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Bolsonaro queria pescar com Queiroz e teme 'bomba' em Flávio, diz Joice

Constança Rezende e Angela Boldrini*

Colunista do UOL e da Folha, em Brasília

22/12/2019 02h00Atualizada em 23/12/2019 09h07

Resumo da notícia

  • Deputada do PSL afirma que não coloca "um dedo mindinho no fogo" pelo filho do presidente
  • Segundo ela, Supremo está investigando a existência do 'gabinete do ódio' bolsonarista
  • Ex-aliada do governo, ela diz que Bolsonaro se encaminha se tornar 'Dilma de sinal trocado'
  • Também afirma que o presidente fez tráfico de influência para fazer o filho líder do partido
  • Diz ainda que é "candidatíssima" à Prefeitura de SP e que vai impor derrota definitiva ao PT

Chamada de traidora por grande parte do eleitorado que a elegeu, a nova deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), agora lida com contradições e ressentimentos em torno do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e sua família.

A ex-aliada do governo, que se considerava uma filha do presidente, ganhou língua afiada para criticar o grupo. Ao mesmo tempo, evita dizer que rompeu definitivamente com o governo, à sombra da perda de mais de 730 mil seguidores nas redes, desde que brigou com a família.

Em entrevista ao UOL e à Folha, em Brasília, Joice é dura ao comentar o caso do senador Flávio Bolsonaro, seu ex-assessor Fabrício Queiroz e suas movimentações financeiras atípicas — apesar de a investigação ter sido divulgada há cerca de um ano, quando a deputada ainda era ligada à família do presidente.

Joice diz saber que Bolsonaro teme que estoure essa "bomba" no colo do Flávio, o que para ela é uma "questão de tempo". Também afirma não colocar "um dedo mindinho no fogo" pelo senador. "Não sou hipócrita, não vou passar a mão em cabeça de corrupto", diz.

Sobre o presidente, a deputada afirma ter ouvido de um palaciano que o que Bolsonaro mais queria, neste final de semana, era pescar com Queiroz.

Era a diversão dele no final de semana, sair para pescar com Queiroz, aquela coisa toda
Joice Hasselmann, deputada federal (PSL-SP)

A relação do presidente com o Congresso também é criticada por Joice. Nesta entrevista, realizada na quarta-feira (18), a deputada diz que Bolsonaro agiu como "lobista" ao tentar indicar o filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada americana.

"Quando vi que o presidente saiu da sua estatura presidencial para lobista de um deputado, achei que era apequenado demais", diz.

Para a congressista, Bolsonaro caminha para ser a "Dilma com o sinal trocado", em razão do jeito agressivo de tratar ministros em reuniões oficiais, fazendo o uso de palavrões.

Em sua disputa com Eduardo pela liderança do partido na Câmara, que entrou no campo da Justiça, Joice afirma ser a verdadeira ocupante do cargo e chama o filho do presidente de "liderança zumbi". Para ela, o perfil de Eduardo é de ativista, o que não condiz com o papel conciliador de uma liderança de partido.

Joice também revelou que prestou em depoimento ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes no inquérito sobre fake news. Segundo a deputada, ela foi indagada sobre acusações que fez na CPMI que trata do mesmo assunto, no Congresso, principalmente sobre o que ela chamou de "gabinete do ódio" bolsonarista.

A congressista também afirmou que é "candidatíssima" à Prefeitura de São Paulo pelo PSL em 2020 e que procura vices "outsiders" do meio político. "Vou ser a mulher da direita de fato em São Paulo", diz a deputada, que foi a mais votada no estado, com 1 milhão de votos.

A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), em entrevista no estúdio do UOL/Folha, em Brasília - Kleyton Amorim/UOL - Kleyton Amorim/UOL
A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), em entrevista no estúdio do UOL/Folha, em Brasília
Imagem: Kleyton Amorim/UOL

Leia a entrevista a seguir. A íntegra da conversa também está disponível em podcast e no Youtube.

A briga com a família Bolsonaro

UOL/Folha - A senhora chegou a ser bem próxima do presidente. O que preocupa Bolsonaro nas investigações sobre o filho dele, Flávio, e o que a sra. sabe sobre o caso Queiroz?

Joice Hasselmann - O que se comenta no Palácio do Planalto, e também se falava antes na campanha para eleição, era da proximidade extrema do Queiroz com o presidente. Eles eram amigos de longa data. Inclusive um dos atuais ministros, que eu vou reservar o nome, sempre dizia para mim "pô, tudo que o presidente queria neste final de semana era pescar com Queiroz", que era a diversão dele no final de semana. Sair para pescar com Queiroz, aquela coisa toda.

O presidente teme claramente que estoure essa bomba no colo do Flávio Bolsonaro, o que para mim é uma questão de tempo, porque me parece óbvio o que está acontecendo

A sra. acha que o presidente sabia da questão da rachadinha?

Não posso afirmar que estava acontecendo. O que estou dizendo é que as investigações apontam que sim, que tem cara, cheiro e jeito. Quanto mais o Ministério Público se aprofunda nisso, ou a polícia, mais indícios de que realmente aconteceu aparecem.

Cheguei a defender uma época, dentro do Palácio, que o Flávio Bolsonaro se afastasse e pudesse trabalhar na comprovação de sua inocência. Como é que um assessor consegue isso, movimentar tanto dinheiro?

Eu não coloco um dedo mindinho no fogo pelo Flávio, nesse caso. Não sou hipócrita, não vou passar a mão em cabeça de corrupto. Não tenho bandido de estimação

A sra. se arrepende de algo na briga com a família?

Não me arrependo porque eu não traí as minhas bandeiras e o que prometi ao povo brasileiro. Não fui eu quem abandonou o presidente Bolsonaro. Foi ele que abandonou muitos que lutaram fielmente por ele para que nós pudéssemos fazer um país melhor.

Posso dar uma lista infinita de pessoas, [Carlos Alberto] Santos Cruz, general [Luiz Eduardo] Ramos, [Hamilton] Mourão, [Gustavo] Bebianno. Pessoas que foram fiéis, usadas e descartadas. Eu me mantive fiel o tempo todo. Nunca prejudiquei o presidente.

A maioria das crises que aconteceram entre os Poderes, e mesmo dentro do Palácio, foi criada por um dos filhos. Ou filho da rachadinha, ou filho do Twitter, que ficava xingando todo mundo, Rodrigo Maia [DEM-RJ, presidente da Câmara], Davi Alcolumbre [DEM-AP, presidente do Senado].

Qual foi o ponto da sua ruptura com os filhos do presidente?

Quando a coisa começou a ir para um tráfico de influência do próprio presidente para fazer o filho líder do partido, uma coisa tão pequenininha. Ele mesmo ligando, colocando os ministros para ligar, para dizer que vai cortar os cargos de quem não assinar a lista, ou espaços dentro do governo.

Quando vi que o presidente saiu da sua estatura presidencial para lobista de um deputado, achei que era apequenado demais. Não ia participar desta ação. A instituição Presidência da República tem que ser preservada, apesar de quem está lá.

Decepção com Bolsonaro

A sra. diria que se decepcionou com o presidente?

Sim. Um pouco do caráter, do não cumprimento de palavra e do desejo de sufocar qualquer um que tenha brilho próprio. Sei que ele é muito influenciado por aquele gabinete do ódio, pelos filhos, mas ele também é responsável.

A sensação que dá é que, quando o presidente começou, ele se sentia menor que a cadeira. O tempo foi passando, e ele está se achando maior. Isso é uma coisa muito ruim e até perigosa, a ponto de eu ver em reuniões ele bater na mesa, falar palavrões. Alguns ministros ficaram constrangidos. Lamentavelmente, me lembra um pouco o comportamento da Dilma.

A sra. diria que o Bolsonaro é a Dilma com o sinal trocado?

Infelizmente, sim. Ele está caminhando para isso e eu espero que ele conserte, acho que dá para consertar. Se ele ouvir, se ele apreciar de fato a democracia, se ele entender que divergir, que aconselhar, não é declarar guerra.

O presidente tem algum acesso ao chamado "gabinete do ódio"?

Tem, mas não sei se ele tem a noção de todo o mal que eles causam. Vou dar um exemplo claro do posicionamento do presidente. Não é uma questão de rede social. Na posse, por exemplo, fui a favor, e o ministro Bebianno também, de convidarmos todos os chefes de Estado, ainda que eles não viessem.

Essa turma mais ideológica, que estimula o ódio disse "não, ninguém que é de uma linha ideológica muito diferente da gente vai ser convidado". Isso é um absurdo, é o presidente do país, não é o homem Jair Bolsonaro. Então, eu fui contra alguns discursos agressivos e que essa turma ficava estimulando, sabe quando você pega um pitbull bravo e fica assim "pega, pega, pega", é assim que eles fazem.

E ele pega?

Pega. Isso é inadmissível. É uma desgraça para o país esse gabinete do ódio, tem que desmontar esse negócio, começar tudo de novo. O presidente tem a chance de, na virada de ano, dar um chacoalhão. Limpa o Palácio das figuras que estimulam o ódio, que estimulam ele a ser cada vez mais grosseiro, truculento, agredir pessoas como [Michelle] Bachelet.

Isso não faz parte da essência dele?

Faz. Mas qual é o papel do bom assessor? Vem cá, presidente, não fala isso porque vai dar problema. Era o que eu fazia. Não fala isso que você me prejudica nas articulações no Congresso. Não deixa os filhos baterem no Rodrigo Maia.

Como vê as críticas de que a senhora só começou a agir quando doeu na própria pele?

Ficou meio assim estupefata. É tão maluca essa crítica. É óbvio que eu, e qualquer criatura nesse mundo, faria a mesma coisa. Sou deputada, não sou polícia, nem Ministério Público. Eu iria largar o meu mandato, a Previdência, para sair investigando uma coisa que falavam que existia, mas eu não tinha tido acesso? Isso é hipócrita.

Mas não é investigar. É ir contra os ataques.

Eu sempre fui contra os ataques. Quem fala ou é mal informado ou é hipócrita. Basta um Google no meu nome à época que esses ministros foram fritos e todos vão ver que eu saí em defesa deles. Briguei com o presidente da República por causa de Santos Cruz, disse o quanto estava errando. É óbvio que, se me jogam na jaula dos leões, tenho que me defender.

"Gabiente do ódio"

A sra. entregou provas a alguma outra autoridade além da CPMI?

Entreguei para o Supremo, na semana que passou. Fui ouvida por um grupo que está acompanhando o processo, as investigações de fake news e de ameaças contra o ministro do Supremo. Pelo que eu saiba, vão investigar.

Meu depoimento foi sigiloso, então não posso entrar no mérito. Eles se interessaram por todo o processo de como cheguei até o gabinete do ódio e como era o trâmite e como consegui chegar naqueles dados todos.

Pode chegar até o presidente?

Aí é com os investigadores. Eu sou alguém que quer a verdade, que não é contra A, B ou C. Agora, aonde vai chegar?

Algum desses ataques foram coordenados ou tiveram alguma orientação do presidente?

Me sinto constrangida em falar porque, se eu abrir conversas privadas minhas com o presidente, que foi uma coisa que eu não fiz na CPI...Pedi reserva nas conversas com ele, acho que fica feio. Não quero abrir conversas privadas minhas com o presidente porque não precisa.

Por que? Tem esse tipo de coisa nas suas conversas privadas com o presidente?

Eu não vou dizer.

Existe a suspeita no Supremo de que pessoas do gabinete de ódio estejam fazendo os ataques contra os ministros da corte?

Quando se fala em gabinete do ódio, temos estruturas. Tem a física, que funciona com os meninos no Palácio, que ficam inflamando o presidente, escrevendo discursos mais pesados e fazendo coisas também para as redes sociais, e o grupo que reúne assessores de vários deputados, incluindo os filhos, para montar as estratégias, calendários de ataque —não é a mesma pessoa que faz todo dia—, aí é um outro grupo maior.

É uma pirâmide. Eles atuam numa simbiose e alimentando o Brasil inteiro e páginas e perfis fakes.

Teria dinheiro envolvido para manter esse tipo de operação?

Sim, tenho pistas, mas não posso falar sem provas. Há um financiamento, primeiro público, de salários de assessores que tinham que estar trabalhando para o deputado, para o povo, e estão trabalhando em denegrir reputações, fazer dossiês falsos ou forjar informações.

E quem paga os disparos de robôs? Essa é uma pergunta que tem que ser respondida. Tem um mercado de páginas que você já compra com seguidores e aí transforma a página com o nome Movimento Não Sei O Que. Quem está financiando isso?

Na campanha houve isso?

A minha participação na campanha nunca envolveu nada de internet com o presidente, por uma questão muito simples: Carlos [Bolsonaro, vereador do PSC-RJ e filho do presidente]. Eu até quis, cheguei a fazer uma reunião com o presidente, o Eduardo estava perto, o Flávio também. Foi na casa do Flávio, um belo apartamento na Barra, belíssimo apartamento. E eu disse "olha, vamos organizar essa campanha, vamos fazer a coisa", mas Carlos nunca deixou a gente se aproximar do núcleo estratégico na internet. Era ele que tinha as senhas, cuidava, decidia.

A briga no PSL

Quem é hoje o líder do PSL, no papel e na prática?

De verdade, sou eu. Existe uma liderança do Eduardo Bolsonaro que é meio zumbi, que foi montada em cima de deputados suspensos pelo partido e por um juiz que deu uma decisão das mais absurdas que eu já vi na minha vida. Ele rasgou o estatuto do partido, enfrentou o Legislativo.

Joice e Eduardo - Reprodução/Twitter Joice Hasselmann - Reprodução/Twitter Joice Hasselmann
Os deputados Joice Hasselmann e Eduardo Bolsonaro
Imagem: Reprodução/Twitter Joice Hasselmann

A gente está comprovando, na Justiça, a extrema má-fé que esse grupo usou. É uma decisão absurda e a gente vai derrubar na Justiça em questão de dias. Continuei fazendo as orientações nesses dias porque os deputados acabam ficando sem ter a quem recorrer porque o líder precisa atuar como líder, estar com outros líderes, ter bom relacionamento com o presidente da Câmara. Chegar no microfone, ficar xingando a oposição, é papel de ativista.

Como ficam os parlamentares do PSL?

Acho que deveríamos abrir as portas para aqueles deputados do PSL que não querem ficar. Sou liberal e acho que a democracia é isso. Não querem ficar, podem ir embora. Querem construir do partido? Lindo, mas não usem o PSL para atacar o PSL.

Sem o apoio do presidente, como o PSL vai atrair candidatos e eleitores?

Quando o Bolsonaro começou no PSL, ele não era acreditado por praticamente ninguém, tanto que partidos, como o PP, não queriam Bolsonaro. O PSL, junto com ele, ajudou a construir essa onda. Dizer que as pessoas só vieram na esteira, quando muita gente começou a apoiar a ele quando ele só tinha 4% de intenção de voto, chega perto da desfaçatez.

Fosse um outro candidato, com o mesmo posicionamento, o resultado também seria esse. Partidos são feitos de pessoas.

A idolatria, o fanatismo, o endeusamento, nós já vimos no que deu. Aconteceu isso com o Lula. O povo brasileiro está acima desses personagens

Eleições

A senhora pretende se aproximar de alguma outra figura política, em 2022?

O ano de 2022 está muito longe. Só uma coisa tenho certeza: a reeleição é uma desgraça para o Brasil. Eu não apoiarei Bolsonaro, caso venha à reeleição. Antes que algum lunático fale, eu já dizia isso na campanha, que iria apoiar Jair Bolsonaro, que ele é um homem duro, que o Brasil precisa disso agora, mas que é muito chato para ficar oito anos.

Bolsonaro me deu a palavra que não viria à reeleição. Se você combina uma coisa, cumpra

A sra será candidata à prefeitura de São Paulo? Quem será o seu vice?

Candidatíssima, saio pelo PSL. Vou ser a mulher da direita de fato em São Paulo, vou enfrentar a esquerda, o [Fernando] Haddad, se ele vier. Aliás, estou adorando que ele venha porque quero impor uma derrota definitiva a essa tropa aí do PT em São Paulo.

Tenho conversado com alguns gestores que não são políticos muito importantes no cenário nacional para vir comigo, numa vice.

A sra. apoiaria uma proposta de emenda constitucional para Maia se reeleger em 2021 na Câmara? Há também uma reclamação constante dos líderes do Congresso de que não há articulação do governo. Por que isso não muda?

A articulação vive aos trancos e barrancos por conta das condutas do próprio governo. Eu construía a ponte, ligava lá o Congresso, chegava pertinho do Planalto para a gente ter uma paz, vinha alguém e "bum", jogava uma bomba.

Lá ia eu de novo, corria para casa do Rodrigo, corria para casa do Davi, ia às reuniões de líderes tentava acalmar. A própria oposição chegou a elogiar minha atuação. O líder do governo na Câmara é inepto, não tem a menor condição. No Senado, o líder tem lá sua experiência, mas também passa por alguns perrengues e, às vezes, toma algumas das posições que eu não tomaria.

Pode citar um exemplo?

Trabalhar contra a segunda instância, mesmo que o presidente me peça. Por quê? Porque pode ser uma proteção, até mesmo num eventual caso do Flávio, acabar caindo no meio dessa confusão toda.

Quanto ao Rodrigo vir para uma reeleição? Acho que é cedo para a gente falar sobre isso. Tem que se ouvir os outros líderes. Tem que ter uma maioria, não adianta. O Rodrigo tem sido um presidente excepcional e olha que tivemos rusgas no passado recente.

Se não fosse o Rodrigo e a atuação desses líderes, desculpe, nada tinha sido aprovado.

*Colaborou Luciana Amaral, do UOL, em Brasília