MPF quer coibir compra de grãos e gado de acusados de crimes contra indígenas
Em uma região do Brasil atormentada por conflitos de terra e violência contra tribos indígenas, procuradores federais estão propondo a comerciantes de grãos e frigoríficos que deixem de comprar matéria-prima de fornecedores acusados de crimes contra as populações nativas.
A iniciativa, liderada por representantes da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que cuida de populações indígenas, pede que grupos do agronegócio, na forma de um "protocolo voluntário" ainda em negociação, não comprem soja ou gado de pessoas envolvidas em violência contra as comunidades tradicionais.
Em um primeiro momento, este acordo focaria os fornecedores de soja e gado do cone sul de Mato Grosso do Sul, Estado da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, onde se produz cerca 11% da carne bovina e 8% da soja do Brasil.
Tradings de grãos como Bunge e Archer Daniels Midland, além de frigoríficos como JBS e Marfrig, possuem operações na região.
Em conversas ocorridas desde junho, entidades do agronegócio se mostraram resistentes à formalização de tal protocolo, argumentando que podem estabelecer um precedente dúbio ao banir fornecedores antes do trânsito em julgado dos casos, disseram cinco pessoas familiarizadas com as negociações, que são confidenciais.
O MPF em Brasília confirmou as conversas com representantes das esmagadoras de soja e empresas de alimentos, mas recusou um pedido de entrevista sobre a negociação do protocolo.
Representantes da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que reúne as esmagadoras de grãos e tradings, e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), que representa frigoríficos, negaram-se a responder questionamentos.
A Marfrig e a Bunge preferiram não comentar. JBS e ADM não responderam de imediato a pedidos de comentários.
Enquanto as empresas questionam as razões por trás de uma eventual moratória contra fornecedores, uma fonte disse que a crescente pressão de mercados atendidos pelo Brasil poderia incentivar a adesão delas ao protocolo. Por exemplo, uma resolução de 2016 do Parlamento Europeu pede que o Brasil proteja os direitos indígenas e cita ameaças a tribos em Mato Grosso do Sul, disse a fonte.
Sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, as preocupações ligadas ao meio ambiente e aos direitos humanos no Brasil vêm aumentando, pressionando a aprovação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul.
A UE é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China, tendo adquirido cerca de 17,5% dos 101,7 bilhões de dólares gerados no ano passado com exportações agrícolas.
A negociação de uma moratória contra fornecedores que ameaçam populações indígenas ressalta como o maior escrutínio global pode dar força aos procuradores que combatem crimes na crescente fronteira agrícola do país.
"Vocês querem continuar comprando soja com sangue indígena?", perguntou um dos procuradores durante as conversas com representantes da indústria, de acordo com uma das fontes, que pediu anonimato devido à confidencialidade das tratativas.
Outra fonte disse que embora muitos frigoríficos concordem com o objetivo de reduzir a violência, existe a preocupação de que uma lista com pecuaristas proibidos poderia ser arbitrária, ilegal e um passo para a criação de um mercado negro de venda de gado.
Conforme as negociações avançam, uma versão mais refinada da proposta dos procuradores pode ganhar adesões, segundo as fontes.
Violência crescente
Uma lista parcial dos fornecedores que seriam afetados pela moratória proposta, que foi vista pela Reuters, incluía dezenas de réus acusados de assassinato, tortura e outros crimes contra povos indígenas.
Em um caso de 2016, 12 pessoas foram denunciadas por participar de uma suposta milícia financiada por agricultores para atacar indígenas Guarani Kaiowá e Ñandeva, de acordo com declarações do MPF no Mato Grosso do Sul.
Ativistas dos direitos indígenas afirmam que a violência em Mato Grosso do Sul aumentou durante a última década, à medida que a crescente demanda por soja e carne bovina do Brasil em mercados estrangeiros, principalmente da China, induzem a conflitos de terra entre ruralistas e tribos indígenas locais.
"A fertilidade e o clima favorável coincidem com a localização das terras indígenas", disse Antonio Dari Ramos, professor de história e antropologia da Faculdade Intercultural Indígena (Faind), na Universidade Federal da Grande Dourados. "É por conta do alto valor da terra que as disputas se acirram."
Os conflitos de terra recrudesceram durante o governo Bolsonaro, cujo apoio ao desenvolvimento econômico em terras indígenas soa, para alguns, como um aval à tomada de terras por agricultores, pecuaristas, madeireiros e garimpeiros.
Relatos de invasões de terras, extração ilegal de madeira e minérios e assassinatos em reservas indígenas cresceram acentuadamente neste ano, segundo o Conselho Missionário Indigenista (Cimi), uma organização de caridade ligada à Igreja Católica.
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