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Dados de áreas recém desmatadas desmentem tese de Heleno de 'fenômenos naturais'

A concentração de focos de incêndio na Amazônia não acontece em áreas já desmatadas - Joao Laet / AFP
A concentração de focos de incêndio na Amazônia não acontece em áreas já desmatadas Imagem: Joao Laet / AFP

André Borges

Brasília

21/09/2020 18h22

A tentativa reiterada do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, de atribuir às queimadas da Amazônia e do Pantanal uma consequência de "fenômenos naturais" não encontra respaldo na realidade e nos dados científicos.

Uma nota técnica divulgada em agosto pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), órgão que estuda a região há 25 anos, mostra que a concentração de focos de incêndio na Amazônia não acontece em áreas já desmatadas da região.

Segundo o levantamento, que foi realizado a partir de dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 30% do fogo registrado na Amazônia em 2019 foi incêndio florestal, ou seja, em área protegida. Outros 34% estão relacionados a desmatamentos recentes.

"Essa é a realidade. Basta ver que 34% do fogo em 2019 ocorreu em áreas recém desmatadas, sendo a grande maioria, desmate ilegal. Se não houve coibição pelo governo, então não houve efetividade no combate. E veja que 2019 nem foi um ano muito seco como este ano", afirma Paulo Moutinho, doutor em ecologia e cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Hoje, em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a política ambiental do País, o ministro Augusto Heleno minimizou a alta nos números de desmatamento e queimadas, disse não haver "comprovação científica" de que há relação com a falta de ação do governo e atribuiu as críticas a uma tentativa de derrubar o presidente Jair Bolsonaro.

Heleno rebateu a afirmação de que há uma "inação" do governo em relação ao combate dos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que registraram alta nos últimos meses, segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Tem a ver com fenômenos naturais, cuja ação humana é incapaz de impedir", disse o ministro.

O próprio vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia, desmente o argumento de Augusto Heleno, ao admitir, em julho, que o governo demorou a agir para evitar o cenário catastrófico das ações de combate às queimadas e ao desmatamento.

Cobrado por investidores brasileiros e estrangeiros, Mourão admitiu que o governo Jair Bolsonaro demorou a tomar as medidas necessárias para combater o desmatamento na região amazônica. Segundo ele, as ações ocorreram com cerca de cinco meses de atraso. Mourão também considera que os índices de desmatamento na Amazônia Legal chegaram a um patamar inaceitável em 2019 e que este ano ainda não será melhor do que o anterior.

"Em termos de desmatamento, não será melhor (em 2020) do que no ano passado, posso dizer isso tranquilamente porque nós deveríamos ter começado o combate ao desmatamento em dezembro do ano passado ou, no mais tardar, em janeiro deste ano. Fomos começar em maio, o Conselho (da Amazônia) foi criado só em fevereiro", disse o vice-presidente.

Para a assessora política do Instituto de Estudos Socioambientais (Inesc), Alessandra Cardoso, a redução das forças de fiscalização de órgãos como Ibama e Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) também é reflexo da incapacidade de controlar a situação. "A disputa dos militares pelo protagonismo da ação contra o desmatamento na Amazônia e a forte orientação de recursos orçamentários para a pasta da Defesa, em detrimento dos órgãos ambientais, configura não uma inação, mas uma inegavelmente ação de desmonte da política de clima e proteção da floresta hoje no Brasil", diz.