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Após tirar Mandetta, Bolsonaro abre crise com ataque a Maia e governadores

Presidente Jair Bolsonaro e novo ministro da Saúde, Nelson Teich - ADRIANO MACHADO
Presidente Jair Bolsonaro e novo ministro da Saúde, Nelson Teich Imagem: ADRIANO MACHADO

Clarice Cardoso

Do UOL, em São Paulo

17/04/2020 01h30

Resumo da notícia

  • Após semanas de tensão, Jair Bolsonaro demitiu Mandetta por divergências quanto ao isolamento social
  • Mandetta elogiou presidente em público, mas demonstrou sentimento de ingratidão nos bastidores
  • Escolhido, Teich diz estar alinhado ao presidente, mas já adotou posicionamentos contrários no passado
  • Mal resolveu a crise, Bolsonaro voltou a atacar governadores e Maia, o que pode gerar nova crise

Há pouco mais de 15 dias, as diferenças entre Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Jair Bolsonaro (sem partido) atingiram um novo ponto de tensão quando o presidente passou a dizer a assessores estar "de saco cheio" do então ministro da Saúde. A demissão, que se arrastou por quase um mês com ameaças e estranhamentos públicos, concretizou-se na tarde de ontem.

Pela manhã Bolsonaro reuniu-se durante 6 horas com o oncologista Nelson Teich, que deixou o local em dúvida, mas ligou um tempo depois para aceitar o cargo de novo ministro da Saúde.

No início da tarde, o presidente conversou por cerca de 30 minutos com Mandetta, quando foi acertada sua saída da pasta. Este, por sua vez, já havia sinalizado pela manhã que sua saída da pasta não passaria de sexta-feira.

Ao contrário do que se viu nas interações entre os dois nas últimas semanas, em que ministro e presidente não pareciam capazes de manter nenhum acerto, Bolsonaro afirmou que a demissão se deu "de comum acordo".

O isolamento social foi fator decisivo. Para Bolsonaro, Mandetta estava "voltado quase que exclusivamente para a questão da vida", mas "os efeitos de uma quarentena muito rígida podem causar problemas seríssimos, a ponto de a economia não se recuperar mais", declarou em sua live semanal.

"Existe a preocupação com o vírus, mas devemos cuidar para que o emprego não continue sendo destruído por uma política que, no meu entendimento, foi um tanto rigorosa."

Apesar de descrever o encontro como "amistoso", Mandetta voltou a defender essa política em sua despedida e chegou a elogiar prefeitos e governadores pela adoção de medidas de restrição — os mesmos que são alvos do presidente pelo mesmo motivo.

Mais tarde, deixou transparecer que sai com sentimento de ingratidão, em uma cerimônia informal de despedida acompanhada pela Folha.

Teich terá de provar alinhamento ideológico

Escolhido como novo ministro, o oncologista Nelson Teich apressou-se em declarar ter "alinhamento completo" com Bolsonaro e, dessa forma, garantiu que "saúde e economia não competem, elas são complementares".

Teich tem pela frente a difícil missão de ocupar o lugar de uma das figuras mais populares do governo. Sob Mandetta, o Ministério da Saúde atingiu mais do que o dobro da aprovação do presidente — 76% contra 33% —, segundo o Datafolha. Para 51% dos entrevistados, o presidente mais atrapalhava do que ajudava no enfrentamento da crise.

Com discurso semelhante ao do antecessor, Teich disse em entrevista que não pretende julgar suas decisões. Também descartou "definições bruscas" no isolamento social e falou em um "grande programa de teste" de covid-19 no país.

Na fala e nas entrevistas que deu no início da noite, o novo ministro evitou a tomada de posições deterministas, alegando que aguardará ter mais informações para não tomar decisões passionais.

Anteriormente, contudo, Teich já deu declarações que são o oposto do que o seu novo superior defende: ele é contra o isolamento vertical e a favor do monitoramento da população por meio dos celulares, como informa a colunista do UOL, Thaís Oyama.

Nas redes sociais, também pesou contra o novo ministro a divulgação de um vídeo antigo, em que ele propõe a escolha, diante do baixo orçamento da Saúde, entre um idoso próximo da morte e um adolescente com a vida inteira pela frente.

"São duas coisas importantíssimas na saúde hoje: o dinheiro é limitado e você tem que trabalhar com essa realidade; segunda coisa, as escolhas são inevitáveis. Quais vão ser as escolhas que você vai fazer?", afirmou no vídeo.

Bolsonaro emenda novas crises

Mal havia resolvido a substituição da cabeça de um ministério-chave no combate à pandemia da covid-19, Jair Bolsonaro voltou sua mira contra dois de seus alvos favoritos: os governadores dos estados que adotam medidas de restrição e o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM).

No anúncio da substituição da pasta, falou em "exagero" de políticos na tomada de medidas de restrição e tentou jogar sobre eles a responsabilidade de insatisfação de parte da população.

"Em nenhum momento eu fui consultado sobre medidas adotadas por grande parte dos governadores e prefeitos. Eles sabiam o que estavam fazendo. O preço vai ser alto. Tinham que fazer algo? Tinham. Mas, se por ventura, exageraram, que não botem essa conta no governo federal. Não queremos aqui criar polêmica com outro poder, todos eles são responsáveis por seus atos, assim como eu sou como chefe do Executivo", afirmou.

Já no início da noite, deu entrevista à CNN em que atacou diretamente Maia. Acusou-o de conduzir o país "ao caos" e de "enfiar a faca no governo federal".

"Eu lamento a posição do Rodrigo Maia, que resolveu assumir o papel do Executivo. Eu respeito ele, mas ele tem que me respeitar. Lamento a postura que ele vem tomando. Mas o sentimento que eu tenho é que ele não quer amenizar os problemas. Ele quer atacar o governo federal, enfiando a faca no governo federal. Parece que a intenção é me tirar do governo. Paulo Guedes não tem mais contato com Maia", disse.

À mesma emissora, o presidente da Câmara dos Deputados recusou-se a retrucar. Disse que Bolsonaro usa de um "velho truque da política" para tirar o foco da troca de ministros. "Quando você tem uma notícia ruim, como a da demissão do ministro Mandetta, ele quer trocar o tema da pauta. O nosso tema continua sendo a saúde, as ações conduzidas pelo ministro Mandetta", garantiu o deputado.

Segundo fontes ligadas ao Palácio, o comportamento do presidente deve perpetuar o estado de crise do governo. "Será uma tarefa muito difícil" recriar as pontes com o Congresso, afirmou uma delas a Carla Araújo.