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No STF, advogados rechaçam provas, negam mensalão, mas admitem caixa dois

Camila Campanerut e Fernanda Calgaro*

Do UOL, em Brasília

06/08/2012 19h12Atualizada em 06/08/2012 22h07

O rechaço às provas da acusação, a negação da existência do mensalão e a admissão de caixa dois na campanha do PT e partidos aliados em 2002 dominaram as sustentações dos primeiros advogados a apresentarem a defesa dos réus no STF (Supremo Tribunal Federal).

Nesta segunda-feira (6), apresentaram as defesas os advogados de José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério e Ramon Hollerbach. Após suas sustentações, os defensores apontaram a falta de acusações da Procuradoria Geral da República para justificar o fato de não terem utilizado o tempo regimental de uma hora a que tinham direito.

“O procurador-geral não traz um fato, um ato do qual ele [José Genoino] tenha participado. Eu espero que a minha sustentação possa influir de maneira positiva no voto dos ministros”, disse Luiz Fernando Pacheco, advogado do ex-presidente do PT José Genoino.

José Luis de Oliveira Lima, advogado de Dirceu, disse que "50 minutos foram suficientes” para a defesa e que seu cliente ficou satisfeito com a sua sustenção. "Eu conversei com ele. Ele está satisfeito", disse. "Os autos comprovam a total improcedência das colocações contra José Dirceu."

Para Arnaldo Malheiros Filho, defensor do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, “a falta de carga acusatória" permitiu que não usasse todo o tempo disponível. "Você não tem tantos fatos a serem respondidos. Apesar de todos os volumes [do processo], se você espreme, sai uma prova muito rala."

Veja quem são os acusados

Durante a sessão de hoje, os ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Celso de Mello chegaram a cochilar.

O julgamento foi suspenso por volta de 19h15 e será retomado amanhã, com as sustentações de outros advogados. 

Veja abaixo os argumentos das defesas dos réus que falaram hoje:

JOSÉ DIRCEU 

O primeiro a falar foi o advogado do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. José Luis de Oliveira Lima afirmou que  seu cliente não chefiou o mensalão, tese defendida pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. O advogado falou pouco menos de uma hora e pediu a absolvição de seu cliente por falta de provas. 

“José Dirceu não é chefe de quadrilha, não”, disse. “Não há nos autos do processo nenhum depoimento, nenhuma testemunha, que faça essa afirmação, de que José Dirceu, na [chefia da] Casa Civil, tenha beneficiado qualquer instituição financeira”, afirmou Lima.

O advogado disse que o ex-deputado Roberto Jefferson, delator do suposto esquema de compra de votos, “conseguiu fazer um bom teatro”, ao acusar Dirceu de ter sido o mentor do esquema. “Roberto Jefferson é um homem eloquente, um belo orador, que conseguiu fazer um bom teatro. E por que fez um bom teatro? Todas as acusações que ele fez contra meu cliente, a prova destruiu”, disse.

Lima afirmou que o  Ministério Público Federal (MPF) desprezou provas produzidas durante o contraditório, ou seja, com a presença de um advogado. “Foram mais de 600 depoimentos e nenhum deles incrimina José Dirceu”. E diz que a Procuradoria Geral da República se apoiou em “provas extrajudiciais, em depoimentos tumultuados e em análises publicadas na imprensa."

Infográfico

  • Arte/UOL

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O advogado negou ainda a existência da “propalada compra de votos” --que batizou o escândalo de mensalão. “Não existe prova dessa acusação nos autos.”

JOSÉ GENOINO

O segundo a subir na tribuna foi o advogado do ex-presidente do PT, José Genoino. Segundo Luiz Fernando Pacheco, para a opinião pública, o mensalão foi uma farsa. “A opinião pública, há muito, se convenceu que o mensalão foi uma farsa.”

Ao longo de sua sustentação, Pacheco procurou convencer os ministros de que Genoino não tratava de questões financeiras no interior do PT e era responsável pela articulação política com outros partidos. “José Genoino não tem qualquer aptidão no tratamento com finanças, mas, por ter anos no Congresso, é expert na articulação política”, disse.

Para tentar comprovar sua tese, o defensor citou depoimentos de petistas, como José Eduardo Cardozo, Maurício Rands e Angelo Vanhoni, que, segundo Pacheco, confirmam a inabilidade de Genoino no trato com as finanças.

Pacheco afirmou que os contratos avalizados por Genoino foram legítimos. "Os dois contratos em que Genoino foi avalista foram negociados e firmados com o conhecimento de toda a diretoria do PT. São absolutamente legítimos, não são falsos como disse o procurador-geral da República”, disse. "Foram firmados em 2003 quando o Congresso Nacional quando não estava votando nada de importante. Portanto, não têm nada a ver com o fantasioso e inventado mensalão", afirmou o advogado.

Sobre a acusação relativa ao PP, em que os parlamentares Pedro Correa, Pedro Henry e José Janene teriam recebido dinheiro em troca de apoio ao governo, o advogado de Genoino declarou: "a acusação não disse quem teria dado dinheiro a quem, quando, onde, como, por que, em que circunstâncias, absolutamente nada".

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Aparentando nervosismo, o advogado trocou, por uma vez. o nome do seu cliente, chamando-o de “Jesuíno”. No início de sua sustentação, Pacheco lembrou o passado militante de Genoino, que integrou a luta armada contra a ditadura militar e ajudou a construir o PT. Ele também citou afirmações de amigos de Genoino que, segundo o defensor, engrandecem o caráter do ex-deputado.

DELÚBIO SOARES

O advogado Malheiros Filho admitiu que o PT fez "caixa dois" (uso de recursos financeiros não contabilizados e não declarados aos órgãos de fiscalização competentes) durante a campanha eleitoral de 2002. O defensor, no entanto, diz que os recursos auferidos ilegalmente pela legenda não serviram para comprar parlamentares, negando, dessa maneira, a existência do mensalão.

"O PT não podia fazer transferência bancária porque o dinheiro era ilícito mesmo", afirmou. "Delúbio não se furta a responder ao que é responsável. Ele operou caixa dois? Operou. É ilícito? é? Ele não nega. Mas ele não corrompeu ninguém", disse o defensor durante sustentação apresentada no STF mais cedo.

Malheiros Filho desqualificou as provas apresentadas pela Procuradoria Geral da República contra o seu cliente e que, segundo a acusação, provam a existência do esquema. "A prova é pífia, é esgarçada, é rala”, disse,

Segundo ele, durante a campanha eleitoral de 2002, os partidos da coligação que elegeu Lula se reuniram para estabelecer como seria a divisão dos recursos da campanha.

Posteriormente, diz Malheiros Filho, Delúbio foi incumbido de captar recursos para saldar as dívidas provenientes da disputa eleitoral. “O diretório nacional do PT deliberou que iria arcar com as despesas da base aliada”, disse.

O advogado negou que o ex-tesoureiro do PT tenha buscado recursos de maneira ilegal para comprar parlamentares. “O governo conquista sua base com a partilha do poder, não é com dinheiro.”

MARCOS VALÉRIO

O advogado Marcelo Leonardo, que faz a defesa do publicitário Marcos Valério no julgamento do mensalão, afirmou nesta segunda-feira (6) que seu cliente foi vítima de perseguição e linchamento público depois que se tornaram públicas as acusações de participação dele no mensalão.

“Marcos Valério não é troféu ou personagem para ser sacrificado em altar midiático”, afirmou. "Foi vítima de implacável perseguição pela mídia, sem direito de defesa", disse. Em seguida, Leonardo disse que seu cliente chegou a ser "ridicularizado por ter corte de cabelo zero". Segundo o advogado, a opção pela careca foi um ato de solidariedade a um filho de Valério que teve câncer na época do mensalão.

O advogado admitiu que Valério repassou ilegalmente recursos ao PT para o financiamento da campanha eleitoral em 2002, mas negou que o dinheiro tenha sido usado para comprar votos de parlamentares.

“Não há provas para a condenação de que a finalidade dos repasses era para essa prática [de compra de votos]”, disse. “Era sim para o pagamento de campanhas eleitorais, o que é crime eleitoral”, afirmou Leonardo, admitindo a prática de caixa dois.

Leonardo começou sua sustentação argumentando que não é possível imputar o crime de formação de quadrilha ao seu cliente porque, nas empresas de Valério, não houve associação de pessoas para a prática de crime. Ele disse que a empresa sempre teve atuação lícita, desde o início da década de 80.

Quanto à acusação de corrupção ativa aos quatro partidos políticos citados no caso, a defesa do publicitário alega inocência, dizendo que corrupção ativa se refere à oferta de benefício a servidor público, mas que os partidos não são órgãos públicos.

Sobre a acusação de que a agência de Marcos Valério, SMP&B Comunicação, teria se beneficiado de licitação, Marcelo Leonardo disse que era legal a licitação e que João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, não tinha qualquer influência sobre o contrato, conforme alega a acusação.

"É fruto de criação mental do acusador", disse Marcelo Leonardo, advogado de Marcos Valério, sobre a acusação de corrupção no contrato publicitário da Câmara.

O advogado de Valério argumentou ainda que não havia dinheiro público no fundo Visanet e que não há provas de desvios de recursos públicos, o que sustenta a acusação.

No final de sua exposição, o advogado fez um desabafo referindo-se à tensão do julgamento. "Tenho três minutos. Isso parece tortura psicológica", afirmou.

RAMON HOLLERBACH

O último a falar foi Hermes Vilchez Guerrero, advogado de Ramon Hollerbach, sócio de Marcos Valério na empresa DNA. Ele disse que seu cliente teve a vida profissional destruída após as acusações de participação no esquema.

"Ramon [Hollerbach] já teve a sua vida profissional destruída, só não teve a vida pessoal destruída porque tem a família ao seu lado. Foi acusado das piores coisas", disse o advogado. Guerrero também afirmou que a falta de provas para condenar seu cliente.


"Se houve corrupção, e não há prova disso, de onde é que o Ministério Público Federal extraiu que Marcos Valério agia em nome de Ramon Hollerbach?", questionou. "Culpa não se presume, culpa se demonstra."

O advogado diz ainda que seu cliente não pode ser condenado por ter se associado a Valério. “Ramon Hollerbach Cardoso não pode ser condenado por causa do CNPJ, mas por causa do seu CPF", disse. "Nas milhares de folhas dos autos, não há um documento assinado em nome da DNA”, afirmou.

Análise

O advogado criminalista Sergei Cobra Arbex, que acompanhou a sessão de hoje na redação do UOL, explica que o STF vai analisar apenas os crimes dos quais são acusados os réus neste julgamento –no caso, são sete: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta. Caso o STF interprete que só foram cometidos crimes eleitorais, como o caixa dois –como tentou provar o advogado de Delúbio Soares, Malheiros Filho– os réus serão absolvidos neste julgamento.

"Muitas vezes, admitir que cometeu alguma coisa errada ou outro crime, serve para mostrar para o julgador que aquele réu não tem nada a esconder. Ele traz uma situação em que admite e parte da premissa de que cometeu um crime, mas não aquele pelo qual ele está sendo acusado”, afirmou.

Arbex explica ainda que as provas colhidas em duas fases diferentes do processo, que geraram conflito entre defesa e acusação, são importantes e podem ser consideradas pelos ministros do Supremo na hora de decidir pela condenação ou absolvição. 

Para o também advogado criminalista Antonio Ruiz Filho, “a defesa de José Dirceu pretendeu contrapor às acusações elementos da prova dos autos, colhidos no curso do processo”. “Ele alegou que as testemunhas ouvidas durante a instrução processual desmentiram o mensalão e todas as acusações imputadas ao então ministro da Casa Civil. Os ministros do STF terão de analisar a prova e dela retirar suas próprias conclusões”, avaliou.

PR comenta

Para o líder do PR (antigo PL) na Câmara dos Deputados, deputado Lincoln Portela (MG), a estratégia da defesa em admitir o caixa dois não o surpreendeu. "O PR sempre admitiu a possibilidade de crime eleitoral e defendeu que o julgamento se baseasse nisso. Eu nunca soube que o governo precisou comprar a base aliada", afirmou.

Portela afirma que o caixa dois continua a existir, mas não na proporção verificada na campanha de 2002. 

Após o julgamento, a reportagem procurou lideranças do PT para comentar a estratégia da defesa, mas não conseguiu localizá-las.

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus, incluindo membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta. 

Dia a dia do julgamento

O julgamento do mensalão está dividido em duas fases. A primeira começou na última quinta-feira (2), quando o relator do processo, o ministro Joaquim Barbosa, leu uma síntese do seu relatório, com os argumentos dos 38 réus e da acusação, a Procuradoria-Geral da República. Em seguida, na sexta-feira (3), o procurador-geral, Roberto Gurgel, fez a sua manifestação e apresentou provas da existência do esquema.

Nos dias seguintes, os advogados dos 38 réus terão uma hora cada um para fazer a apresentação da defesa. A previsão é que a primeira fase aconteça nos dias 2, 3, 6, 7, 8, 9,10, 13 e 14 de agosto. Com duração de cinco horas, as sessões começarão sempre às 14h.

A última fase será destinada à leitura do voto de cada um dos 11 ministros do STF, que irão revelar se absolvem ou condenam os réus. Nesta etapa, as sessões devem ocorrer nos dias 15, 16, 20, 23, 27 e 30 de agosto, a partir das 14h, mas sem horário para terminar.

O primeiro a votar será o relator, seguido do revisor do processo, o ministro Ricardo Lewandowski. A partir daí, a votação segue por ordem inversa de antiguidade, da ministra Rosa Weber, a mais nova na Corte, até o ministro decano, Celso de Mello. O último a votar será o presidente do STF, ministro Ayres Britto.

Se o julgamento precisar se estender até setembro, as datas das novas sessões deverão ser publicadas no Diário da Justiça. 

*Colaboraram Guilherme Balza e Janaina Garcia, em São Paulo

Entenda o dia a dia do julgamento