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Nos EUA, deputados federais raramente são candidatos à vice-presidência

Paul Ryan, candidato a vice pelo Partido Republicano, discursa em evento de campanha nos EUA - Conrad Schmidt/AP
Paul Ryan, candidato a vice pelo Partido Republicano, discursa em evento de campanha nos EUA Imagem: Conrad Schmidt/AP

Lewis L. Gould (*)

21/08/2012 06h00

Com toda a agitação na mídia devido à escolha do deputado Paul D. Ryan como companheiro de Mitt Romney na chapa presidencial republicana, pouca atenção tem sido prestada ao fato de ser muito incomum que um membro da Câmara dos Deputados dispute a vice-presidência dos Estados Unidos. Cada um dos dois partidos relevantes dos Estados Unidos só fez isso em duas ocasiões desde 1900, e os democratas e os republicanos tiveram um sucesso e um fracasso cada um com essa estratégia.

Os republicanos ganharam em 1908 com a escolha de James S. Sherman como companheiro de chapa do candidato presidencial William H. Taft. Deputado federal pela região norte do Estado de Nova York, Sherman foi escolhido para contrabalançar a escolha de Taft, um político do Estado de Ohio, que foi considerado um candidato “do oeste”. Após a eleição, Sherman (que era conhecido como “Sunny Jim”) praticamente não desempenhou papel algum na presidência de Taft. Ele apenas presidia o Senado e jogava golfe. Quando Taft derrotou Theodore Roosevelt na disputada Convenção Nacional Republicana de 1912, Sherman foi escolhido para integrar novamente a chapa. Mas ele morreu de uma cardiopatia pouco antes da eleição de novembro, e hoje em dia o nome dele está de maneira geral, e merecidamente, esquecido.

Vinte anos mais tarde, na tumultuada Convenção Democrata de 1932, que elegeu Franklin D. Roosevelt candidato pelo Partido Democrata pela primeira vez, o presidente da Câmara, John Nance Garner, do Texas (o apelido dele era “Cactus Jack”), orientou os seus delegados a votarem em Roosevelt em um momento decisivo para superar um impasse na votação, e em troca recebeu a vaga de candidato à vice-presidência. Mais tarde ele ficou famoso por ter afirmado que o cargo de vice-presidente não valia “um balde de urina quente”. Garner tentou ser o candidato presidencial pelo partido em 1940, mas ele foi incapaz de vencer a simpatia nacional pelo terceiro mandato de Roosevelt.

Sherman e Garner foram pelo menos escolhas convincentes à época. Já a opção de Barry M. Goldwater, em 1964, por outro membro da Câmara dos Deputados, William A. Miller, do condado de Niagara, baseou-se na tese de que o intenso fervor partidário que fora exibido por Miller como republicano iria prejudicar Lyndon B. Johnson e deixá-lo, conforme disse Goldwater, “louco”. Como Goldwater não tinha esperança alguma de vencer no Estado de Nova York, a escolha de Miller fez pouco sentido sob o ponto de vista eleitoral. Após a derrota de Goldwater, Miller ficou relegado à obscuridade até retornar à cena em 1975, em uma propaganda do cartão American Express, na qual ele indagava, “Você me conhece?”.

Em 1984, ao se deparar com perspectivas eleitorais tão sombrias quanto as de Goldwater, Walter F. Mondale deu ouvidos à ala feminista do Partido Democrata e escolheu Geraldine A. Ferraro como a primeira mulher a integrar uma chapa presidencial norte-americana. Mas, apesar dos aspectos positivos da novidade, Ferraro acabou se revelando um nome problemático. Além de carecer de um estilo de campanha empolgante, ela tinha uma história financeira complicada que atraiu o escrutínio da mídia. Assim, o nome do terceiro integrante de Nova York da Câmara dos Deputados a fazer parte de uma chapa presidencial norte-americana desceu pelo ralo.

Em 1996, Jack Hemp provavelmente era mais conhecido como atacante do time de futebol americano Buffalo Bills e como secretário da Habitação do presidente George H.W. Bush do que pelos anos em que atuou na Câmara dos Deputados como demolidor de impostos. E o ex-vice-presidente Dick Cheney também foi deputado federal, mas a sua escolha para disputar a vice-presidência em 2000 deveu-se mais à sua experiência executiva na Casa Branca e no Departamento de Defesa do que à forma inescrupulosa como ele se aproveitou do processo de seleção que ele vislumbrou para o presidente George W. Bush. O próprio primeiro presidente Bush foi deputado federal durante dois mandatos e perdeu duas disputas pelo Senado antes de se tornar o vice-presidente de Ronald Reagan.

Para a consternação dos deputados federais, o odiado Senado sempre foi uma rota mais promissora para fazer vice-presidentes, incluindo J. Danforth Quayle, Al Gore e Joseph R. Biden Jr. O Senado também viu três dos seus integrantes passarem diretamente à presidência: Warren G. Harding, John F. Kennedy e Barack Obama. A experiência na Câmara pode ser um fator positivo; mas atuar como deputado nem tanto. Os membros da Câmara não parecem ter as supostas habilidades políticas dos seus colegas do Senado.

Poderá Ryan se revelar um Sherman ou um Garner, ou ele estará destinado a se tornar um Miller ou uma Ferraro? Seria ele uma escolha inteligente ou uma aposta arriscada, ao se levar em conta a sua posição quanto ao Medicare e à redução de impostos para os ricos? Alguns políticos de direita já dão a impressão de que desejariam que Ryan, e não Romney, fosse o candidato a presidente, e isso traz à memória a história que circulou quando o presidente Calvin Coolidge perguntou a William E. Borah, senador pelo Estado de Idaho, em 1924, se ele gostaria de fazer parte da sua chapa. Borah teria respondido: “Para qual cargo, senhor presidente?”.

As chapas nas quais o candidato à vice-presidência dá a impressão de possuir maior competência ideológica e intelectual do que o candidato à presidência podem ser problemáticas. Basta lembrar do democrata Michael S. Dukakis e nos seu companheiro de chapa, Lloyd Bentsen, em 1988. Talvez a escolha feita por Romney não tenha nada a ver com o fato de Ryan ser deputado federal nem com a sua posição de presidente do Comitê do Orçamento. Na verdade, ele pode ter se baseado na sensação generalizada entre os políticos de direita de que Ryan venceria Biden no único debate que os dois farão e de que, ao mesmo tempo, com a simples presença dele bastasse para desequilibrar Obama.

Portanto, Ryan, assim como Miller, pode ter atraído os republicanos como uma forma de distrair os democratas e, desta forma, fazer com que eles cometessem uma gafe enorme ou um ato falho fatal. Ryan tem pela frente a difícil tarefa de demonstrar que a sua reputação de especialista no orçamento e intelectual republicano na Câmara não se deve apenas à notável inexistência de competidores sérios por esses títulos nos quadros parlamentares republicanos. Caso contrário o futuro poderá reservar também a ele apenas uma propaganda do American Express.

(*) Lewis L. Gould é professor emérito de história dos Estados Unidos na Universidade do Texas em Austin, e autor do livro “Grand Old Party: A History of the Republicans” (“O Grande e Velho Partido: Uma História dos Republicanos”