Após prisão de Lula, brasilianistas pedem defesa da democracia e "fé nas regras do jogo"
A decisão do juiz Sergio Moro de decretar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um momento de importante reflexão sobre as regras do jogo político e o funcionamento das instituições brasileiras, segundo quatro brasilianistas ouvidos pelo UOL.
Mesmo sem um consenso sobre o significado histórico e político da prisão de Lula, os pesquisadores estrangeiros, que juntos somam mais de um século de estudos sobre o Brasil, argumentam que é preciso mostrar que a luta contra a corrupção não era só contra o PT. Eles também reforçam a necessidade de defender a democracia no país em meio ao aumento da polarização.
"Há duas interpretações possíveis e inconciliáveis para a situação atual. Para quem está do lado do PT, a prisão de Lula é parte de uma ação da elite para impedir que um pobre volte a ser presidente do país. Para o lado do establishment, entretanto, há uma forte rejeição à corrupção, e Lula se beneficiou de um esquema que desviou dinheiro público", afirmou Riordan Roett, diretor do Programa de Estudos da América Latina da universidade Johns Hopkins, em Washington, DC.
"Não acho que a democracia brasileira esteja sob ataque", continuou Roett, que é autor de livros como "The New Brazil" (O novo Brasil), "Brazil under Cardoso" (Brasil sob FHC) e "Brazil - Politics in a Patrimonial Society" (Brasil – política em uma sociedade patrimonial) e recebeu a Ordem de Rio Branco do governo brasileiro.
Para ele, o processo legal que levou à condenação de Lula não teve problemas, mas é preciso não interromper a luta contra a corrupção.
"Tecnicamente, o processo foi impecável e transparente. É possível argumentar que a Justiça se concentrou sobre Lula, entretanto, e que a acusação talvez não fosse suficiente para prender um ex-presidente enquanto há outros corruptos envolvidos em desvios maiores que continuam soltos."
"Fé nas regras do jogo"
A avaliação dele sobre o funcionamento institucional é semelhante à de Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute do King’s College de Londres. Segundo ele, em meio ao radicalismo da polarização atual "é difícil preencher a lacuna de confiança entre esses dois grupos de protagonistas, mas as democracias precisam de um mínimo de consenso, de fé na legitimidade das regras do jogo, para funcionar".
Pereira disse achar cedo demais para julgar os resultados das investigações contra a corrupção no Brasil. Para ele, um dos problemas das ações para combater a corrupção no país é o foro privilegiado.
É difícil preencher a lacuna de confiança entre esses dois grupos de protagonistas, mas as democracias precisam de um mínimo de consenso, de fé na legitimidade das regras do jogo, para funcionar
Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute do King’s College de Londres
"É um gargalo e uma causa potencial de impunidade. Para mim, esse é um dos maiores preconceitos no sistema de prestação de contas no Brasil: ele favorece os políticos que têm cargo público às custas de políticos que deixaram seus cargos, como Lula."
Ele, contudo, se mostra um tanto cético. "Seria bom no futuro se pudéssemos olhar para trás e dizer que a Lava Jato iniciou um processo no qual a árvore da corrupção foi arrancada. Receio, no entanto, que possamos acabar dizendo apenas que seus galhos foram aparados", disse.
"Marco histórico"
Com uma análise alinhada com a ideia da confiança na legitimidade das instituições, Matthew M. Taylor, professor da American University, em Washington, DC., disse que a prisão de Lula é um importante "marco histórico" para o país.
Ele alega que, apesar de ser um momento triste para o Brasil, "tendo em vista a impressionante trajetória pessoal e política de Lula", a medida é representativa de uma mudança na forma como a elite brasileira é tratada pela Justiça, reduzindo a sensação de impunidade.
"Prender um ex-presidente é claramente um marco histórico no tratamento das elites pela democracia brasileira. Até agora, ela sempre tratou grandes líderes --mesmo aqueles comprovadamente corruptos-- com luvas de pelica", disse Taylor.
O brasilianista é especializado em temas relacionados a democracia e corrupção. Ele publicou vários estudos internacionais sobre esses assuntos, incluindo os livros "Corruption and Democracy in Brazil" (Corrupção e democracia no Brasil), "Brazil on the Global Stage" (Brasil no Palco Global), e "Judging Policy" (Julgando Política), Taylor viveu no Brasil de 2006 a 2011, quando trabalhou na USP (Universidade de São Paulo).
Para o pesquisador, entretanto, a prisão de Lula não encerra a questão do combate à corrupção e é preciso acompanhar atentamente o desenrolar do debate sobre a prisão em segunda instância no país.
"A decisão do STF sobre o habeas corpus de Lula não passou muita confiança, no entanto, especialmente quanto à possibilidade de uma reversão da regra de prisão depois da prisão em segunda instância. Acho que ainda há espaço para uma mudança no entendimento do STF sobre o assunto, o que pode gerar uma incerteza importante sobre as regras do jogo", avalia.
Luta contra o PT
O ponto de vista dos três pesquisadores é rejeitado por outro brasilianista dos EUA ouvido pelo UOL. Segundo James Green, professor de história e estudos brasileiros na universidade Brown, nos EUA, a prisão de Lula é resultado de um desejo de acabar com o PT e com a esquerda do Brasil.
"É evidente que houve uma tentativa de derrubar o projeto do PT. Começaram pelo ponto mais fraco, que era Dilma, e depois viram que precisariam derrubar também Lula. Quiseram fazer isso antes que ele pudesse ser eleito presidente mais uma vez", disse.
Para ele, o fato de muitos corruptos continuarem soltos enquanto Lula vai preso é uma prova de problemas na forma como a Justiça agiu contra o PT.
"Quem acredita nas instituições brasileiras acha que o processo legal foi seguido. Eu não acredito na forma como as instituições estão funcionando", disse.
Para ele, há uma concentração exagerada de poder no Judiciário, o que é um problema para o equilíbrio de Poderes. "Quem acredita na democracia precisa defender as instituições, e eu defendo. É preciso repensar a forma como o governo brasileiro foi concebido. É preciso falar de reforma política, mas que seja definida de forma democrática e participativa", disse Green.
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