'Maior centro de tortura' da Venezuela foi criado para ser shopping de luxo

O edifício Helicóide, que foi por anos símbolo de progresso para a Venezuela, se tornou o inferno dos presos políticos do país. Construído nos anos 50, o luxuoso centro comercial nunca foi inaugurado e por décadas, parte do edifício permaneceu vazia. Mas, por volta dos 80, o governo transferiu algumas agências para o Helicóide, como SEBIN (Serviço Bolivariano de Inteligência).

Do luxo ao abandono

Localizado no centro de Caracas, capital da Venezuela, o edifício Helicóide foi construído nos anos 1950, durante a ditadura de Marcos Pérez Jiménez. Segundo a BBC, esse seria o primeiro shopping center drive-thru do mundo, com rampas que levavam às 300 lojas planejadas para o complexo.

Luxuoso centro comercial nunca foi inaugurado. No entanto, após a queda de Pérez Jiménez, o projeto ambicioso acabou se tornando um imenso elefante branco.

Durante anos, grande parte do prédio permaneceu vazia. Então, depois de décadas de abandono, o espaço foi transformado em um quartel-general. Foi na década de 1980 que o governo da Venezuela começou a transferir algumas agências para o Helicóide, sendo a mais importante o Sebin (Serviço Bolivariano de Inteligência).

Local foi transformado em prisão. Com passagens helicoidais que convergem em uma enorme cúpula, o edifício passou a ter espaços projetados para serem lojas, salas comerciais, banheiros e até escadas convertidos em celas.

Os corredores circulares da prisão são longos e sombrios, de acordo com o El País. A sala de visitas é "opaca e hermética", e os familiares dos presos sofrem abusos frequentemente.

As celas não têm luz ou ventilação natural, contou um estudante detido no local à CNN. Outro preso relatou que, com muita frequência, se escutavam gritos no local devido às sessões de tortura.

O ativista Rosmit Mantilla passou dois anos e meio preso e descreveu o espaço como "um inferno na terra". Ele relatou ao The Guardian que a rotina no prédio era de superlotação, desnutrição, pressão psicológica e refeições escassas.

Há pelo menos três salas usadas para tortura e não conseguíamos dormir porque ouvíamos gritos a noite toda: pessoas que apareciam e desapareciam.
Rosmit Mantilla ao The Guardian

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O canal de televisão argentino Todo Noticias revelou imagens internas do local. Nelas, é possível ver o espaço bastante deteriorado pelo tempo.

Interior do edifício Helicóide, na Venezuela
Interior do edifício Helicóide, na Venezuela Imagem: Reprodução / Todo Noticias

Desde 2014, os espaços do Helicóide ficaram superlotados. Segundo a CNN, até 12 presos se acumulavam nas celas. Com isso, aumentou a proliferação ratos e baratas, e não havia vasos sanitários nem serviço de água.

O papel do edifício como prisão e centro de tortura só se tornou público após protestos em massa em 2014 e 2017. As autoridades venezuelanas, no entanto, negam os casos de tortura no país.

'Maior centro de tortura' da Venezuela

Passeio virtual pelo edifício. No ano passado, o projeto "Realidade Helicoide" coletou depoimentos de 30 pessoas que foram presas na sede do Sebin para criar uma espécie de passeio virtual pelo local, sendo possível viver uma imersão no espaço.

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A certa altura da experiência, o visitante virtual é cercado por baratas antes de encolher lentamente até o nível dos insetos. Muitos dos 30 presos entrevistados para o projeto concordaram: "Eles fazem você se sentir uma barata", comenta Víctor Navarro, que ficou cinco meses preso no Helicóide. Para ele, esse sentimento reflete a "desumanização que existe na tortura".

A prisão de Navarro aconteceu em 2018. Ele define o local como "o maior centro de tortura não só da Venezuela, mas da América Latina".

Eu presenciei e fui vítima de tortura. Eles colocaram uma arma na minha boca [durante um interrogatório], carregada, destravada, eles me espancaram.
Víctor Navarro à CNN

*Com AFP

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