Topo

Relator do mensalão diz que ex-diretor do Banco do Brasil desviou dinheiro público

Camila Campenerut*

Do UOL, em Brasília

20/08/2012 15h55Atualizada em 20/08/2012 18h27

O relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, disse, durante sessão no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (20), que o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, um dos réus do caso, cometeu crime de peculato (desvio de recursos públicos), assim como o publicitário Marcos Valério.

Pizzolato era diretor de marketing do Banco do Brasil na época do suposto esquema, além de sindicalista e petista desde a década de 80. Ele é acusado de participar do esquema que teria desviado dinheiro em benefício do grupo liderado por Marcos Valério --apontado como operador do mensalão-- e do PT.

A Procuradoria Geral da República acusa Pizzolato de ter recebido R$ 326 mil e de ter autorizado um adiantamento de R$ 73,9 milhões do fundo Visanet para a agência DNA, de Marcos Valério, que fez um contrato com o Banco do Brasil. Ele responde por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Segundo a Procuradoria, a DNA teria se apropriado ilegalmente de R$ 2,9 milhões durante a execução do contrato com o Banco do Brasil, com anuência de Pizzolato. A defesa do ex-diretor diz que os repasses foram legais e argumentou que o montante ficou com a agência por tratar-se de bônus de volume, política de incentivo destinada ao aperfeiçoamento das agências de propaganda, que recebem um desconto da mídia onde a propaganda será veiculada conforme a quantidade de anúncios.

Em seu voto, Barbosa afirmou que, por força contratual, o bônus de volume que ficou com DNA Propaganda deveria ter sido devolvido ao banco. “Era o Banco do Brasil e não a agência [de propaganda] que negociava a compra de mídia. A agência apenas efetuava o pagamento. Portanto, quando um veículo pagava o valor do bônus de volume, os sócios sabiam que os bônus deveriam ser devolvidos à entidade contratante, ou seja, o Banco do Brasil”, afirma o ministro.

Segundo o relator, houve prática criminosa do peculato por Henrique Pizzolato e o grupo de Marcos Valério. "Os acusados estavam efetivamente participando de um esquema de desvios públicos", disse.

"A apropriação violou cláusula expressa do contrato e ainda configurou crime de peculato", completou Barbosa. "A apropriação indevida da DNA foi confirmada por órgãos de fiscalização, de auditoria e por peritos do Instituto de Criminalística", disse o ministro.

Barbosa afirmou que Pizzolato era o responsável pela verba destinada à execução dos serviços de propaganda e pela fiscalização dos serviços contratados e, portanto, tinha o dever de evitar que houvesse apropriação de dinheiro público pela agência. "Com efeito, Pizzolato não exerceu o seu dever funcional (...) e permitiu o desvio dos valores correspondentes ao bônus de volume.”

Barbosa disse ainda que Pizzolato agiu com dolo (intenção) ao manter os contratos e não fiscalizar a execução dos serviços, além de não evitar que a agência ficasse com o bônus de volume. “A omissão de Henrique Pizzolato foi dolosa."

Barbosa argumenta ainda que as defesas dos réus tentaram usar o termo bônus de volume como sendo bonificação, mas, segundo ele, isso foi "puro jogo de palavras", pois são coisas diferentes.

O relator afirmou que o ex-diretor do Banco do Brasil recebeu R$ 326 mil oriundos de um cheque da DNA, assinado por Cristiano Paz (ex-sócio de Valério e um dos réus do processo), no curso da execução contratual. Barbosa destaca que Pizzolato tinha um relacionamento próximo com Marcos Valério, que chegou a admitir que ambos teriam se encontrado de oito a dez vezes.

O relator contestou outro argumento da defesa de Pizzolato, que alegou que o réu não era responsável pelos contratos publicitários feitos pelo Banco do Brasil. “Ele assinou, como única autoridade responsável, o contrato do Banco do Brasil com a DNA Propaganda, de R$ 142 milhões”, afirmou Barbosa.

O magistrado citou ainda relatório da CGU (Controladoria Geral da União), que apontou diversas falhas na prestação do serviço pela DNA ao banco. "Não se sabia se as propagandas eram de fato veiculadas", ressaltou Barbosa ou citar diversos itens da avaliação negativa do trabalho da agência. A conclusão da CGU, ainda segundo o relator, é que houve "prorrogação indevida do contrato", e o responsável por isso foi Pizzolato. 

Desvio de R$ 74 milhões

Em outro subitem da denúncia, Barbosa analisou a transferência de dinheiro do Banco do Brasil para a DNA Propaganda, envolvendo recursos do fundo Visanet. Pizzolato é acusado de autorizar a antecipação do pagamento de R$ 73,85 milhões do fundo para a agência sem que houvesse a comprovação de prestação dos serviços.

A defesa de Pizzolato argumentou que os recursos do fundo eram privados, e não públicos, como diz a denúncia do Ministério Público Federal, e que o réu não tinha relação com a Visanet.

O fundo  é composto por recursos da iniciativa privada, mas o Banco do Brasil possui 32,3%. Para o relator, Pizzolato desviou mais de R$ 73 milhões neste contrato, o que configura crime de peculato, já que os contratos eram entre o banco público e a empresa.

“As empresas do grupo Visanet não tem e nunca tiveram contato direto com a DNA Propaganda”, disse o relator ao citar documento do próprio fundo.

Segundo a Visanet, ela apenas efetuou pagamentos de 2001 a 2005 por “solicitação do banco”, totalizando R$ 91 milhões.“Quem pagou a DNA Propaganda foi Banco do Brasil e não a Visanet, que foi mera repassadora de recursos”, completou o relator.

Barbosa citou um relatório de auditoria interna do Banco do Brasil que apontou que Pizzolato "violou normas internas do Banco do Brasil porque não submeteu as suas ordens aos seus superiores e determinou o adiantamento do dinheiro do fundo Visanet, sem previsão contratual"

O relator afirmou que a decisão de antecipar o dinheiro da Visanet para a DNA Propaganda foi exclusiva do então diretor de marketing do Banco do Brasil. "As normas tantas vezes invocadas pelo réu Henrique Pizzolato foram frontalmente violadas pelo réu", afirmou Barbosa.

Ainda segundo o ministro, a Visanet repassou gratuitamente quase R$ 74 milhões para a DNA Propaganda sem que tivesse prestado qualquer serviço.

Procurado pela reportagem do UOL, o advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato, que defende Pizzolato, disse que houve uma pré-disposição do ministro relator para condenar seu cliente. "Houve, sim. pela forma como propôs o voto como um todo. Há uma pré-disposição, sim, de manter os fundamentos da denúncia". Para o defensor, Barbosa se baseou mais em documentos da CPI dos Correios, anteriores à fase processual. "Isso altera nosso procedimento de defesa. Isso cerceia o direito à defesa", afirmou. Ele vai esperar os outros ministros se posicionarem antes de adotar qualquer medida.

12º dia

O julgamento do mensalão entrou em seu 12º dia nesta segunda-feira (20). Na última quinta-feira (16), Barbosa iniciou seu voto e condenou o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. No mesmo dia, Barbosa também votou pela condenação do publicitário Marcos Valério e seus ex-sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach pelos crimes de corrupção ativa e peculato.

Assim que Barbosa terminar a leitura do item 3 --que trata do desvio de recursos públicos no processo e que ainda é alvo de votação nesta segunda--, os ministros devem decidir se a votação será "fatiada" ou se cada magistrado lerá seu voto na íntegra antes de passar a palavra para o próximo colega. Hoje, mais de 20 advogados dos réus do mensalão apresentaram uma petição contra o fatiamento do voto.

A metodologia fatiada, sugerida por Barbosa para estruturar seu voto, segue a ordem da denúncia que veio do Ministério Público, dividida em oito itens, formados por blocos de crimes. 

A forma com que o relator está apresentando seu voto gerou bate-boca entre os ministros e estranheza a advogados, pois difere da ordem que costuma ser utilizada no julgamento. O revisor Ricardo Lewandowski criticou o método. “Estaremos adotando a lógica do Ministério Público e admitindo que existem núcleos”, disse na quinta. Em seguida, Lewandowski afirmou que Barbosa “tem uma ótica ao que se contém na denúncia”, o que irritou o relator. “Isso é uma ofensa. Não venha Vossa Excelência me ofender também”, retrucou Barbosa. Mas, mesmo contrariado, Lewandowski já disse que vai se readequar ao voto do relator. “Pelo que eu soube, o ministro Lewandowski anunciou que se adaptaria ao fatiamento”, disse Ayres Britto na sexta-feira. 


O formato de praxe consiste na apresentação do voto na íntegra do relator, seguido pelo do ministro revisor, e dos demais ministros. Com a mudança, depois que Joaquim Barbosa ler e der seu voto para determinadas pessoas e grupos, votará o revisor Lewandowski e, em seguida, cada ministro, até esgotar o capítulo. Assim, é possível que algumas sentenças saiam já nesta semana.

Ayres Britto negou que este formato atrasará o julgamento –existe a preocupação que, caso não haja sessões extras, é possível que o ministro Cezar Peluso não possa votar, pelo fato de ele se aposentar compulsoriamente em 3 de setembro próximo, ao completar 70 anos. Peluso, no entanto, pode antecipar seu voto. Sobre o eventual atraso, Britto disse que a “expectativa é cumprir o cronograma. Tudo depende do tempo de cada voto. (...) Não tem como fazer uma previsão tão segura”. 

Sobre a petição dos advogados, Britto disse nesta segunda-feira que a recebeu e ainda está lendo o documento. Caso termine de ler ainda hoje, informará oficialmente os demais ministros sobre o assunto. 

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37-- e entre eles há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo

Entenda o dia a dia do julgamento