoar nossas vozes que pedem socorro há tanto tempo.
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Quero receberEspero que as pessoas se solidarizem e entendam que temos crianças morrendo neste momento por bombas, pessoas sendo assassinadas. Ambulâncias sendo destruídas. Nós não somos 'menos' [importantes] de quem está do outro lado. Somos iguais.
O mundo precisa entender que lutamos por libertação e Justiça. Todos os dias, temos nossos direitos fundamentais violados. Querem suspender a ajuda humanitária na Faixa de Gaza, sendo que 80% das pessoas de lá dependem disso.
O mundo deve reconhecer que toda a Palestina vive um regime de apartheid [segregação] com crimes contra humanidade. Essas questões precisam ser ditas.
Como todas as famílias palestinas, a minha vive fragmentada na sociedade. Uma parte dela está na Cisjordânia, como tios e primos, que estão seguros e bem na medida do possível, e devem ficar por lá".
Entenda guerra em Israel
O Hamas (Movimento da Resistência Islâmica) lançou uma ofensiva surpresa contra Israel no início da manhã de sábado (7), que incluiu o lançamento de foguetes e a infiltração de terroristas armados em território israelense.
Após o ataque, o premiê Benjamin Netanyahu convocou uma reunião de emergência com autoridades de segurança e lançou uma operação contra o Hamas em Gaza. Ele disse que estava em guerra com grupo islâmico.
O número de mortos pode passar 3 mil. O balanço oficial dá conta que são pelo menos mil vítimas em Israel, 100 delas encontradas em um kibutz (habitação coletiva) em Be'eri, no sul do país. Já na Palestina são 830 mortes confirmadas, segundo o Ministério da Saúde local. Na Cisjordânia são 7 mortes registradas. Com os 1.500 corpos de integrantes do Hamas informados pelo exército israelense, o total de mortes pode aumentar.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, criticou o cerco de Israel à Faixa de Gaza. Guterres também condenou os "ataques abomináveis" cometidos pelo Hamas, mas alertou para a destruição de escolas e hospitais palestinos.
Entidades alertam para o risco de uma "crise humanitária sem precedentes" se o cerco a Gaza continuar. O bloqueio ao território impede inclusive a chegada de medicamentos, o que provocou um colapso hospitalar.
Israel corta recursos de Gaza há anos; cerco é crime de guerra, segundo a doutoranda em Relações Internacionais e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC-SP Isabela Agostinelli, em entrevista ao UOL News de seguda-feira (9).
Esses cortes ocorrem há muito tempo. A diferença é que, agora, esse corte é total. Cotidianamente, [ocorre] desde 2005, quando Israel retirou seus assentamentos de Gaza, ou seja, quando israelenses deixaram de viver em Gaza, que foi selada, literalmente. Gaza é considerada a maior prisão a céu aberto do mundo, justamente porque o controle fronteiriço de Israel não deixa quase ninguém entrar e sair. São poucos palestinos que conseguem sair para trabalhar em Israel ou Cisjordânia. Isabela Agostinelli
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