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MPF usa reportagem no UOL em ação contra empresas de óleo de palma

Karla Mendes

Da Mongabay, no Rio

26/03/2021 20h58

Procuradores da República usarão uma investigação da Mongabay republicada no UOL sobre a contaminação da água por uma empresa de óleo de palma em uma Terra Indígena (TI) como evidência na Justiça.

O MPF (Ministério Público Federal) entrou com um recurso hoje contra uma decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) emitida nesta semana, depois de sete anos.

A decisão, de 22 de março, negou o pedido do MPF, apresentado em 2014, para produção de antecipação de prova, por meio uma perícia judicial, sobre a contaminação de agrotóxicos pela Biopalma, maior produtora de óleo de palma do país.

A perícia visava investigar a contaminação por agrotóxicos e os impactos socioambientais e à saúde na zona de produção da Biopalma no município de Tomé-Açu, na TI Turé-Mariquita e áreas adjacentes.

Mapa - Mongabay - Mongabay
Imagem: Mongabay

"Nós não nos conformamos com a situação que foi exposta [na decisão]," disse à Mongabay o procurador da Republica Felício Pontes Júnior no dia anterior à interposição do recurso.

Ele afirmou que as revelações da investigação da Mongabay serão incluídas na batalha judicial como um elemento-chave para contestar o argumento do TRF-1 de que a perícia judicial poderia ser feita posteriormente, no curso de um processo regular contra a Biopalma, sem nenhum prejuízo. Em sua decisão, o TRF-1 citou a ausência de "perigo da demora" sobre o assunto.

"Para nós é claro que existe perigo porque se trata de agrotóxico", disse Pontes Júnior. "E agrotóxicos na Amazônia podem ser levados pela chuva, principalmente pelas enxurradas que existem frequentemente ? Então, por conta disso, por acharmos que a prova é necessária, nós vamos recorrer."

Em 12 de março, a Mongabay publicou os resultados de uma investigação de 18 meses sobre a cadeia produtiva do óleo de palma no país que revelou evidências de contaminação da água não apenas na TI Turé-Mariquita pela Biopalma, mas também em outras TIs e comunidades quilombolas, além de danos a ribeirinhos e pequenos agricultores.

Além da Biopalma, há também denúncias de contaminação da água contra a Belem Bionergia Brasil e a Agropalma, o que aparenta ser um padrão em toda a indústria quanto ao desrespeito pela preservação da Amazônia e pelos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais.

Todas as empresas negaram as acusações, incluindo a Agropalma —única empresa brasileira certificada pela Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO), principal esquema de certificação mundial de sustentabilidade de óleo de palma.

uhu Tembé - Thaís Borges/Mongabay - Thaís Borges/Mongabay
A líder indígena Uhu Tembé
Imagem: Thaís Borges/Mongabay
O relator convocado, juiz federal Rafael Paulo Soares Pinto, também argumentou que, por ser tratar de uma ação cautelar proposta em 2014, "não mais existiria interesse do MPF em produzir prova em sede de cautelar" porque foi "esvaziado seu objeto, em razão do decurso de tempo".

O procurador da República Felipe Moura de Palha e Silva considerou esse argumento "absurdo".

"A demora foi deles", disse Silva à Mongabay. "Eles demoram uma vida para julgar e depois dizem que demorou muito e que não tem mais interesse em produzir a perícia. Parece que o processo tem um fim em si mesmo e não em resolver a vida das pessoas que estão lá sendo envenenadas."

Os procuradores da República afirmam que, caso o recurso feito ao TRF-1 seja negado novamente, eles entrarão com um recurso especial no STJ (Superior Tribunal de Justiça), incluindo a investigação da Mongabay.

Ele explicou que a investigação da Mongabay não pôde ser incluída no recurso interposto hoje porque o TRF-1 alegaria "fato novo" e não aceitaria a inclusão de novas provas.

Moradores - Karla Mendes - Karla Mendes
Moradores da aldeia Acará-Mirim na Terra Indígena Tembé usam tratores apreendidos da empresa de dendê Belem Bionergia Brasil
Imagem: Karla Mendes
Em outra frente para fechar o cerco à Biopalma e provar a contaminação da água e danos causados por agrotóxicos usados na monocultura da palma, Silva disse que o MPF também avalia entrar com uma nova ação contra a Biopalma, que também incluirá a investigação da Mongabay como prova dos danos às comunidades locais.

À medida que a indústria do óleo de palma se expande no Brasil, a ameaça de contaminação da água se tornou uma preocupação crescente. Quando a Biopalma deu início ao plantio de dendê na área da Turé-Mariquita em 2010, os moradores nos relataram que sentiram uma onda misteriosa de sintomas crônicos, debilitantes e às vezes fatais: dores de cabeça, coceira, erupções cutâneas e bolhas, diarreia e problemas estomacais. Alguns moradores relataram até mesmo ocorrências de câncer e mortes causadas pela contaminação da água.

Os relatos dos impactos dos agrotóxicos usados na monocultura do dendê nas comunidades indígenas e tradicionais ganharam força com um estudo de 2017 que detectou três agrotóxicos (dois deles normalmente listados entre os usados no cultivo de dendê) nos principais igarapés e poços artesianos usados pelo povo Tembé na Turé-Mariquita.

Quando estava em campo, a equipe da Mongabay também sentiu os efeitos dos agrotóxicos logo após inalar o odor do que exalava das palmeiras: tosse, falta de ar, náuseas e dores de cabeça.

Além da revelação de evidências de contaminação da água, a investigação da Mongabay também trouxe à tona o desmatamento de florestas nativas para plantações de dendezeiros, por meio de estudos baseados em imagens de satélite que jogam por terra as afirmações das empresas de que a monocultura da palma foi implantada apenas em terras previamente desmatadas.

Leia a íntegra da reportagem originalmente publicada no site da Mongabay.