Em reação à 'machosfera', adesão feminista ao 4B se fortalece nos EUA
A vitória de Donald Trump nas eleições dos EUA, impulsionada pela comunidade online "Machosfera", gerou um levante entre mulheres jovens do país para aderir ao movimento feminista radical 4B nas últimas semanas.
O que aconteceu
Para especialistas, Trump deve parte de sua vitória à "machosfera''. Red Pill ou "manosfera" são todos termos que fazem referência a grupos que discutem o papel dos homens na sociedade, mas reproduzem ideias machistas e, por vezes, misóginas - de ódio a mulheres - nas redes sociais.
Durante sua campanha, o republicano estrategicamente se aproximou dessa comunidade. A ''machosfera'' se organiza em fóruns na internet, redes sociais, streamings de games e podcasts, com diversos influenciadores e "coaches de masculinidade''. À primeira vista, pode parecer que há pouco em comum entre um presidente de 78 anos e um influenciador de 23 anos.
O filho de 18 anos de Trump, o Barron, teria sido o responsável pela mediação do pai com criadores de conteúdo da "machosfera''. "Ele ouviu o filho dele, que tinha muito a dizer sobre como se aproximar desses grupos. O público de meninos novos tem sido essencial para a manutenção do conservadorismo atualmente, então foi fundamental para sua vitória'', analisa Bruna Camilo, Doutora e Pesquisadora em Gênero da PUC-Minas.
Trump investiu horas de conversas com personalidades conservadoras da internet. Em um dos casos, ele fez uma aparição em uma transmissão ao vivo com mais de meio milhão de espectadores do streamer Adin Ross, que já foi repetidamente banido do Twitch por insultos raciais e antissemitas. "Meu filho me contou sobre você, e ele disse: 'Pai, ele é muito grande'", falou Trump durante a conversa de duas horas.
''Medo do que os homens têm se tornado''
Após a vitória do republicano e a consolidação da ''machosfera'', uma onda de mulheres jovens tem decidido se aliar ao movimento 4B. Nascido na Coreia do Sul, o grupo feminista questiona papéis impostos pela sociedade às mulheres, em aspectos como casamento, maternidade, relacionamentos e expressão pessoal.
O 4B prega uma rejeição radical à vínculos românticos e sexuais com homens. Os quatro pilares do 4B são: Bihon (recusa ao casamento heterossexual), Bichulsan (recusa à maternidade), Biyeonae (recusa ao namoro) e Bisekseu (recusa às relações sexuais heterossexuais).
No TikTok e no Reddit, garotas contaram ter se juntado ao grupo na mesma semana que o resultado da votação foi cravado. "Fiz minha parte como uma mulher americana e terminei com meu namorado republicano ontem à noite. Oficialmente entrei no movimento 4B esta manhã'', relatou uma delas.
A onda pode ser entendida como uma reação ao contexto político e social com a volta de Trump ao poder. Suéllen Gentil, mestranda em Letras pela UFPB e pesquisadora associada da Coordenadoria de Estudos Asiáticos da UFPE, explica que, em sua última presidência, ele restringiu direitos reprodutivos e fez declarações que frequentemente reforçaram discursos machistas, deslegitimaram movimentos feministas e minimizaram problemas como assédio sexual e desigualdade de gênero.
Com esse histórico, as mulheres temem o avanço do universo da ''machosfera'', segundo a pesquisadora Bruna Camilo: ''O que nós vemos é um medo das mulheres do que os homens têm se tornado e também um cansaço. À medida que a misoginia vai se organizando, elas precisam encontrar formas de se proteger, e muitas delas encontram proteção em movimentos feministas mais radicais''.
Para Suéllen, Trump se tornou um símbolo para comunidades Red Pill. Ela avalia que o grupo se sente encorajado pelo presidente em seus ataques às mulheres. ''Esse ambiente pode amplificar a violência online e presencial contra mulheres, especialmente aquelas que questionam e vão contra as normas tradicionais'', analisa.
O 4B é uma tentativa de confrontar a "machosfera", de acordo com a especialista. ''Enquanto a manosfera reforça ideias conservadoras e tradicionalistas do universo masculino e rejeita avanços em direção à equidade de gênero, o 4B desafia diretamente essas mesmas ideias, propondo a desconexão das mulheres das dinâmicas heterossexuais que perpetuam a opressão patriarcal'', fala Suéllen.
Para essas jovens, o movimento não é apenas uma forma de resistência pessoal, mas também um posicionamento político contra um sistema que perpetua a desigualdade de gênero. Suéllen Gentil
Deixe seu comentário