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Em tour por SP, ministros defendem que Brasil use verba do G7 como quiser

26.ago.2019 - O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, participa de evento na ACSP (Associação Comercial de São Paulo) - Nelson Antoine/Estadão Conteúdo
26.ago.2019 - O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, participa de evento na ACSP (Associação Comercial de São Paulo) Imagem: Nelson Antoine/Estadão Conteúdo

Ana Carla Bermúdez e Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

26/08/2019 18h40

Com um discurso afinado ao do Palácio do Planalto, como poucas vezes foi visto, os dois principais ministros do presidente Jair Bolsonaro (PSL) ligados diretamente à crise internacional provocada pelo aumento das queimadas na Amazônia estiveram em uma maratona de eventos hoje em São Paulo. Eles falaram para empresários nacionais e estrangeiros e o recado foi passado: o Brasil usará como quiser a ajuda financeira prometida pela comunidade internacional.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, usaram todas as oportunidades possíveis para dizer que queimadas são normais e acontecem todo ano. Também apontaram responsáveis pela crise de imagem que atinge o Brasil hoje: a França, a imprensa, as gestões antigas e até mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba.

Ambos ainda deram sinais de que os críticos internacionais têm como meta ameaçar a soberania nacional. Tereza Cristina chegou a chamar os países europeus, em especial o presidente francês, Emmanuel Macron, de oportunista.

O bate-cabeça provocado por diferentes posições é comum dentro do governo, por isso o alinhamento da fala de Salles e Tereza Cristina chama a atenção. Em comum, ambos disseram que a ajuda financeira prometida pelo G7 de US$ 20 milhões é bem-vinda, desde que não ameace a soberania nacional e o Brasil escolha a melhor forma de gastar este dinheiro.

"Esse dinheiro precisa vir logo. A implementação é mais difícil do que o anúncio. Mas é preciso que o Brasil o use da forma que entender que é correto, para as urgências e o combate às ações ilícitas ligadas ao desmatamento. Mas o país não abre mão, e não deverá mais abrir mão da sua prerrogativa sobre como as coisas serão executadas aqui dentro. Isso é fundamental. No Brasil, é decidido pelos brasileiros", disse Salles após evento na ACSP (Associação Comercial de São Paulo).

Tereza Cristina foi além em sua fala. Durante entrevista aos jornalistas após se reunir com autoridades japonesas na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a ministra da Agricultura defendeu que o dinheiro nas iniciativas consideradas importantes pelo Brasil para a preservação da Amazônia, como o desenvolvimento econômico da região, e não no reflorestamento das áreas atingidas pelas queimadas --segundo ela, a mata se refloresta sozinha. "Você tem que dar condições para que estas pessoas tenham seus negócios. Com miséria, você não preserva nada", afirmou a ministra.

Os dois ministros tiveram agenda intensa na capital paulista após uma semana de crise na imagem do Brasil no exterior pela repercussão das queimadas na Amazônia. Na maratona de eventos, ambos se sentiam em casa. Empresários do ramo imobiliário, de habitação, do agronegócio e comerciários, que ocuparam as poltronas das palestras, fazem parte do público cativo dos ministros.

Tereza Cristina foi presidente da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) e costuma ser acompanhada de representantes da bancada ruralista e empresários do setor. Já Salles é líder do movimento Endireita Brasil. Em 2018, se candidatou a deputado federal pelo partido Novo, mas não conseguiu se eleger. Um dos santinhos distribuídos à época da campanha sugeria o uso de balas "contra a esquerda e o MST" para a "segurança no campo".

Tereza Cristina - Roberto Casimiro/Fotoarena/Estadão Conteúdo - Roberto Casimiro/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Tereza Cristina durante entrevista na Fiesp
Imagem: Roberto Casimiro/Fotoarena/Estadão Conteúdo

A ruralista afirmou que "por enquanto" não recebeu reclamações do agronegócio de que a polêmica envolvendo as queimadas possam atrapalhar os negócios brasileiros. "Enquanto efeito prático, nós ainda não tivemos, no Ministério da Agricultura, nada oficial sobre isso. Mas é claro que a imagem é uma coisa que a gente tem que preservar e tem que manter", disse.

Segundo Tereza Cristina, algumas vezes é procurada para "conversas pessoais" manifestando alguma preocupação, mas nada de "efetivo e concreto".

A ministra da Agricultura teve agenda na Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, onde falou para empresários e representantes diplomáticos dos países da região. No fim do evento, ofereceu o seu número de celular para os participantes do evento e colocou-se à disposição para tirar dúvidas e receber sugestões do empresariado árabe de uma forma mais próxima, principalmente às vésperas da viagem que fará pela região em setembro. Na Fiesp, no painel de Diálogo Brasil-Japão, reuniu-se com representantes do país asiático e do agronegócio. Tomou saquê e ofereceu cachaça ao ministro da Agricultura, Floresta e Pesca do Japão, Takamori Yoshikaw.

Na Câmara Árabe, o evento de Tereza Cristina foi aberto para perguntas dos empresários ligados ao mercado árabe --mas não para os jornalistas que acompanhavam o evento, que só puderam falar com a ministra rapidamente após a apresentação. A ministra não foi perguntada diretamente sobre as queimadas em si, mas sobre o impacto que a retórica de Macron poderia ter sobre as vendas de produtos agrícolas. Foi Tereza Cristina quem aproveitou o gancho para falar das queimadas, lembrou do bom senso do G7 e fez questão de atacar a imprensa pelo que chamou de "histeria com a Amazônia", afirmando que os jornalistas cometem "crime de lesa-pátria" pela imagem que vendem do Brasil. Foi amplamente aplaudida pelos presentes por alguns segundos.

Blindado para não ser abordado pela imprensa, Salles chegou por volta das 9h para participar do evento da Secovi-SP, sindicato da habitação de São Paulo. Antes de subir ao palco, conversou ao pé de ouvido com Flávio Amary, secretário da Habitação do governador João Doria (PSDB) e presidente licenciado do Secovi. Salles falou para empresários da construção civil e do mercado imobiliário. O setor, que defende a desburocratização da legislação ambiental para o avanço dos investimentos em habitação, tem proximidade com Salles há anos.

Já em cima do palco, não foram raras as ocasiões em que o ministro ficou no celular enquanto aguardava o momento da sua fala. Bastou uma fotógrafa chegar mais perto do espaço para retratar o ministro para que membros da sua equipe de segurança procurassem, com desconfiança, a organização do evento para saber quem era a moça.

Após se referir a Salles como "amigo", o secretário Amary pediu uma salva de palmas ao ministro. "Agradecemos tudo o que ele tem feito em defesa do meio ambiente", disse. Toda a plateia, formada por empresários da construção civil e do mercado imobiliário, se levantou para aplaudi-lo.

As queimadas na Amazônia foram nem sequer mencionadas pelos participantes da mesa de debates. Foi o ministro, em seu discurso, quem trouxe o tema à tona. Em sua fala, culpou gestões anteriores à de Bolsonaro pelos problemas que a região amazônica enfrenta hoje.

Salles repetiu o tom à tarde, em evento na ACSP (Associação Comercial de São Paulo), onde palestrou e respondeu a perguntas de comerciários da cidade. Um dos participantes foi o empresário e político Andrea Matarazzo, que anunciou sua candidatura à Prefeitura de São Paulo em 2020 pelo PSD. Ele quis saber sobre formas de acelerar o licenciamento ambiental na capital paulista.

Constantemente elogiado pelos participantes por suas políticas à frente do ministério do Meio Ambiente, Salles estava mais uma vez à vontade. Em seu discurso, disse que existem ONGs boas e outras ruins, que "são quase um pretexto para continuar tomando dinheiro do governo", atuando na Amazônia. Repetiu boa parte do que havia falado pela manhã e disse ser preciso manter no horizonte que "há interesses comerciais", inclusive de órgãos internacionais, sobre o território amazônico.

Ao fim do evento, perguntado por jornalistas sobre quais seriam essas organizações, o ministro não quis dizer nomes. "O Brasil já sabe bem quais são as ONGs que atuam internacionalmente, que fazem diversas medidas, algumas delas positivas e outras que não são positivas", disse, para então encerrar a entrevista e sair do local. Ele ainda participa à noite do "Roda Viva", feito ao vivo na TV Cultura.