USP encontra material de queimadas em água da chuva de dia que virou noite
Análise preliminar feita pelo Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo) em água da chuva no dia em que a região metropolitana de São Paulo virou noite em plena tarde apontou alterações na cor e no odor do material coletado.
Na segunda-feira à tarde, a cidade escureceu às 15h devido aos ventos que trouxeram a fumaça provocada pelas grandes queimadas no sul da Bolívia e no Paraguai no fim de semana. Essa fuligem atravessou Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo e chegou a alcançar Minas Gerais, somando-se à fumaça provocada pelas queimadas amazônicas e aumentando a intensidade desse "corredor".
A água da chuva desse dia ficou escura e com cheiro de queimado. Moradores de diversas regiões pela cidade estranharam o líquido parecido a café.
O Instituto de Química da USP constatou a presença de uma substância tóxica, característica de biomassa (matéria orgânica de origem vegetal) queimada.
A doutora em química Pérola de Castro Vasconcellos, responsável pela análise da USP, disse que o componente químico encontrado é oriundo de queimadas. Ela também afirma que não é possível encontrar esse componente em nenhuma outra fonte.
"Achamos um composto que é encontrado só em queimadas, na queima de biomassa. Esse composto não é emitido em esquema de emissões industriais e não é emitido em emissões de carro. E nós o encontramos. É um composto chamado reteno", explica a professora.
A docente afirmou que as análises vão continuar em busca de novos componentes químicos na água coletada. Devem demorar mais de 30 dias para ficarem prontas.
O diretor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Marcos Buckeridge, também analisou a água proveniente da chuva. Ele afirmou ter sentido um forte cheiro de queimado. Segundo o especialista, as partículas de fumaça na atmosfera subiram e esse material ficou suspenso. Conforme os ventos passaram, a fuligem (partículas) foi soprada em direção a outros estados e acabou chegando a São Paulo.
"É como se você pegasse um pedaço de carvão para churrasco, mas sem ter feito churrasco e colocasse num balde de água. Tudo isso é fuligem de queimada, a composição é hipercomplexa e está cheia de coisas", diz.
Segundo ele, quando ocorre queimada numa floresta, nem todo material vira gás carbônico e outros gases que fixam na atmosfera. Algumas micropartículas sobem com a fumaça e chegam a entrar nas nuvens. Essa composição recebe o nome de fuligem.
"Isso não é normal. Eu sou paulistano e nunca tinha visto isso. O problema é que essas queimadas estão muito fortes. Toda essa fumaça ficou capturada na nuvem e coincidiu com a chuva, havendo uma poluição dessa água. Tudo isso foi para os rios, ou seja, a gente poluiu os rios com esse material", afirma.
Segundo Buckeridge, essa fumaça é tóxica e, se houver contato constante, pode trazer graves problemas de saúde para a população, como crises respiratórias e surgimento de câncer, entre outras patologias.
Moradores estranham "água de café"
O analista contábil Olavo Washington Luiz da Silva, 31, morador de São Mateus, na zona leste da capital, conta que sua mãe costuma armazenar água da chuva para afazeres domésticos. Desta vez, não puderam utilizar o que coletaram.
"A primeira impressão foi que o telhado estivesse sujo, mas lembramos que na última chuva não havia saído essa água suja. Até brincamos que parecia água de café", diz.
A moradora do bairro da Saúde, na zona sul da capital paulista, Nataly Munhoz, 33, conta que, quando a família percebeu a diferença na cor da chuva, encheu um copo de água.
"Os vizinhos ficaram um pouco espantados pela escuridão. Nós ficamos surpresos, porque, quando é só sujeira da calha, no dia seguinte a poeira decanta para o fundo, não foi o que aconteceu dessa vez. Minha família disse que sentiu um cheiro estranho, de queimado."
Clima propício
De acordo com o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), a queda de temperatura e os ventos intensos vindos do noroeste trouxeram ar quente do sul da Amazônia e da região do Pantanal.
Porém, a formação de uma área de baixa pressão e a intensificação de queimadas entre a Bolívia e o Paraguai fez com que parte da fumaça dos incêndios fosse transportada para Mato Grosso do Sul e São Paulo.
O meteorologista Marcelo Scheneider, do Inmet, não descarta a possibilidade de a água da chuva ter ficado escura devido aos fortes ventos que trouxeram essas partículas, mas ressalta que é preciso aguardar resultados mais complexos.
"Meteorologicamente, não dá para descartar, porque os ventos estavam propícios. E há indicativo de que a queimada principal teve foco na Tríplice Fronteira (Brasil, Bolívia e Paraguai), bem na região do Pantanal. Então o foco de incêndio sobe e pode ter chegado aqui à capital", afirma.
A meteorologista Josélia Pegorim, do Climatempo, também destacou as queimadas oriundas de Bolívia, Rondônia, Acre e Paraguai.
"O vento das camadas mais elevadas da atmosfera mudou de direção com a passagem da frente fria, fazendo com que a fumaça fosse direcionada para o estado de São Paulo e região sul de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná."
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