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Enquanto país celebrava vacina, Bolsonaro se viu "derrotado". Por quê?

MATEUS BONOMI/ ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: MATEUS BONOMI/ ESTADÃO CONTEÚDO

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

19/01/2021 11h58

O silêncio de Jair Bolsonaro (sem partido) durante todo o domingo (17), dia em que o país celebrava a autorização para uso emergencial das vacinas CoronaVac e AstraZeneca, expôs a sensação de derrota que imperava nos bastidores do governo.

A irritação com o ato do governador João Doria (PSDB), que deu início simbólico à imunização no país a contragosto do Ministério da Saúde, acabou sendo a cereja de um bolo que já vinha sendo fermentado desde as últimas semanas.

Depois de falhar em definitivo na tentativa de trazer os 2 milhões de doses da AstraZeneca (vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford) que foram adquiridas na Índia, na última sexta-feira (15), o governo ficou refém da CoronaVac para que pudesse começar o processo de vacinação —marcado inicialmente para 20 de janeiro, às 10h.

Em live em outubro, Bolsonaro disse que governo não compraria Coronavac

TV Folha

O episódio evidenciou um fracasso justamente no âmbito que seria de domínio do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello: a logística. General do Exército, ele ficou conhecido por ter se especializado nessa área.

Para piorar, do outro lado do balcão há o governo de São Paulo, que foi o responsável por apostar na CoronaVac logo no começo da pandemia e, em parceria com o laboratório chinês Sinovac, desenvolveu os estudos e testes clínicos no Butantan (SP).

O instituto possui 6 milhões de doses, das quais cerca de 4,5 milhões já estão rotuladas e prontas para uso. Há mais quase 5 milhões em preparação para envase.

A arquitetura da derrota

Com Bolsonaro em silêncio durante todo o domingo —sobretudo depois que a Anvisa deu, à tarde, o aval ao uso emergencial das vacinas—, o protagonismo que seria naturalmente do Ministério da Saúde (responsável por executar o Plano Nacional de Imunização) caiu no colo de Doria e do governo de São Paulo.

Um auxiliar do presidente minimizou a repercussão do episódio da vacinação simbólica, alegando que a "jogada de marketing" —mesma expressão utilizada ontem por Pazuello ao criticar o governador de SP teria um efeito curto e seria esquecida à medida que o Ministério da Saúde começar a imunizar os brasileiros em massa.

No entanto, o interlocutor afirmou reconhecer que o silêncio de ontem pode ser interpretado como uma consequência do sentimento de revés.

Doria, que é um dos principais adversários políticos de Bolsonaro no momento e deve enfrentá-lo na eleição presidencial em 2022, acabou conseguindo projeção nacional como um dos responsáveis pelo avanço da CoronaVac e por ter tido a iniciativa de dar a largada no processo de vacinação contra a covid-19.

Além disso, ainda escolheu uma profissional de saúde, a enfermeira Mônica Calazans, uma mulher negra residente na periferia de São Paulo, para ser a primeira a receber o imunizante.

Ema - REUTERS/Adriano Machado - REUTERS/Adriano Machado
Bolsonaro exibe caixa de hidroxicloroquina para uma das emas do jardim do Palácio da Alvorada
Imagem: REUTERS/Adriano Machado

Insistência na defesa da hidroxicloroquina

Apesar de considerarem uma boa notícia para os rumos do combate à pandemia, auxiliares da chefia do Executivo ouvidos pela reportagem avaliam, em tom de resignação, que há sentimento de fracasso quanto às narrativas que o presidente vem tentando emplacar recentemente. Em especial, a tese de que o "tratamento precoce" (com hidroxicloroquina) seria mais eficaz do que a vacinação.

Na manhã de hoje, ao deixar o Palácio da Alvorada, Bolsonaro bateu na mesma tecla, mas com uma ressalva: o próprio admitiu que há "insistência" em relação ao discurso em questão.

"Não desisto do tratamento precoce. Não desisto. A vacina é para quem não pegou ainda. E essa vacina é 50% de eficácia. Jogar uma moedinha para cima, é 50% de eficácia", disse ele, em referência ao percentual de eficácia geral da CoronaVac —que, na verdade, é de 50,38%, acima do mínimo exigido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Para piorar o humor de Bolsonaro, a insatisfação com o trabalho do ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, é cada vez maior. O episódio do fracasso na importação da Índia, a repercussão negativa de suas falas (a exemplo do "dia d, hora h") e a demora na resolução de questões burocráticas envolvendo as vacinas são desgastes que afetam diretamente a imagem do presidente, mas que compõem uma fatura a ser cobrada do ministro futuramente.

Segundo revelou hoje a colunista do UOL Carla Araújo, há uma crescente pressão entre pessoas próximas ao presidente para que Pazuello seja demitido. O governante, no entanto, avisou que está disposto a mantê-lo no cargo.

Logística sem lógica

A postura reativa do Ministério da Saúde diante do protagonismo do governo de SP também é um fator que também pode ajudar a entender o porquê da derrota do governo neste domingo.

Pazuello até tentou impor o envio imediato das 6 milhões de doses da CoronaVac que se encontram armazenadas no Instituto Butantan. Isso seria o suficiente para impedir que Doria desse o pontapé inicial da vacinação no Brasil após a reunião da Anvisa.

Após a inclusão da CoronaVac no PNI (Programa Nacional de Imunização), o Ministério da Saúde e o Butantan assinaram contrato de aquisição com cláusula de exclusividade —ou seja, todas as vacinas produzidas no local só podem ser repassadas para o governo federal. É com esse argumento que Pazuello acusa o estado de estar "em desacordo com a lei".

SP alega, por outro lado, que não faria sentido algum encaminhar 100% das doses da vacina, pois o estado tem direito a uma parcela de cerca de 20% delas de acordo com os critérios de proporcionalidade. Com esse argumento, o Butantan se preparou para ter a sua cota da CoronaVac e entregar o restante ao ministério.

Erros na distribuição

Depois do chapéu de ontem, o Ministério da Saúde até tentou atrair a atenção dos governadores —principalmente os que não gostaram da "jogada de marketing" de Doria— para um evento na manhã de hoje, que simbolizaria o início da distribuição das doses da CoronaVac em todo o país. Este é o primeiro passo para a execução do Plano Nacional de Imunização.

No entanto, o que para ser uma agenda positiva do governo acabou se tornando um problema. Segundo a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, a pasta chefiada por Pazuello mudou horários dos voos de entregas de vacinas para os estados. O órgão fez mais de uma vez alterações entre a madrugada e o início da tarde de ontem (18). Pela programação mais atualizada, diversos estados só receberiam os pacotes de noite, atrasando o início da imunização.

Em alguns casos, autoridades estaduais já estavam posicionadas nos aeroportos à espera da carga quando foram surpreendidas pelas mudanças. Ao menos seis locais que receberiam antes das 16h foram informados que a entrega só aconteceria durante a noite.

Na contramão de todos

Além de manter o seu posicionamento entusiasta quanto à hidroxicloroquina e o "tratamento precoce", Bolsonaro acabou isolado como a única força política na contramão do entusiasmo pela autorização para uso emergencial das vacinas.

Os filhos do presidente até tentaram, por meio de publicações nas redes sociais, capitalizar politicamente a partir da autorização dada pela Anvisa. A repercussão, no entanto, não produziu efeito significativo.

Assim como SP, outros estados, a exemplo do Rio de Janeiro, anunciaram que a imunização começaria já na segunda-feira (18) —dois dias antes da data defendida pelo Ministério da Saúde. No caso da capital fluminense, a primeira vacina aplicada acontecerá no Cristo Redentor, cartão postal da cidade.

Pressionado então pelos governadores, Pazuello recuou na manhã de ontem e disse que algumas localidades poderiam ter a vacinação ao final do dia.

Em mais uma queda de braço com Doria, Pazuello também tentou atribuir ao Ministério da Saúde o crédito pelo avanço nas pesquisas e no desenvolvimento da CoronaVac. Ele alega que os recursos investidos pelo Butantan e pelo estado de São Paulo saíram do SUS (Sistema Único de Saúde). Essas informações, no entanto, ainda não foram comprovadas. SP nega que o dinheiro seja de origem federal e acusa Pazuello de mentir.