Topo

Esse conteúdo é antigo

Em MG, vivemos com 'bombas-relógio' envolvendo barragens, diz biólogo

Na imagem: Homens observam área devastada por rompimento de barragem em Mariana, Minas Gerais - Ricardo Moraes/Reuters
Na imagem: Homens observam área devastada por rompimento de barragem em Mariana, Minas Gerais Imagem: Ricardo Moraes/Reuters

11/01/2022 13h20Atualizada em 11/01/2022 17h53

Minas Gerais tem hoje 364 barragens de mineração ativas. Entre elas, três atingiram o nível de segurança máximo, onde a mineradora já não tem controle sobre a estrutura, como o dique Lisa da mina do Pau Branco, cujo transbordamento causou pânico em Nova Lima (MG) no fim de semana passado.

O biólogo Guilherme Camponês, do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), detalhou a precariedade da fiscalização e a flexibilização da lei ambiental brasileira num território dominado por mineradoras.

Após as tragédias de Mariana (MG) e Brumadinho (MG), as instituições e o governo brasileiro parecem ainda não terem se dado conta da importância de efetuar as transformações necessárias para evitar que novas catástrofes ambientais que ceifam centenas de vidas humanas continuem acontecendo, num contexto de aparente impunidade das mineradoras.

O biólogo explicou à RFI que o susto do final de semana passado em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, quando se cogitou um novo rompimento de barragem, foi, na verdade, um "transbordamento do chamado dique de Lisa que fica na mina de Pau Branco, da Vallourec (empresa francesa)".

"Foi confirmado que não se tratava de um rompimento, mas uma pilha de sedimentos que caiu. Nessa mina, eles utilizam o método de disposição a seco do detrito, eles tiram a água do rejeito para armazenar, então as pilhas de rejeito caíram dentro do dique de Lisa, uma barragem que continha água de chuva mais o sedimento fino que escorreu dessa pilha de rejeitos", conta Camponês.

O método de armazenamento a montante é considerado um dos mais perigosos e faz parte de 39 barragens no estado de Minas Gerais. Do total de 364, 46 estão com "o nível de emergência acionado, e três estão no nível de segurança máximo".

"Três pilhas dessas com sedimentos da mineração caíram dentro do dique em Nova Lima e provocaram transbordamento, que gerou o vazamento que passou por cima da barragem e se espalhou pela BR-040, que liga Brasília ao Rio de Janeiro, passando por Belo Horizonte", relata o profissional.

"E esses sedimentos também escorreram para baixo da própria rodovia que ficou paralisada por dois dias por conta disso", diz.

"A gente fala aqui em Minas Gerais que vivemos com as bombas-relógio em cima das nossas cabeças; aqui no estado são 364 barragens segundo a ANM, a Agência Nacional de Mineração", diz.

"São barragens conhecidas, que estão registradas, mas tem várias ainda que não estão cadastradas. 39 barragens foram construídas com aquele método de construção a montante, o mesmo método da barragem de fundão que se rompeu em Mariana e da mina do Córrego do Feijão, que se rompeu em Brumadinho", denuncia.

Segundo Guilherme, as três barragens que se encontram hoje no nível de segurança máximo pertencem à companhia Vale do Rio Doce.

"Temos a P3 e a P4, que ficam em Nova Lima, a Forquilha 3, que fica em Ouro Preto (MG), e o dique Lisa de Nova Lima, da Vallourec, que também entrou em nível três de segurança", explica.

"Nesse nível três, é exigido que todas as pessoas que estejam ali na zona do rompimento onde o rejeito vai chegar sejam evacuadas", relata.

Sobre o que pode ser feito para se evitar novas tragédias num contexto de mudanças climáticas, o biólogo afirma que "o que pode ser feito é que as mineradoras sigam à risca os protocolos de segurança.

"A lei ainda tem brechas: por exemplo, nessa barragem de Nova Lima que transbordou. Ela estava com a documentação em dia e, teoricamente, a Agência Nacional de Mineração a fiscalizou e estava okay, mais isso não garante que a barragem estava segura, tanto é que aconteceu o transbordamento", aponta.

Transferência de responsabilidade do Estado para mineradoras

"O que acontece, na verdade, hoje é apenas um automonitoramento das próprias mineradoras diretamente ou através de empresas terceirizadas, mas, de toda forma, essa fiscalização fica na mão delas", denuncia.

"O trânsito na BR-040 foi liberado com a condição de que a mineradora assegurará a segurança da via, ou seja, não é Agência Nacional que atesta que o local está seguro, então estamos em zona de risco em risco e não sabemos se e quando a barragem vai romper", diz.

"Existe uma transferência de responsabilidade, onde a empresa joga a bola para o Estado e vice-versa", critica.

Segundo ele, a população continua exposta porque os governos federal e estadual fazem esse tipo de concessão para a mineradora.

"Hoje, todo poder está na mão da mineradora; as leis ambientais são flexibilizadas para permitir a mineração e o processo de fiscalização é precário, o território é controlado pelas mineradoras", diz.

Camponês explica que as licenças ambientais para instalar e operar mineradoras são emitidas pelo governo do estado de Minas Gerais, mas o principal órgão de fiscalização é a Agência Nacional de Mineração, uma instituição federal.

"É incrível, a Vallourec não falou ainda quantas pessoas ou quantas famílias foram evacuadas. A gente soube pela Defesa Civil que foram seis pessoas, mas não existe um comunicado oficial da empresa", afirma Camponês.

"O poder ficar todo na mão das mineradoras. Na nossa avaliação, enquanto não houver soberania do povo sobre o território, vai continuar acontecendo isso", diz.

"O objetivo das mineradoras é o lucro, elas não estão preocupados com a segurança das pessoas ou do meio ambiente. Elas estão preocupadas com a maximização do lucro. Enquanto seguirmos essa lógica, continuaremos a ter esse tipo de crime e de tragédia", conclui.