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Servidores temem 'boiada' e alta no desmatamento no fim da gestão Bolsonaro

Agentes do Ibama atuam em operação de combate ao desmatamento - Arquivo-Divulgação/Ibama
Agentes do Ibama atuam em operação de combate ao desmatamento Imagem: Arquivo-Divulgação/Ibama

Do UOL, em São Paulo

04/11/2022 00h00

Servidores de órgãos do Meio Ambiente disseram ao UOL Notícias que veem risco de queda na fiscalização, aprovação de normas questionáveis e aumento de crimes ambientais até a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em janeiro. Derrotado no último domingo (30), o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem pouco menos de dois meses de mandato, período que deixa os ambientalistas em alerta.

Parte dos danos já está em andamento, segundo os servidores. No ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), por exemplo, um corte de verbas cancelou as operações em áreas de conservação nas duas primeiras semanas de novembro. Com menos fiscalização, os números do desmatamento podem aumentar.

Para os servidores consultados pelo UOL Notícias, dois tipos de 'boiada' ainda podem passar até o fim do ano: no Congresso e no âmbito dos próprios órgãos ambientais. Além de poder alterar normas internas, o governo tem interesse em projetos de lei que afrouxam a fiscalização sobre agrotóxicos e liberam terras indígenas para atividades como a mineração, entre outros.

O principal risco observado pelos servidores, no entanto, é a redução de atividades como a fiscalização ambiental. "Os grupos que praticam desmatamento e garimpo devem agir mais. Tanto pela certeza de não serem fiscalizados quanto movidos pela ideia de que desmatar e queimar a floresta é uma forma de protestar contra a derrota das urnas", avalia um servidor do ICMBio na Bahia, que falou sob anonimato.

"A regra desse governo, além da destruição da política ambiental, é o não-fazer, a ausência de política pública. Então não é agora que eles vão trabalhar", critica Suely Araújo, ex-presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

"Espero duas coisas do atual governo: que não atrapalhe a equipe de transição e se abstenha de propor projetos de lei contrários ao meio ambiente", afirma Denis Rivas, presidente da Ascema (Associação Nacional dos Servidores Ambientais).

Cortes no orçamento. Três servidores do ICMBio afirmaram ao UOL Notícias já estarem sentindo os efeitos de um corte de verbas determinado nessa semana. Segundo o jornal O Globo, a diretoria do órgão enviou às equipes, nesta semana, uma mensagem pedindo a paralisação de todas as ações de fiscalização planejadas para a primeira quinzena de novembro.

"Normalmente a gente tinha uns cortes lá pela segunda quinzena de dezembro, não no início de novembro. Na unidade em que eu atuo, não vamos trabalhar presencialmente na semana que vem porque não tem água no prédio", conta um funcionário do ICMBio no Rio Grande do Sul.

Outro servidor na instituição, na Bahia, confirmou a falta de água e de outros recursos básicos para o trabalho. "A gente não tem combustível nem para ir na esquina. Estamos deixando combustível para uma emergência, como um incêndio florestal, uma denúncia de caça, algo assim", diz.

Possíveis boiadas. Outro servidor do Ibama, que atua no Rio de Janeiro, alertou para a possível aprovação de 'boiadas' por parte dos órgãos ambientais. Em outubro, por exemplo, foi encaminhada no órgão a aprovação de uma norma que autoriza a pesca de lagostas por mergulho, uma prática criticada por ambientalistas.

A norma foi aprovada pelo CPG (Comitê Permanente de Gestão) da pesca da lagosta, um colegiado que reúne representantes do governo e de entidades privadas ligadas à atividade. Este e outros nove CPGs haviam sido extintos em 2019, já no governo Bolsonaro, mas foram reativados em 2022.

Estes comitês são coordenados pela secretaria de Pesca e Aquicultura, que é vinculada ao ministério da Agricultura, e o governo costuma ter maioria nos colegiados, segundo o servidor. "Esse foi um defeito na retomada dos CPGs. Antes era muito mais plural. Havia maior representação da sociedade civil", afirma.

Alta no desmatamento. Assunto recorrente durante os debates presidenciais no 2º turno, o desmatamento na Amazônia aumentou ano a ano durante o governo Bolsonaro, mas pode bater um novo recorde em 2022.

Segundo números do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a área de floresta amazônica devastada de janeiro a setembro —9.069 km², seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo— foi a maior em 15 anos para os nove primeiros meses do ano.

Segundo um servidor do Ibama, que não quis se identificar, nada indica que os números serão controlados até o fim do ano. "Minha leitura é que o desmatamento vai dar uma acelerada, e não acredito que haja planejamento, contingente e disposição de se fazer algo a respeito por parte do Ibama", avalia.

Para este funcionário, o clima de rejeição à vitória de Lula em regiões líderes em desmatamento, como Mato Grosso, Rondônia e sul do Pará, as ações de fiscalização do Ibama tendem a ficar imprevisíveis e perigosas.

"Vai ser uma baderna agora. Não sei nem se seria seguro enviar equipes por enquanto. Creio que teremos dois meses de paralisia", avalia.

O UOL Notícias procurou o ministério do Meio Ambiente para comentar o corte de recursos no ICMBio e os riscos de queda na fiscalização e afrouxamento de regras, mas não teve retorno até a publicação desse texto. Se houver resposta, ela será incluída no texto.