Comissão da OAB repudia fala de presidente da Fundação Palmares
O discurso de ontem do novo presidente da Fundação Palmares foi criticado pela Comissão Nacional de Promoção de Igualdade da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que divulgou hoje uma nota de repúdio. No texto, o órgão afirma que Sergio Camargo praticou "crime de racismo contra toda a população negra" com sua fala.
A nota, assinada pela presidente da comissão, Silvia Cerqueira, diz que Camargo, no cargo que ocupa, "revelou ser contra o feriado de 20 de novembro, contra a própria causa e, lamentavelmente, negou a existência do racismo que permeia toda a nação brasileira".
A Fundação Palmares é o órgão responsável por promover a cultura afro-brasileira, sendo vinculado ao Ministério da Cultura.
Ontem, enquanto era empossado no cargo, Camargo declarou ser contra cotas raciais e afirmou que o Dia da Consciência Negra deveria "ser abolido". Ele também criticou Zumbi dos Palmares, afirmando que, hoje, "seria um bandido" e disse que a vereadora Marielle Franco se auto-declarou negra "por conveniência política".
Confira a nota na íntegra:
"Nota de repúdio contra ato do presidente da Fundação Cultural Palmares
A Comissão Nacional de Promoção de Igualdade da Ordem dos Advogados do Brasil torna público seu repúdio ao discurso do novo presidente da Fundação Cultural Palmares, Sergio Nascimento de Camargo, que, ao assumir o cargo da fundação, revelou ser contra o feriado de 20 de novembro, contra a própria causa e, lamentavelmente, negou a existência do racismo que permeia toda a nação brasileira.
Considerando que a Fundação Cultural Palmares é uma entidade pública vinculada ao Ministério da Cultura e objetiva precipuamente a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira, não pode ter representante que milite contra seus próprios valores.
Considerando que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 215, assegura que "o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso as fontes da cultura nacional, e apoiará, incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais populares, indígena, afro-brasileiras e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional".
Considerando que não temos como negar o que preceitua o artigo 1º da Lei 7.668, de 22 de agosto de 1988, que instituiu a Fundação Cultural Palmares, cujo objetivo precípuo está descrito no artigo supra, não podemos aceitar que o representante desta fundação contrarie a ordem e a lei.
Dessa maneira, a atitude deste gestor violou os incisos XLI e XLII do artigo 5º da Carta Magna, praticando o crime de racismo contra toda a população negra e atacando de forma violenta e direta Zumbi dos Palmares, cujo reconhecimento se deu através da lei 9.315 de 20/11/1996.
Praticou ainda o crime de racismo quando, de forma desrespeitosa, disse que a escravidão foi boa porque os negros viveriam em condições melhores no Brasil do que no continente africano e asseverou que "merece estátua, medalha e retrato em cédula o primeiro branco que meter um preto militante na cadeia por crime de racismo".
Violou ainda o prescrito na lei 12.519/2011, que instituiu no artigo 1º o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, bem como o artigo 1º da Lei 12.288/20, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, que assegura que "a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos, individuais, coletivos e difusos e o combate a discriminação e as demais formas de intolerância étnica".
Diante de todo um contexto histórico que temos vivido ao longo de anos, não há como negar a prática do crime de racismo nem, tampouco, aceitar ultrajante discurso.
Hoje, a CNPI tem realizado grandes conquistas no sentido de incentivar e promover a igualdade em todo território brasileiro. É nítido que a dívida do país com o acúmulo dos efeitos da escravidão é impagável e que vivemos a realidade de um racismo estrutural.
Assim, a Ordem dos Advogados do Brasil, como entidade revestida de funções públicas e sociais e atribuída da missão de "defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas", conforme dispõe artigo 44 do Estatuto da Advocacia, e tendo em vista o dever de cumprir a função institucional de guardiã da ordem constitucional e democrática e defensora da cidadania e dos direitos humanos e sociais, não pode se calar diante de tamanha afronta a todo segmento negro, bem como a nação brasileira."
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