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Mamãe Falei: Carlos Bolsonaro e olavistas atacam mais direita que esquerda

O deputado estadual Arthur do Val (DEM-SP), mais conhecido como o youtuber Mamãe Falei, em entrevista ao UOL  - Carine Wallauer/UOL
O deputado estadual Arthur do Val (DEM-SP), mais conhecido como o youtuber Mamãe Falei, em entrevista ao UOL Imagem: Carine Wallauer/UOL

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

13/07/2019 04h00

O deputado estadual e youtuber de direita Arthur do Val, conhecido como Mamãe Falei, ficou famoso nas redes sociais ao ir a manifestações de esquerda e, com a câmera ligada, conseguir colocar em contradição manifestantes e lideranças. Tem 2,5 milhões de seguidores em seu canal no YouTube.

Sua última polêmica nesse sentido foi em abril do ano passado, quando teria sido agredido pelo então presidenciável Ciro Gomes (PDT-CE) após uma série de questionamentos provocativos.

O movimento do qual faz parte, o MBL (Movimento Brasil Livre), surgiu na esteira dos protestos pelo país em 2013 e 2014 e foi uma das lideranças nas manifestações pelo impeachment da ex-presidente petista Dilma Rousseff.

A exemplo de colegas do MBL, como o vereador paulistano Fernando Holiday (DEM-SP) e o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), Do Val conseguiu capitalizar a popularidade adquirida nas manifestações de rua e na internet para ingressar na política.

Foi eleito deputado estadual pelo DEM-SP com 478.280 votos em 2018, uma enormidade atrás apenas dos 2 milhões de votos recebidos pela advogada Janaína Paschoal (PSL-SP). Mas das eleições para cá, algo parece estar mudando.

Antes dominante e respeitado nas manifestações de rua da direita e nas redes sociais associadas, o MBL está perdendo espaço. Na última manifestação de apoio à Operação Lava Jato, seu caminhão de som juntava consideravelmente menos gente que grupos como o Nas Ruas e o Direita SP. Nas principais páginas nas redes, foram pelo menos 100.000 seguidores a menos até a semana do protesto.

O MBL procura manter uma postura de independência em relação ao governo Bolsonaro, com apoio a pautas pontuais. Em tempos de polarização exacerbada, isso parece estar afastando parte do público que o seguiu.

Na entrevista ao UOL, Do Val fala sobre as diferenças entre os diversos grupos de direita que surgiram no Brasil nos últimos anos, o risco de brigas internas frustrarem eleitores que cobram resultados concretos e, por fim, que isso fortaleça um discurso de esquerda distante do PT, como do PDT de Ciro Gomes. Leia abaixo.

Na última manifestação em defesa de pautas do governo Bolsonaro e da Operação Lava Jato, houve uma briga entre o MBL e outro grupo de direita, o Direita SP. O que aconteceu?

A imprensa amplifica muito, não foi isso que aconteceu. Estava rolando a manifestação, cada um no seu caminhão, e um grupo mais ligado ao Olavo de Carvalho, ao Bolsonaro propriamente dito, foi ao nosso caminhão e começou os xingamentos.

Começou uma confusão. Aí aquela história, um fala que foi o outro, o outro fala que foi o um, mas o fato é que o que aconteceu foi muito menor do que está repercutindo. Foi um negócio que durou cinco minutos no máximo. Aí a polícia identificou quem estava ali agredindo, foi lá e tirou. A vida seguiu normal, nem se falou mais nisso durante o dia. Estou até assustado com a repercussão, por que foi um negócio muito menor... Não foi uma briga de torcida organizada, com pau e pedras, nada disso.

5.jul.2019 - Membros do Direita SP discutem com integrantes do MBL durante confusão entre os dois grupos em protesto na Avenida Paulista, no domingo passado (30) - Ettore Chiereguini/Futura Press/Folhapress - Ettore Chiereguini/Futura Press/Folhapress
Membros do Direita SP discutem com integrantes do MBL durante confusão entre os dois grupos em protesto na Avenida Paulista, no domingo passado (30)
Imagem: Ettore Chiereguini/Futura Press/Folhapress

O que talvez tenha chamado tanta atenção é que esta discussão seja indicativa de uma ruptura e afastamento entre movimentos de direita. As pautas estão ficando muito diferentes, os diversos movimentos estão se afastando?

Não há ruptura, já que nunca houve união. Na verdade estes movimentos não surgiram juntos e depois se romperam. São visões completamente diferentes de sociedade e, desde o surgimento dos diversos movimentos, essas diferenças já apareceram. Desde o impeachment da Dilma, a tese do MBL para o impeachment, que era via Congresso, convencimento de deputados e etc., é uma tese diferente das de outros grupos. Então essa divisão sempre existiu.

O que eu deixo de crítica é que a gente deve buscar muito mais as pautas que convergem do que o protagonismo sobre quem defende melhor isso ou aquilo. A gente estava na rua em prol da Lava Jato, do Sergio Moro, da reforma da Previdência e de pautas republicanas.

Eu acho que não cabe ali ficar buscando um protagonismo e dizer meu carro é melhor que o seu, o meu discurso está melhor que o seu. Nesse sentido deixo uma crítica, mas acho que é bom que a direita se mostre não homogênea para que as pessoas vejam que não existe só essa coisa dualista entre direita e esquerda e que existe uma gama enorme de possibilidades entre um e outro.

Ainda é possível trabalhar junto nas pautas em comum?

Com certeza, eu sou um dos caras que tem a maior facilidade e trânsito pelo que se chama de direita hoje. Eu sou praticamente amigo do Douglas Garcia [deputado estadual do PSL-SP e fundador do Direita SP]. Entre nós, zero problema. Teve essa briga na Paulista no domingo, e por coincidência nos cruzamos em São José dos Campos (SP) na segunda-feira, até brinquei com ele, disse que ia falar mal dele na rádio. Mas não tem nada disso. Discordo de muitas das ideias dele, acho que somos de lados opostos dentro da direita, mas me dou muito bem com ele. Isso não impede que estejamos juntos no que a gente concorda.

Essas diferenças enfraquecem a direita de alguma forma?

O PT tomou para si o monopólio das virtudes e da narrativa esquerdista. Então ou você estava com o PT ou você não estava, e como eles estiveram no poder por muito tempo, se apoderavam de movimentos sociais com essa tática até com uso de dinheiro público. A hora que aquele tronco central tomou um tombo, todos os ramos da árvore, da esquerda, estavam lá atrás pequenininhos, na sombra do PT.

Eu acho que com a direita é diferente. A direita é heterogênea desde sempre e não há um grupo que representa toda a direita. Se você pegar por exemplo o partido Novo, ele é de direita, mas uma direita completamente diferente do PSL. Que é completamente diferente mesmo dentro do próprio partido. Se pegar o governo Bolsonaro, você tem ala militar, a da Lava Jato, a ala olavista, você tem os liberais... Então é bem heterogêneo e acho isso positivo.

O que é problemático e aí sim acho que enfraquece, aparece um cenário perigoso, é que as brigas dentro da direita comecem a atrapalhar o que se tem de propositivo, como a reforma da Previdência. Aí você tem no meio a ala olavista brigando com a ala militar, que tá com rusga com a ala liberal, que não sei o quê...

A partir dessa confusão, o cidadão comum pode começar a não ver resultados práticos em um governo que se diz de direita. Isso pode fortalecer um discurso para um governo que se diz de esquerda. Infelizmente, as pessoas são personalistas e acham que as coisas são dicotômicas, e nesse aspecto tenho medo com o que pode acontecer com a narrativa e fortalecer uma esquerda perigosa que para mim é o PDT, uma esquerda Ciro Gomes, isso é um grande risco.

3.jul.2019 - O deputado estadual Arthur do Val (DEM-SP), mais conhecido como o youtuber Mamãe Falei, em entrevista ao UOL  - Carine Wallauer/UOL - Carine Wallauer/UOL
O deputado estadual Arthur do Val (DEM-SP) preocupa-se que as picuinhas entre grupos de direita afete a capacidade de entrega dos eleitos e fortaleça o discurso de esquerda
Imagem: Carine Wallauer/UOL

O sr. vê algum grupo tentando se impor na direita, assim como o sr. acredita que o PT fez na esquerda?

O que vejo na direita o seguinte: você tem os grupos diferentes entre si. Aí se você pegar o partido Novo, não fica atacando o MBL, que não fica atacando de volta... Eu não vejo o Paulo Guedes atacando o Sergio Moro, ou a ala liberal atacando a Lava Jato, que atacam os generais, que atacam não sei quem. Eu não vejo nada disso.

O que eu vejo é uma ala específica, que é a ala do Carlos Bolsonaro, a ala olavista, atacando todos os outros grupos mais até do que ataca a esquerda. Se você pegar hoje tuítes ligados a essas alas, 90% das postagens são atacando outras alas da direita e não a esquerda ou outros grupos.

Eu acho que a oposição está dando risada. O PT tem a segunda maior bancada do Congresso, e você tem a esquerda que chamamos de esquerda da lacração, o PSOL, esse pessoal que vai sempre dar show, e você tem a esquerda inteligente que é o Ciro Gomes, a Tabata Amaral, a esquerda limpinha. Aquela esquerda que é 'o Lula tá preso babaca', mas não vê problema em fazer piada homofóbica e vem com aquele papo que nós estamos aqui por que temos experiência, sabemos fazer ministérios, sabemos tocar o negócio.

O que eu vejo é uma ala específica, que é a ala do Carlos Bolsonaro, a ala olavista, atacando todos os outros grupos mais até do que ataca a esquerda

Essa esquerda é muito perigosa e se você deixar o debate raso como está sendo hoje, prejudica o país por que você dá espaço para essa esquerda mais propositiva e inteligente, então estamos perdendo a mão. Tenho receio deste tipo de comportamento da ala mais ideológica do governo e espero que se mude de postura o quanto antes.

Eu acho até que ficou meio raso colocar tudo a culpa no PT, chega, não é bem assim né. Mas o PT é uma enorme força no nosso país não só política, mas a mentalidade esquerdista, sindicalista, assistencialista e reguladora ainda é muito emaranhada no Brasil e esse é nosso maior desafio.

Isso acontece mesmo dentro da direita, não?

Bom, você teve deputados do PSL negociando pontos na reforma da Previdência que prejudicam a reforma. Se fosse só com os militares ainda estava bom. Mas começa com o militar, aí entra o policial, o oficial de Justiça, o cobrador de ônibus e isso e aquilo. Fica aquela guerra de corporações.

Os grupos mais à direita do MBL, como o Direita SP, colocam como ponto de ruptura com vocês a manifestação do dia 26 de maio, quando os grupos se juntaram para ir à rua defender o governo Bolsonaro e vários pregaram contra o Congresso e o STF. Vocês concordam?

Discordo totalmente. Esses grupos, o Direita SP, o Brasil Conservador, o Nas Ruas e o MBL nunca surgiram da mesma fonte e nunca tiveram a mesma visão de mundo. Acho que simplesmente se coloca este ponto de ruptura no dia 26 porque foi o racha que ficou mais conhecido, mas desde o impeachment isso acontece.

Se você pegar o Olavo de Carvalho, que influencia muitos desses grupos, ele inspira muita gente. Não existe esse negócio que estávamos juntos e na manifestação fomos traídos. O MBL nunca esteve nesse espectro desses grupos.

E digo mais, o MBL nunca foi um grupo adesista, nunca esteve com o governo. O MBL sempre disse que era um grupo independente e que apoiaria as pautas liberais, que vão de encontro aos nossos valores.

Vocês creditam ao Olavo de Carvalho essa animosidade em relação ao MBL?

Não diretamente, não acho que seja. Mas com certeza ele põe lenha na fogueira. A partir do momento em que ele diz que se estivesse no Brasil só iria na manifestação para dar um chute no "cu de Kim Katapiroca", nesse momento ele está descendo do salto, assumindo uma postura combativa que eu acho inadequada para este momento, e ele dá margem sim para interpretações literais. Eu acredito que ele não tenha sido literal, mas estimula sim algum tipo de animosidade que possa acabar em violência.

Em meio a essa divisão, vocês perderam recentemente centenas de milhares de seguidores nas redes sociais e, na última manifestação a favor do governo, o trio de vocês parecia ser um dos menores na avenida Paulista, com menos público. O MBL está pagando o preço em popularidade dessa independência em relação a outros grupos de direita?

Eu acho que não. Na verdade o MBL nunca foi adesista e populista. Nunca dissemos, por exemplo, que éramos contra a corrupção e a favor da paz mundial. Nunca foi isso. A gente tem pautas que nem sempre engajam as pessoas. Por exemplo, a reforma da Previdência. Mesmo na época em que o Bolsonaro era contra a reforma da Previdência, o MBL estava lá com essa pauta. O MBL nunca foi um movimento de manifestações. É movimento propositivo, com propostas claras de como mudar o Brasil de maneira pragmática.

Isso faz as pessoas irem às ruas? Em alguns momentos sim, em alguns momentos não. Nesse caso, acho que a maioria das pessoas nem às ruas foi. Que dirá no caminhão do MBL.

Então não há uma perda de público do MBL, o que há de fato é um arrefecimento de qualquer manifestação de rua. Hoje, você vê, quando o Lula foi preso colocamos mais de um milhão de pessoas na Paulista. Agora, tinha tanta gente? Não, mas mostra que o público ainda está lá.

O MBL é um movimento liberal na economia e nos costumes?

De jeito nenhum. Somos mais parecidos com os liberais ingleses do que com os americanos, por exemplo. Nós somos liberais clássicos. Agora, pautas comportamentais como aborto, legalização das drogas, não estão no escopo do MBL. Se você perguntar hoje para os membros do MBL quem é a favor da descriminalização da maconha, é dividido. Metade é contra e metade é a favor. Inclusive a maioria não liga para isso, não está em pauta no movimento.

O MBL não é um grupo ideológico, é um grupo de pessoas que se junta em torno de determinadas pautas para atingir estes fins. A variedade ideológica dentro do movimento é enorme. Pautas comportamentais são um negócio completamente em aberto no MBL.