Ambientalistas querem derrubar novo Código Florestal no Supremo
Ativistas ambientais consideram que os vetos da presidente Dilma Rousseff publicados no Diário Oficial da União desta quinta-feira (18), que alteraram a Medida Provisória do Código Florestal, foram atos inconstitucionais que podem ser questionados nos tribunais brasileiros.
Na noite de quinta-feira, o governo sancionou a suspensão de nove trechos que foram modificados em votação no Congresso, entre eles, a possibilidade de usar árvores frutíferas para reflorestamento e as faixas de recuperação de vegetação nas margens dos rios, o principal ponto de divergência nos últimos meses entre os parlamentares. Os vetos foram substituídos por novos itens por meio de decreto.
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Kenzo Jucá Ferreira, especialista em políticas públicas da WWF Brasil, afirma que a Presidência da República, ao assumir o papel do Legislativo, compromete todo o processo da lei e gera insegurança jurídica no país. “O Executivo extrapolou suas prerrogativas constitucionais. Os blocos, tanto de vetos quanto de decretos, trazem uma série de medidas que não podem ser estabelecidas desta maneira – o decreto serve pra regulamentar algo que já existe na Constituição Federal – o que não era o caso. O governo passou a legislar por meio de decreto, e isso é flagrantemente inconstitucional.”
O Comitê em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, que reúne cerca de 200 entidades da sociedade civil, já estuda entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e encaminhá-la ao STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar derrubar o Código Florestal, adianta Ferreira.
“Na nossa opinião, nem o Executivo nem o Legislativo conseguiram fazer uma boa lei ambiental para o Brasil. Agora, nos resta o Judiciário”, afirma Ferreira, que diz que a ação deve estar pronta até o começo de novembro. “A lei do novo Código Florestal ataca a Constituição Federal e afronta o artigo 225, que garante o acesso ao meio ambiente saudável e à integralidade da biodiversidade e dos recursos hídricos”, afirma.
Renata Camargo, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace, também se apoia no artigo para ressaltar a desigualdade que será criada no campo ao "tratar como igual o desmatador e o produtor que cumpre a lei”. Para a organização, a legislação ficou aquém do esperado e manteve a "anistia" àqueles que desmataram até julho de 2008 - ou seja, os "velhos desmatadores" não serão obrigados a recompor a diferença entre o período da nova legislação e a anterior, que era mais rigorosa e, no entanto, desrespeitada pela maioria dos produtores rurais.
"Você deixa de ter a lei que tinha como cerne a proteção nativa para ter, agora, uma lei que consolida áreas agricultáveis - e preservada com menos rigor do que no ano passado. Se você dá a sensação de que o crime ambiental compensou, então, quem disse que as pessoas vão cumprir esta nova lei que é menos rigorosa?", questiona. "O congresso ampliou a anistia aos desmatadores, e, de certa forma, isso foi mantido nos vetos da Dilma com a baixa recomposição. O governo passou a mão na cabeça dos desmatadores."
Veto parcial
Segundo os especialistas, o problema jurídico foi criado a partir do veto parcial no começo do ano, quando a presidente Dilma suspendeu 12 artigos e os devolveu como Medida Provisória ao parlamento brasileiro. Roberto Smeraldi, diretor de políticas da Amigos da Terra, organização que cuida dos direitos da região amazônica, lembra que houve estagnação nos conceitos do novo Código Florestal desde o início.
Prazo para análise do veto
Caso os parlamentares tentem derrubar os vetos da presidente, eles precisam convencer o senador José Sarney a colocá-lo na pauta. Depois, terão de garantir que a maioria no Legislativo: 257 dos 513 deputados e 42 dos 81 senadores compareçam e votem na sessão conjunta.
Segundo o parágrafo 4º do Artigo 66 da Constituição Federal, “o veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio (votação) secreto".
Sem condições de maioria absoluta, do respeito ao prazo, e do convencimento de Sarney, os vetos não têm condições de serem votados.
Sarney, que integra a base aliada do governo, já deixou vencer o prazo para votar 12 vetos presidenciais no começo do ano, quando ocorreu a aprovação da parte principal do projeto do Código Florestal
“Ele carece de avanços, pois não entra em aspectos importantes para a floresta. O código antigo, de 1964, ignorava questões como a restauração das florestas e o termo sustentável; era mais uma lei sobre conservação mesmo. Essa de 2012, infelizmente, continua com a lógica da lei antiga, pouco se preocupa com a restauração das matas.”
Já para a secretária-geral do WWF Brasil, Maria Cecília Wey de Brito, “os vetos da presidente apenas melhoram o que não é bom e podem ajudar o Brasil no cumprimento da Meta 5 da CDB (Convenção de Diversidade Biológica), que prevê um mínimo de 50% na redução do desmatamento no país”.
Ainda assim, os especialistas concordam que as áreas com cinco metros de reflorestamento, o mínimo previsto na nova legislação, é uma margem insuficiente para recompor matas nativas e, ainda, criar condições favoráveis para a fauna voltar a se estabelecer no habitat.
De acordo com Ferreira, uma copa de árvore da Amazônia já extrapola esse índice proposto pelo governo e o que o ideal, afirma, seria começar a reconstrução do uso solo a partir dos 30 metros na margem dos cursos dos rios.
Veja os textos vetados e as razões dos vetos
§ 9º do art. 4º - Não se considera Área de Preservação Permanente a várzea fora dos limites previstos no inciso I do caput, exceto quando ato do poder público dispuser em contrário nos termos do inciso III do art. 6o | "Ao contrário do previsto no inciso I do mesmo artigo, que regula uma situação extrema e excepcional, este dispositivo impõe uma limitação desarrazoada às regras de proteção ambiental, não encontrando abrigo no equilíbrio entre preservação ambiental e garantia das condições para o pleno desenvolvimento do potencial social e econômico dos imóveis rurais que inspirou a redação do art. 15, § 4o." |
§ 1º do art. 35 – “O plantio ou o reflorestamento com espécies florestais nativas, exóticas e frutíferas independem de autorização prévia, desde que observadas as limitações e condições previstas nesta Lei, devendo ser informados ao órgão competente, no prazo de até 1 (um) ano, para fins de controle de origem." | "O texto aprovado permite a interpretação de que passaria a ser exigido o controle de origem do plantio de espécies frutíferas pelos órgãos ambientais. Tal proposta burocratiza desnecessariamente a produção de alimentos, uma vez que o objetivo central do dispositivo é o controle da utilização de espécies florestais, seus produtos e subprodutos." |
§ 6º do art. 59 “Após a disponibilização do PRA, o proprietário ou possuidor rural autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito, poderá promover a regularização da situação por meio da adesão ao PRA, observado o prazo de 20 (vinte) dias contados da ciência da autuação." | "Ao impor aos produtores rurais um prazo fatal de vinte dias para a adesão ao PRA, o dispositivo limita de forma injustificada a possibilidade de que eles promovam a regularização ambiental de seus imóveis rurais. A organização e os procedimentos para adesão ao PRA deverão ser objeto de regulamentação específica, como previsto no próprio art. 59." |
Inciso I do § 4º do art. 61 “Em 15 (quinze) metros, contados da borda da calha do leito regular, para imóveis com área superior a 4 (quatro) e de até 15 (quinze) módulos fiscais, nos cursos d'água naturais com até 10 (dez) metros de largura;" | "A redação adotada reduz a proteção mínima proposta originalmente e amplia excessivamente a área dos imóveis rurais alcançada pelo dispositivo, elevando o seu impacto ambiental e quebrando a lógica inicial do texto, que já contemplava adequadamente a diversidade da estrutura fundiária brasileira." |
Inciso V do § 13 do art. 61 – “Plantio de árvores frutíferas." | "Ao autorizar indiscriminadamente o uso isolado de frutí- feras para a recomposição de APPs, independentemente do tamanho da propriedade ou posse, o dispositivo compromete a biodiversidade das APPs, reduzindo a capacidade dessas áreas desempenharem suas funções ambientais básicas. Vale lembrar que o inciso IV do mesmo artigo já prevê a possibilidade do uso de espécies nativas e exóticas, de forma intercalada, para recomposição de APPs em pequenos imóveis rurais, equilibrando adequadamente a necessidade de proteção ambiental com a diversidade da estrutura fundiária brasileira." |
§ 18 do art. 61 – “Nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais intermitentes com largura de até 2 (dois) metros, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5 (cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da área do imóvel rural." | "A redução excessiva do limite mínimo de proteção ambiental dos cursos d´água inviabiliza a sustentabilidade ambiental no meio rural, uma vez que impede o cumprimento das funções ambientais básicas das APPs. Além disso, a ausência de informações detalhadas sobre a situação dos rios intermitentes no país impede uma avaliação específica dos impactos deste dispositivo, impondo a necessidade do veto." |
Inciso III do art. 61- “25% (vinte e cinco por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) e até 10 (dez) módulos fiscais, excetuados aqueles localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal." | "A proposta desrespeita o equilíbrio entre tamanho da propriedade e faixa de recomposição estabelecido na redação original do art. 61-B, que criava um benefício exclusivamente para os imóveis rurais de até quatro módulos fiscais, tendo em vista a sua importância social para a produção rural nacional. Ao propor a ampliação do alcance do dispositivo, o inciso III impacta diretamente a proteção ambiental de parcela significativa território nacional." |
Art. 83 – “Revogam-se as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e suas alterações posteriores, a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, o item 22 do inciso II do art. 167 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e o § 2º do art. 4º da Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012." | "O artigo introduz a revogação de um dispositivo pertencente ao próprio diploma legal no qual está contido, violando os princípios de boa técnica legislativa e dificultando a compreensão exata do seu alcance. Ademais, ao propor a revogação do item 22 do inciso II do art. 167 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, dispensa a averbação da Reserva Legal sem que haja ainda um sistema substituto que permita ao poder público controlar o cumprimento das obrigações legais referentes ao tema, ao contrário do que ocorre no próprio art. 18, § 4o, da Lei no 12.651." |
Inciso II do § 4º do art. 15 “50% (cinquenta por cento) do imóvel rural nas demais situações, observada a legislação específica.” | "Ao contrário do previsto no inciso I do mesmo artigo, que regula uma situação extrema e excepcional, este dispositivo impõe uma limitação desarrazoada às regras de proteção ambiental, não encontrando abrigo no equilíbrio entre preservação ambiental e garantia das condições para o pleno desenvolvimento do potencial social e econômico dos imóveis rurais que inspirou a redação do art. 15, § 4o." |
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