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O que o Brasil perderia com fim do Fundo Amazônia, que já recebeu R$ 3,4 bi

Greenpeace flagra ramais para transporte de toras em Uruará (PA). A investigação revelou superestimação de árvores para obter licença para extrair madeira no local - Rogério Assis/Greenpeace
Greenpeace flagra ramais para transporte de toras em Uruará (PA). A investigação revelou superestimação de árvores para obter licença para extrair madeira no local Imagem: Rogério Assis/Greenpeace

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

05/07/2019 04h01

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou na última quarta (3) que poderá extinguir o Fundo Amazônia, criado em 2008 sob o governo Lula para arrecadar recursos de países desenvolvidos a fim de prevenir, monitorar e combater o desmatamento.

Dois dos maiores doadores do fundo, Alemanha e Noruega, se queixam de duas manobras anunciadas pelo governo Bolsonaro: a diminuição de assentos no Comitê Orientador do Fundo, aumentando o peso do governo federal na gestão, e a ideia de usar dinheiro do fundo para indenizar fazendeiros que possuem imóveis em áreas de proteção ambiental.

Com o impasse, os doadores ameaçam encerrar os aportes, que já trouxeram R$ 3,4 bilhões para o país.

"Em teoria, sim [o fundo pode acabar]. Mas o que nós estamos falando aqui é de continuidade, diálogo, com mais afinco, mais dedicação e maior sinergia entre os diversos envolvidos.", afirmou Salles, conforme reportado pela Folha.

O ministro também questiona os projetos financiados - embora os doadores se digam satisfeitos com o uso da verba por aqui, que permite ao país pesquisar e preservar a floresta amazônica sem gastar dinheiro próprio para isso. Entenda:

Radiografia da Amazônia

Um dos projetos financiados pelo Fundo Amazônia é o Inventário Florestal Nacional (Amazônia), que usou cerca de R$ 65 milhões. O estudo abrange uma área de 419.694.300 hectares - quase a metade de todo o território nacional e mede o estoque de madeira, de biomassa, de carbono e a biodiversidade do bioma, além de analisar a saúde das florestas e a qualidade de vida das populações que as habitam. O último projeto do mesmo gênero, que abrangia todo o país, foi realizado em 1983.

Apoio no combate ao desmatamento

O Fundo destinou cerca de R$ 56 milhões para um projeto do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ) que visa, entre outras coisas, monitorar e combater focos de desmatamento na região amazônica, usando principalmente dados obtidos pelo Deter (software do Inpe que emite alertas em tempo real sobre desmatamento ilegal). Com esse projeto, o Ibama realizou 466 missões de fiscalização, emitiu 5.060 autos de infração e aplicou mais de R$ 2,5 bilhões em multas.

Desenvolvimento sustentável premiado no exterior

Premiado na última semana na 41ª Conferência da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o projeto Origens Brasil é parcialmente financiado pelo Fundo Amazônia e reúne povos indígenas, organizações da sociedade civil e empresas privadas.

O principal objetivo é o estímulo à produção sustentável, com baixa emissão de carbono e baseada em atividades econômicas das populações tradicionais do Brasil. Um dos grupos participantes do projeto, Associação Indígena Ksêdjê (AIK) foi premiada pela produção de óleo de pequi. Atualmente, o projeto reúne mais de 1,5 mil produtores, entre eles indígenas de 34 etnias diferentes.

Salles volta a discutir destino do Fundo Amazônia

Band Terra Viva

Base de dados rurais

O fundo também ajuda os estados a formularem bases de dados do campo - o Cadastro Ambiental Rural. O mapeamento permite verificar se os proprietários de imóveis na Amazônia têm preservado 80% da vegetação nativa, conforme estipulado pelo Código Florestal.

Ministro questiona projetos

Em maio, o UOL já havia reportado sobre os questionamentos de Salles em relação ao Fundo. O ministro havia dito que contratos de projeto do fundo mereciam uma "análise mais rigorosa" por apresentarem "indicativos de disfuncionalidades", sem explicar quais seriam.

O ministro também defendeu que não há "nenhum indicativo" de que os projetos financiados contribuam para a redução do desmatamento - argumento rebatido por relatórios mais recentes do Fundo e dos países financiadores.

Alemanha e Noruega, os principais financiadores da iniciativa, já declararam reiteradas vezes que não têm questionamentos em relação aos projetos patrocinados.

De acordo com o relatório de atividades do Fundo em 2018, publicado em maio passado, as verbas arrecadas possibilitaram a realização de 103 projetos ambientais, 190 unidades de conservação apoiadas, 465 publicações científicas ou informativas e 687 missões de fiscalização ambiental.

Apreensão entre especialistas

O Fundo já havia sido pauta nessa semana após associações de funcionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) criarem um site em defesa da iniciativa.

Arthur Koblitz, vice-presidente da AFBNDES (Associação de Funcionários do BNDES), afirmou ao UOL que recebeu com "apreensão" as palavras de Ricardo Salles sobre o Fundo Amazônia.

"O ministro está tão comprometido com esse objetivo de alocar recursos para indenizar proprietários rurais, que coloca em xeque todo o Fundo Amazônia", diz.

"A possível extinção do Fundo Amazônia cria um vácuo nas ações de combate aos desmatamentos no país, uma vez que não existem outras iniciativas voltadas para esse fim" afirmou à reportagem Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA).

Após as declarações de Salles, que corroboraram para uma incerteza sobre o Fundo, a Alemanha decidiu reter uma doação de 35 milhões de euros (cerca de R$ 150 milhões).