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Queiroz desligava celular em Atibaia e chegou a dar endereço falso, diz MP

Fabrício Queiroz (de boné), ex-assessor de Flavio Bolsonaro, é escoltado por policiais após ser preso em Atibaia - Nelson Almeida/AFP
Fabrício Queiroz (de boné), ex-assessor de Flavio Bolsonaro, é escoltado por policiais após ser preso em Atibaia Imagem: Nelson Almeida/AFP

Herculano Barreto Filho e Aiuri Rebello*

Do UOL, no Rio e em São Paulo

19/06/2020 12h40

Resumo da notícia

  • Advogado deu endereço falso de ex-assessor, diz MP-RJ
  • Queiroz desligava celular perto de imóvel em Atibaia-SP

Nos últimos meses, Fabrício Queiroz, preso ontem (19) em Atibaia-SP, passou a usar o tratamento contra o câncer como pretexto para manter uma rotina de ocultação do próprio paradeiro. Segundo o MP-RJ (Ministério Público do Rio), o objetivo era atrapalhar as investigações do suposto esquema de rachadinha quando atuava como assessor do então deputado Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).

Queiroz costumava desligar o celular quando se aproximava do imóvel onde estava hospedado em Atibaia para não ser rastreado, apontam as investigações. A estratégia ainda incluiu o fornecimento de endereço falso às autoridades e restrições em sua movimentação, monitorada por uma terceira pessoa que se reportava a um homem identificado como "Anjo", apelido que batizou a operação. Segundo a investigação, Anjo seria Frederick Wassef, advogado de Flávio e do presidente Jair Bolsonaro, dono do imóvel onde Queiroz foi preso.

No dia 15 de julho do ano passado, o advogado Luiz Gustavo Botto Maia, que representava Queiroz na época, apresentou um endereço falso ao MP-RJ sobre o paradeiro do seu cliente. Segundo Botto, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro estava em um hotel em São Paulo. Entretanto, os investigadores confirmaram que ele já estava em Atibaia, a 64 quilômetros da capital paulista.

Meses antes, a defesa alegou que ele poderia prestar esclarecimentos por escrito por causa do tratamento contra o câncer. Em 2018, Queiroz havia faltado a depoimentos após ser convocado pelo MP-RJ alegando necessidade de se submeter a uma cirurgia em São Paulo. Mas não foi mais encontrado após receber alta, apontam as investigações.

O UOL procurou o advogado Luiz Gustavo Botto Maia, que não respondeu aos questionamentos. A reportagem também entrou em contato com o advogado Paulo Emílio Catta Preta, atual representante de Queiroz. Mas ainda não obteve resposta. O advogado Frederick Wassef, dono da casa onde estava Queiroz, não se manifestou desde ontem.

Paradeiro rastreado

O seu paradeiro só foi identificado pelas investigações com base no rastreamento de fotos encaminhadas para Márcia Oliveira de Aguiar, esposa de Queiroz que também teve prisão autorizada. Os dados foram extraídos após a apreensão do celular dela.

Em uma delas, Queiroz aparece fazendo um churrasco. "Até que enfim, hein mulher. Acordou, hein. Devia ter tomado todas ontem. FELIPE arrumou umas 'amiguinhas' aqui. Nós então fizemos um churrasquinho aqui", escreveu para a esposa.

No dia 21 de novembro de 2019, mensagens interceptadas pelas autoridades mostram que, em conversa com a esposa, Queiroz dizia estar na casa do "Anjo". "Está na casa do Anjo?", pergunta a esposa. "Estamos", responde.

Quem é Fabrício Queiroz

Queiroz já foi policial militar e é amigo do presidente Bolsonaro desde 1984. Reformado na PM, trabalhou como motorista e assessor de Flávio, então deputado estadual pelo Rio.

Ele passou a ser investigado em 2018 após um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) indicar "movimentação financeira atípica" em sua conta bancária, no valor de R$ 1,2 milhão, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Queiroz foi demitido por Flávio pouco antes de o escândalo vir à tona.

O último salário de Queiroz na Alerj foi de R$ 8.517, e ele teria recebido transferências em sua conta de sete servidores que passaram pelo gabinete de Flávio. As movimentações atípicas levaram à abertura de uma investigação pelo MP-RJ.

Cheque de R$ 24 mil em conta de Michelle Bolsonaro

Uma das transações envolve um cheque de R$ 24 mil depositado na conta da hoje primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente, na época, se limitou a dizer que o dinheiro era para ele, e não para a primeira-dama, e que se tratava da devolução de um empréstimo de R$ 40 mil que fizera a Queiroz. Alegou não ter documentos para provar o suposto favor.

Em entrevista ao SBT em 2019, Queiroz negou ser "laranja" de Flávio. Segundo ele, parte da movimentação atípica de dinheiro vinha de negócios com a compra e venda de automóveis. "Sou um cara de negócios, eu faço dinheiro... Compro, revendo, compro, revendo, compro carro, revendo carro. Sempre fui assim", afirmou na ocasião.

Peça-chave em apuração sobre 'rachadinha' de Flávio Bolsonaro

Queiroz é peça-chave para a investigação da suposta "rachadinha" por ex-colaboradores de Flávio lotados em seu gabinete na Alerj. Isso poderia configurar lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa.

Flávio, que sempre negou irregularidades, se posicionou ontem, no Twitter.

Outros investigados

Também na operação, foi determinado o cumprimento de medidas cautelares contra outras quatro pessoas. Uma delas foi Alessandra Esteves Marins, ex-assessora de Flávio Bolsonaro na Alerj e atual assessora dele no Senado. O gabinete de Flávio não se pronunciou sobre o caso.

Luiza Paes Souza, assessora de Flávio entre 2011 e 2012, também foi alvo da ação. O UOL não conseguiu contato com sua defesa. Matheus Azeredo Coutinho, funcionário da Alerj desde setembro de 2018, também não foi localizado pela reportagem. Luis Gustavo Botto Maia, advogado da campanha de Flávio Bolsonaro ao Senado, não respondeu aos questionamentos do UOL.

A operação Anjo não incluiu Flávio como um de seus alvos. Ele, entretanto, é investigado pelo MP-RJ. Em dezembro de 2019, uma operação do MP-RJ cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao político por indícios de que ele tenha lavado até R$ 2,3 milhões com transações imobiliárias.

* (Colaborou Flávio Costa, do UOL em São Paulo)

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que informou o terceiro parágrafo, Atibaia fica a 64 quilômetros da capital paulista, e não 400 quilômetros. O texto já foi corrigido.