90% das queimadas em áreas de agronegócio na Amazônia são para criar gado
Embora muita gente acredite que a agricultura seja o principal responsável pelas queimadas na Amazônia, nove em cada dez focos de queimadas em áreas destinadas ao agronegócio foram em pastagens para criação de gado. O cálculo, repassado ao UOL, leva em consideração os 20 primeiros dias de agosto e foi feito pelo Greenpeace com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Além de apontar quem são os principais responsáveis pelas queimadas, o dado pode ajudar os fiscais nas autuações, já que a maioria dessas queimadas é ilegal, segundo o Greenpeace.
De acordo com a pesquisa, 6.047 focos de incêndio ocorreram em áreas utilizadas para agricultura e pecuária no período. Desse total, 5.445 foram em pastagens, enquanto 602 em áreas de cultivo.
O Greenpeace explica que as informações sobre os focos de calor vêm do banco de queimadas do Inpe (Deter). A equipe sobrepõe esses dados espaciais com os do Prodes (sobre florestas), também do Inpe, e do MapBiomas (com regiões do agronegócio), do Observatório do Clima. Ao sobrepor esses mapas, é possível identificar onde ocorrem os desmates.
"A partir dos anos 1970, a pecuária se tornou o principal responsável pelo desmatamento na região", afirmou ao UOL Danicley Aguiar, engenheiro agrônomo membro da Campanha da Amazônia do Greenpeace. "E grande parte dessas queimadas aconteceu onde o Inpe fez o alerta."
Quando você analisa os dados, percebe que grande parte dessas derrubadas [de árvores] são ampliações de pastos que já existem ou abertura de novas pastagens. É também um jeito de grilar terras.
Danicley Aguiar, do Greenpeace
A responsabilidade dos pecuaristas é ainda maior, avalia o órgão. Além dos 5.445 focos em pastagens, outros 15.749 incêndios foram registrados no mesmo período em áreas de floresta virgem ou recentemente desmatada.
"É muito provável que até 70% desses focos virem pasto", calcula Aguiar, que trabalha em Belém (PA) e acompanha a polêmica de perto. "Os números históricos indicam que de 60% a 70% de área aberta em florestas são utilizadas pela pecuária."
Se a previsão se confirmar, o espaço para criar gado deve ocupar os clarões abertos em cerca de 11 mil desses focos de incêndio. "Neste momento, é apenas comparando com a história que podemos estimar o destino dessa área que virou cinza em agosto."
A queimada é uma das técnicas mais primitivas da história. Rápida e barata, ainda é muito utilizada no meio rural. Para a agricultura, as cinzas servem até como adubo natural. Para as pastagens, a técnica serve para limpar o terreno antes do plantio da grama para o gado.
"Para poder abrir a floresta, eles vão primeiro por baixo, cortando as árvores jovens, que são mais úmidas, e deixam as grandes para então atear fogo", explica Marcos Buckeridge, diretor do Instituto de Biociência da USP.
Queimada ilegal
O engenheiro agrônomo explica que "a queimada é permitida" desde que siga as regras de segurança, "mas não é o que acontece". "É fundamental que a queimada seja autorizada por um órgão ambiental estadual. Sem isso, é crime" diz. Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou um decreto que proíbe, por 60 dias, o emprego do fogo no país.
Para ter certeza sobre a proporção de focos ilegais, é preciso colher os dados de todas as secretarias estaduais, "mas eles não estão disponíveis para consulta", diz Aguiar.
O ambientalista afirma que o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, que autoriza as queimadas legais, admitiu que não recebeu nenhum requerimento de queimada no período, o documento exigido pelo governo para autorizar o procedimento.
Além disso, 75% dos focos ocorreram em áreas que eram floresta em 2017, um indicador de que as queimas são irregulares. "Independentemente da legalidade, o fato é que essas queimadas estão aumentando e isso é grave", diz.
Aguiar afirma ainda que é possível aumentar a criação de gado sem precisar estender as pastagens, o que exige investimento. Ele calcula em 10 milhões de hectares a área de pastos abandonados esperando restauro.
"Só salvaremos a Amazônia do colapso com fiscalização e tecnologia", diz o ambientalista. "Os infratores precisam ser identificados e a tecnologia pode restaurar regiões e evitar a incorporação de novas terras."
Mas o que vemos agora é o inverso: há desmonte da política de controle e falta de verbas. O Ministério de Ciência e Tecnologia está com o pires na mão
Danicley Aguiar, do Greenpeace
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