MP usou caso arquivado em 2011 e ação do "homem da mala" em prisão de Temer
Um dos inquéritos que ajudaram a fundamentar a prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB), na manhã de hoje, foi arquivado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello em 2011. À época, Mello atendeu a um parecer do então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que indicou não haver indícios de irregularidades no inquérito 3105 - investigação que apurava supostas condutas ilícitas de Temer no Porto de Santos.
Em entrevista coletiva oferecida hoje à tarde, procuradores da Força-Tarefa da Lava Jato afirmaram que dados do inquérito arquivado e outros, entre eles três que viraram denúncias contra o ex-presidente, ajudaram a compor o relatório que fundamentou o pedido de prisão e indicou o emedebista como o chefe de uma organização criminosa envolvendo agentes públicos e o setor privado. Ainda segundo os integrantes do Ministério Público, ao menos duas denúncias criminais sobre as investigações reveladas hoje serão apresentadas nos próximos dias.
Michel Temer é o líder dessa organização (...) Pelas nossa investigações, ficou claro que os contratos eram forjados para perdurar durante anos, inclusive após o próprio mandato do ex-presidente
José Augusto Vagos, procurador regional da República
O inquérito 3105 foi aberto para apurar se Temer havia recebido propinas para favorecer empresas do setor portuário durante os anos 1990. Os pagamentos eram supostamente intermediados pela empresa Argeplan, que tem como sócio João Batista Lima Filho, o Coronel Lima, amigo de Temer e também preso na manhã de hoje.
No ano passado, o Ministério Público requisitou ao STF acesso ao inquérito dos portos, mesmo arquivado. O ministro Luís Roberto Barroso autorizou, e o MP começou a ligar os pontos em relação à atuação de Temer e Lima no favorecimento de determinadas empresas no Porto de Santos.
Os dados colhidos no inquérito 3105 foram fundamentais para complementar outra investigação, que averigua se Temer editou um decreto para favorecer empresas do setor portuário. Em 2017, Temer modificou um decreto de 2013 para regulamentar a exploração e a instalação de portos no país. Meses depois, o STF decidiu abrir uma investigação para apurar possíveis crimes de lavagem de dinheiro e corrupção em função dessas mudanças.
Entre as empresas supostamente favorecidas pelo decreto de Temer, estavam a Rodrimar e o grupo Libra. O dono da Rodrimar, Antônio Celso Grecco, chegou a ser preso em 2018 em um dos desdobramentos dessa investigação, durante a Operação Skala, juntamente ao ex-presidente da Codesp, administradora do porto de Santos, Wagner Rossi e seu auxiliar Milton Ortolan. Outro amigo de Temer, o advogado José Yunes, também foi preso nessa operação.
No segundo inquérito aberto sobre os portos, o MP complementou uma planilha que constava na investigação arquivada pelo STF. Nela, era possível ver valores de propinas destinados à sigla MT, a qual, segundo o Ministério Público Federal, significa Michel Temer.
"Lima e Temer vêm atuando há décadas nesse esquema. E como verificamos isso? A partir das operações Skala e Patmos", disse hoje em entrevista coletiva a procuradora Fabiana Schneider, fazendo referência às duas operações da Polícia Federal que tiveram como alvo o ex-presidente e a empresa Rodrimar.
A Patmos, que ganhou notoriedade por revelar uma suposta tentativa de Michel Temer de comprar o silêncio do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB), também teve como alvo o deputado Aécio Neves, à época senador, e sua irmã, Andrea Neves, presa na operação.
O homem da mala
Além dos alvos da família Neves, a Operação Patmos também visou o ex-deputado e ex-assessor especial de Temer Rodrigo Rocha Loures, o 'homem da mala', outra peça fundamental para a prisão do ex-presidente.
"Outro elemento bastante importante e que demonstra a permanência do grupo [de Temer] no recebimento de propinas está no inquérito 4462, o da entrega da mala de dinheiro pelo deputado Rocha Loures", disse a procuradora Schneider.
Em 2017, Loures foi filmado recebendo uma mala com R$ 500 mil em um restaurante de São Paulo. O dinheiro seria uma propina acertada com a JBS para o governo de Temer favorecer a empresa.
Logo após o flagra com a mala, o STF divulgou escutas telefônicas onde Loures defende o interesse de empresas que atuam nos portos do país. Nas gravações, publicadas em primeira mão pela Folha de S. Paulo, Loures insiste para que mudanças sejam realizadas no decreto dos portos para beneficiar a empresa Rodrimar, à qual ele seria ligado.
A conversa é com Gustavo Rocha, chefe para assuntos jurídicos da Casa Civil, e as mudanças solicitadas tinham como objetivo criar uma regra no decreto que beneficiasse empresas que haviam conseguido concessões antes de 1993, o que seria o caso da Rodrimar.
"É uma exposição muito grande para o presidente se a gente colocar isso. Já conseguiram coisas demais nesse decreto", diz Rocha nas conversas, e é respondido por Loures: "O importante é ouvi-los.". O funcionário da Casa Civil continua: "A minha preocupação é expor o presidente em um ato que é muito sensível. Esse negócio vai ser questionado".
Organização criminosa
Temer foi preso hoje no inquérito que apura suposto recebimento de propina de R$ 1,1 milhão por meio de um contrato da Eletronuclear, estatal responsável pela construção da usina Angra 3. Além de Temer, também foram presos o ex-ministro Moreira Franco e o Coronel Lima. Ao todo, Bretas determinou a prisão de dez pessoas.
Segundo o Ministério Público, a soma de todas as propinas recebidas por Temer em esquemas ilícitos chega a R$ 1,8 bilhão.
É uma organização criminosa que se infiltrou na administração política, direta e indiretamente, e isso fundamentou a ocorrência de crimes que perduram durante anos
procurador da República Rodrigo Timóteo
De acordo com o procurador da República Rodrigo Timóteo, esse valor pode ser ainda maior, porque há possibilidade de crédito de propina ainda não pago. Ele afirmou também que os crimes de lavagem de dinheiro ainda não foram integralmente descobertos.
Segundo a investigação do Ministério Público, a atuação da organização criminosa liderada por Temer se dava em três frentes:
- Núcleo político: tornou possível o beneficiamento de empresas a partir de leis, decretos, concessões e outros atos do poder público;
- Núcleo empresarial: grupo que reúne empresários que estão dispostos a pagar propinas para serem beneficiados em contratos com o estado;
- Núcleo financeiro: parte da organização que trabalhava na ocultação de valores, além de fazer a intermediação entre os núcleos empresarial e político.
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