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"Ninguém passa recibo a esse tipo de prova: ela é satânica", diz Janot sobre denúncia contra Temer

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, durante o Congresso da Abraji - Nelson Antoine/Estadão Conteúdo
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, durante o Congresso da Abraji Imagem: Nelson Antoine/Estadão Conteúdo

Daniela Garcia e Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

01/07/2017 12h28

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, considerou "satânicas" provas de corrupção passiva como as elencadas pelo MPF (Ministério Público Federal) na denúncia contra o presidente da República, Michel Temer (PMDB), na última segunda (27). Na avaliação do procurador, o fato de ninguém "passar recibo" a esse tipo de prova não invalida denúncias como a feita contra o peemedebista --que classificara a denúncia como "peça de ficção".

Janot é o convidado da 12ª edição do Congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) pelo painel "Desafios do Combate à Corrupção: Operação Lava Jato" --não apenas na semana em que ofereceu a denúncia contra Temer, como um dia depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir soltar o ex-deputado e ex-assessor do presidente Rodrigo Rocha Loures, e devolver o mandato ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) --ambos, denunciados por Janot por causa das delações da JBS. Loures foi solto pela PF neste sábado (1) pela manhã.

Entrevistado pela jornalista Renata Lo Prete e indagado sobre a materialidade em ações controladas como as que geraram a denúncia por corrupção passiva contra Temer, o qual, para o MPF, seria o destinatário da mala de R$ 500 mil flagrada com o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB), o procurador-geral, que fica no posto até setembro, definiu: "Não é possível que, para pegar um picareta, tenha que tirar fotografia do sujeito tirando a carteira do bolso. Ninguém passa recibo a esse tipo de prova, ela é satânica, é quase impossível".

Confira a íntegra da denúncia

O procurador defendeu que há que se "olhar a narrativa" da denúncia. "Quando você apresenta esse tipo, não se apresenta um caderno de provas, mas indícios fortes e suficientes que autorizam o juízo inicial de que é preciso instaurar o processo penal e ir para a instrução penal --que é o momento correto e adequado de se produzirem as provas." Por outro lado, ressalvou: "Será que eu tenho que, ainda que em relação ao mais alto dignatário da República, oferecer um caderno de provas que dispensa a instrução penal? Isso é impossível", constatou.

Indagado por um integrante da plateia sobre o porquê de ele classificar a prova contra Temer como "satânica" --"pelo sujeito a que ela se refere ou pela dificuldade em obtê-la?"--, Janot riu e respondeu: "Pela dificuldade em obtê-la."

Câmara precisa autorizar processo

Se a denúncia for aceita pelo STF, Temer se torna réu e fica afastado do cargo por 180 dias. Caso o processo não seja julgado nesse prazo, o presidente reassume as funções.

Câmara precisa aprovar denúncia para o presidente ser afastado? Entenda

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Mas, primeiro, é preciso que a Câmara dos Deputados autorize o processo, pelo voto de ao menos 342 dos 513 deputados. O governo calcula ter apoio suficiente para barrar a denúncia na Câmara.

Antes de ser votado em plenário, o caso é analisado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, onde o presidente apresenta sua defesa.

Se autorizado pelos parlamentares, o processo retorna ao STF e caberá aos 11 ministros decidirem se abrem processo contra o presidente, o que o transformaria em réu.

As investigações

Temer é investigado num inquérito que apura suspeitas de corrupção, obstrução da Justiça e organização criminosa. A investigação foi aberta a partir da delação premiada de executivos da JBS.

O presidente foi gravado, sem saber, pelo empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo, durante um encontro fora da agenda oficial em 7 de março no Palácio do Jaburu, residência oficial do presidente.

No diálogo, Temer aparenta indicar o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que foi também assessor do Planalto, como seu homem de confiança, com quem Joesley poderia tratar de assuntos de interesse da JBS.

Veja a transcrição desse trecho da conversa, feita pela Polícia Federal:

Joesley - O brabo é... enfim, mas vamos lá. Eu queria falar sobre isso. Falar como é que é que... para mim falar contigo qual é a melhor maneira... porque eu vinha falando através do Geddel ... através... eu não vou Ihe incomodar, evidente, se não for algo assim...
Temer - [ininteligível]
Joesley - Eu sei disso, por isso é que...
Temer - [ininteligível]
Joesley – É o Rodrigo?
Temer - É o Rodrigo.
Joesley - Então ótimo.
Temer - [...] vou passar para o Meirelles [...] da minha mais estrita confiança [...]
Joesley - Eu prefiro combinar assim, se for alguma coisa que eu precisar... tal... taI... eu falo com o Rodrigo. Se for algum assunto desse tipo ai [...]

Seis dias depois, Joesley se encontrou com Rodrigo Loures e, segundo a Polícia Federal, ambos fizeram menção ao aval de Temer para as tratativas entre eles.

Veja a transcrição da Polícia Federal:

Loures -  Ele queria acho que falar com você, que eu vi num é, que ele, da outra vez, ele perguntou naquele dia, mas ele te disse o que que era, eu disse ô presidente, nem disse, nem eu perguntei. Sendo assim, diga a ele que se ele quiser falar, pode falar com você.
Joesley - Isso.
Loures -  Ele só vai falar, se ele quiser falar, então tem que deixar o homem à vontade.
Joesley - Agora tá autorizado, que ele autorizou, pronto.

No segundo encontro entre Joesley e Loures, no dia 16 de março, o empresário expõe seu interesse na resolução pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) de uma disputa comercial entre uma usina termelétrica do grupo e a Petrobras, na compra de gás da Bolívia.

Na ocasião, Joesley chega a citar a possibilidade de pagamento de 5% do lucro obtido na operação caso a usina do grupo fosse beneficiada.

Na sequência, no dia 24 de abril, Loures se encontra com o diretor de relações institucionais da J&F, grupo que controla a JBS, Ricardo Saud, também delator. Nessa conversa, Saud oferece a Loures, em troca da resolução do problema no Cade, pagamento de propina que poderia chegar a R$ 1 milhão por semana, segundo conclui a Polícia Federal.

Dali a quatro dias, em 28 de abril, Loures seria flagrado numa operação da Polícia Federal recebendo R$ 500 mil em dinheiro, dentro de uma mala entregue por Saud, em uma pizzaria de São Paulo.

A suspeita da Procuradoria é de que o dinheiro se refere a propina para que o governo atendesse interesses empresariais de Joesley.

Ouça a íntegra da conversa entre Temer e Joesley 18/05/2017 20h12

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O que dizem as defesas

O presidente Temer tem afirmado não ter cometido qualquer irregularidade e classificou como "fraudulenta" a gravação apresentada por Joesley.

Os advogados do presidente contrataram uma perícia independente que apontou possíveis pontos de edição no áudio.

A defesa de Rocha Loures afirmou que “a mala de dinheiro, segundo afirmam, decorreu de armação de Joesley Batista”, disse o advogado Cezar Bitencourt, em nota divulgada na última quarta-feira (21).