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Com universidades sem verba, cientistas bancam pesquisas sobre óleo no NE

Secretaria de Justica e Direitos Humanos de Pernambuco / Divulgação
Imagem: Secretaria de Justica e Direitos Humanos de Pernambuco / Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

01/11/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Pesquisadores relatam dificuldades em pesquisas após cortes de verbas
  • Equipamentos são ultrapassados e diárias saem do bolso dos estudiosos
  • Eles pedem mais dinheiro e mais gente para ajudar a analisar o desastre ambiental

A chegada do óleo na costa do Nordeste, desde o dia 30 de agosto, levou a uma corrida de pesquisadores para investigar o material encontrado, a movimentação dos resíduos no mar e as consequências ambientais.

Entre as dificuldades já conhecidas em investigar o caso, são a escassez de recursos das universidades federais e o corte em bolsas e custeio de pesquisas que mais desafiam os doutores da região.

Desde setembro, o UOL acompanha o resultado de diferentes pesquisas conduzidas por instituições por todo o Brasil e que têm apontado para descobertas importantes. Todos os pesquisadores envolvidos relataram problemas causados pela falta de recursos.

Para não terem de parar as pesquisas e diante da emergência criada pelo desastre com o óleo, usam verbas de outros estudos ou bancam viagens e materiais do próprio bolso. Além disso, relatam dificuldades como a falta de insumos e equipamentos ultrapassados.

Isso, em alguns casos, tem comprometido o estudo. Os professores cobram mais bolsas e financiamento para pesquisas a fim de garantir a análise dos impactos, que serão sentidos ainda por muito tempo. Também falam sobre a necessidade de mais pessoas se engajarem nas pesquisas.

A falta de verba levou o projeto Cetáceos da Costa Branca, da UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte), a fazer um pedido de doações em dinheiro, medicamentos, materiais de uso veterinário e ambulatorial ou "qualquer item que possa ajudar". O projeto tem atuado no atendimento a animais oleados.

Segundo a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), neste ano foram cortadas 8.050 bolsas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e 9.842 do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

"A resposta para todas essas coisas que afetam muita gente, a saúde e a condição de vida das pessoas depende muito de ciência, tanto para prevenir como para mitigar os seus impactos", diz o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira.

Para ele, os cortes não atingem só bolsas, mas também o custeio e insumos das pesquisas. "Se você descontinua recursos da pesquisa, como foi feito por Capes e CNPq, certamente a médio e longo prazo vamos ter um impacto imenso. Grande parte das pesquisas sobre o óleo, sobre as queimadas na Amazônia, sobre o meio ambiente e sobre os rios é feita por alunos e professores da pós-graduação. É na pós-graduação que se produz a maior parte das pesquisas do país", afirma.

Segundo apurou o UOL, apenas um edital para financiar pesquisa sobre o óleo foi lançado, pelo governo de Pernambuco, com previsão de R$ 2,5 milhões para financiamento total. A UFPE também anunciou ontem que irá abrir um edital específico para auxiliar ações sobre o tema.

Para Ildeu Castro, o aumento da verba por meio de editais é fundamental para pesquisar os efeitos do óleo, como já ocorreu em outros momentos de emergência.

"Minas Gerais fez isso para a situação [da tragédia] de Mariana [após o rompimento da barragem], inclusive com recursos de empresas que tiveram de pagar multas. Já tivemos editais preventivos que foram muito bem-sucedidos, como foi o caso do zika. Foi pelas pesquisas que conseguiram segurar o avanço do vírus no Brasil. Seria muito importante o governo federal e fundações de amparo se mobilizarem, e editais seria um mecanismo", relata.

Pesquisadores relatam a seguir dificuldades encontradas em universidades pelo Brasil para analisar o impacto do óleo no Nordeste. Até hoje, ainda não se sabe a causa do desastre ambiental.

Carlos Teixeira, doutor em oceanografia da UFC (Universidade Federal do Ceará):

"Temos zero recurso específico para isso. Estamos usando recursos de outros projetos e muitas vezes recursos próprios. Estamos tentando junto ao estado do Ceará recursos específicos para estes estudos e existe uma chance. O governo federal não sinalizou nada nem tem repassado os recursos de projetos já aprovados. A situação de financiamento a pesquisa antes desse desastre já era crítica. Se a sociedade pretende analisar os impactos deste desastre, é fundamental que a gente tenha recursos específicos. No caso do desastre de Mariana, foi feito um financiamento específico com este fim, esperamos que seja feito [igual para o óleo]."

Mauro de Melo Junior, professor do Departamento de Biologia da UFRPE - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Mauro de Melo Junior, professor do Departamento de Biologia da UFRPE
Imagem: Arquivo pessoal

Mauro de Melo Junior, doutor em ciências/oceanografia biológica da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco):

"Estamos custeando parte dessas pesquisas do próprio bolso. Só recebemos diárias para custear coletas na baía de Tamandaré por causa do projeto que está financiado pelo CNPq para estudar aquela região. Mas, para coletar outros pontos da costa, estamos tirando dos nossos bolsos, já que é algo emergencial e não tivemos tempo para solicitar nada às agências de fomento. Estamos formando grupos integrados para solicitar verba ao edital da Facepe [Fundação de Amparo a Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco]. Nesta semana vamos para o rio Capibaribe. Vamos custear tudo: dos potes para as amostras, aos custos de aluguel da embarcação e dos serviços do barqueiro."

Alberto Wisniewski Junior, pós-doutor em química da UFS (Universidade Federal de Sergipe):

"Nosso trabalho, neste caso, foi todo realizado empregando recursos e equipamentos para outra finalidade. Este até não é o ponto crítico, uma vez que a estrutura já existe e pode ser usada. Não vejo problemas. Com certeza o apoio para estabelecer infraestruturas com tecnologia de fronteira podem ajudar a se obter dados mais rápido e com maior confiabilidade. Não solicitamos formalmente. Estou sempre buscando apoio financeiro. Neste caso específico, estou tratando disso em outra esfera e em diversas frentes."

Para vencer a inércia, só cortando na carne: nossa ou de outros projetos, que vão ficar capengas de alguma forma.
Monica Costa, pesquisadora

Monica Costa, doutora em ciências ambientais da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco):

"O recurso financeiro vai precisar ser ampliado. O governo de Pernambuco liberou o que foi possível a esta altura do ano em um edital da Facepe. Mas, acima de tudo, precisamos de recursos humanos de todas as áreas, que vão ser muito importantes. A gente não está dando conta. Também precisamos, por exemplo, receber amostras para analisar a preços razoáveis. Estamos bancando pesquisas com nossos recursos todos os dias porque isso não estava previsto. Então, para vencer a inércia, só cortando na carne: nossa ou de outros projetos, que vão ficar capengas de alguma forma."

Emerson Soares, doutor em biotecnologia da Ufal (Universidade Federal de Alagoas):

"Recurso hoje em dia é o que a gente mais está buscando. Só um grupo nosso do laboratório escreveu sete, oito projetos neste ano. Desses, conseguimos arrecadar dinheiro de um projeto. Mas a gente tem mais projetos, que são bons, mas a dificuldade é enorme, tanto no governo federal como no governo estadual. Os editais diminuíram, embora a Fapeal [Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas] tenha algumas pequenas linhas de recursos, é menos recursos para mais gente competindo. Agora a gente está buscando um inclusive com a bancada federal, com a Fapeal e com o CNPq, para conseguirmos ter estudos nessas linhas de meio ambiente e impacto ambiental. Nós vamos precisar urgente! Estamos colocando dinheiro do próprio bolso ou de outros projetos que temos ainda resquícios [de dinheiro]. Nós trabalhamos por amor e porque temos que dar uma resposta a sociedade."

Estamos tirando dos nossos bolsos, já que é algo emergencial.
Alberto Wisniewski Junior, pesquisador

José Carlos Seoane, doutor em geociências da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro):

"Imagens de satélite poderiam estar sendo compradas, como as do [satélite] Radarsat. Tem vários satélites desse tipo para trabalhar. A gente aqui na universidade não tem orçamento específico para isso, estamos trabalhando só com as imagens gratuitas. O meu colega Humberto [da Ufal], a mesma coisa. Não temos orçamento para nada. Absolutamente nada a mais de orçamento foi aberto, e a gente está esperançoso que os nossos colegas da Marinha, ICMBio e Ibama consigam adquirir e trabalhar essas imagens. Ficamos à disposição para que nos repassem, se quiserem compartilhar o trabalho."

Patricia Eichler, pós doutora em oceanografia biológica da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina) e da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte):

"Estamos precisando de recursos tanto na parte da oceanografia como na parte da biologia --nessa parte por causa do problema agudo [com as espécies afetadas pelo óleo]. Precisamos de voluntários, dinheiro para veterinários, gente para limpar os animais. Precisa também de gente para estudar a evolução dessas manchas. Precisamos descobrir esse óleo que não chegou às praias. Onde ele está? Precisamos pesquisar o fundo marinho, o sedimento marinho. Precisamos de recursos para bolsas para pesquisadores, para doutorado, mestrado, iniciação científica, dinheiro para viagens para apresentar e discutir dados que são coletados, porque os pesquisadores internacionais são mais avançados que a gente. Precisamos de dinheiro para equipamentos, porque trabalhamos com ferramentas rudimentares para isso."