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Bolsonaro resgata gabinete do ódio para reagir a críticas e cerco nas redes

Alexandre Neto/Photopress/Estadão Conteúdo
Imagem: Alexandre Neto/Photopress/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

18/01/2021 04h00Atualizada em 22/01/2021 15h24

Incomodado com críticas que vem recebendo pela demora quanto ao início da vacinação contra a covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) resgatou na última semana um velho conhecido dentro do governo: o "gabinete do ódio".

Sob orientação dos assessores que compõem o grupo, o governante voltou a fazer da saída do Palácio da Alvorada uma vitrine declaratória, criou um canal de divulgação de informações no Telegram e mirou em alvos como o jornalista William Bonner, o casal de apresentadores Luciano Huck e Angélica, e o youtuber Felipe Neto.

O gabinete do ódio ficou conhecido em 2019 e acumulou nos últimos anos episódios relacionados a ataques e disseminação de fake news. Ele é composto por assessores que buscam impulsionar a imagem do governante na internet de uma forma menos oficiosa, e mais informal —muitas vezes com memes, vídeos e imagens que se espalham nas redes por meio de correntes virais.

Logo depois que retornou da folga de Réveillon, Bolsonaro reuniu os seus subordinados e decidiu realizar mudanças em sua estratégia de comunicação pessoal. Isso ocorreu por dois motivos. Em primeiro lugar, porque o presidente considera que está em desvantagem no "jogo da opinião pública" e está "apanhando muito", conforme relataram auxiliares ouvidos pelo UOL.

O auge da irritação ocorreu na esteira das críticas ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em relação à vacinação da população no enfrentamento à pandemia do coronavírus.

Embora tenha lançado um "Plano Nacional de Imunização", em dezembro de 2020, o governo federal ainda não conseguiu resultados concretos, enquanto dezenas de outros países já iniciaram o trabalho de vacinação. Até a última quinta-feira (14), por exemplo, Israel já tinha imunizado 72% dos idosos e mais de 20% da população total. A China e os Estados Unidos afirmam ter ultrapassado a marca dos 10 milhões de imunizados.

Por enquanto, o Brasil tem apenas uma promessa verbal de Pazuello, feita em reunião com prefeitos na quarta-feira (14), de que a imunização começaria em 20 de janeiro, às 10h. Este seria o "dia D" e a "hora H" —termos utilizados pelo ministro em pronunciamento na segunda-feira (12) e que renderam críticas duras pela ausência de um planejamento objetivo. A fala foi ironizada na internet e gerou forte repercussão negativa.

O segundo motivo que tem incomodado Bolsonaro é o cerco das redes sociais às fake news e o combate a discursos de ódio. O presidente considera, de acordo com o seu julgamento pessoal, que há um movimento de "censura" no sentido de calar vozes conservadoras. Isso teria se acentuado depois que vários sites como Twitter e YouTube anunciaram o banimento das contas do presidente americano Donald Trump.

Bolsonaro pediu a seus assessores que se "antecipassem" a um possível movimento interno semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos depois que apoiadores de Trump, descontentes com a vitória do democrata Joe Biden, invadiram o Congresso.

A alternativa sugerida pelo gabinete do ódio foi incentivar a migração de apoiadores para o Parler, uma rede social identificada ideologicamente pela direita conservadora, e a criação de um canal no Telegram (aplicativo russo) que não possui limite de inscritos (diferentemente do WhatsApp) e tem criptografia considerada mais segura.

Bolsonaro criou o canal no Telegram em 9 de janeiro - Reprodução - Reprodução
Bolsonaro criou o canal no Telegram em 9 de janeiro
Imagem: Reprodução

O "retorno" do Alvorada

O primeiro ajuste de comunicação pessoal do presidente foi voltar a usar a saída do Palácio da Alvorada para, a partir de conversas com apoiadores, pautar o noticiário logo cedo e criar fatos novos que venham a concorrer com as notícias desfavoráveis ao governo dentro do contexto da pandemia e da demora pelo início da vacinação. O político costuma sair da residência oficial em direção ao expediente no Palácio do Planalto entre as 8h e as 9h.

Somente nesta semana, Bolsonaro usou a interação diária com os apoiadores para cobrar que a banca ruralista declare apoio a Arthur Lira (PP-AL), nome do Planalto na disputa pela Presidência da Câmara dos Deputados; acusou a Ford de deixar o país porque o governo teria negado a concessão de benefícios fiscais; ironizou a eficiência da CoronaVac; fez sucessivos ataques ao prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), por conta de medidas restritivas na capital mineira; entre outros episódios.

Na semana anterior, o presidente também conseguiu movimentar o noticiário ao chamar o âncora da TV Globo William Bonner de "canalha" e "sem vergonha". O governante não expôs o raciocínio com clareza, mas deu a entender que não havia gostado de uma reportagem do Jornal Nacional, apresentado por Bonner, referente a compra de seringas.

No mesmo dia, Bolsonaro também fez alfinetou o youtuber e influenciador digital Felipe Neto —que é crítico do governo.

Pelas redes sociais, um dos filhos do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), que é apontado como chefe não oficial do gabinete do ódio, tem publicado ataques indiretos ao casal de apresentadores Luciano Huck e Angélica, também da TV Globo. Isso ocorreu depois que Huck divulgou na internet um panelaço marcado como forma de protesto ao governo federal em virtude da crise na saúde pública em Manaus.

Telegram de Bolsonaro ironiza foto de Huck e Angélica - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O recém-criado canal oficial de Bolsonaro no Telegram, que é alimentado diariamente pelo assessor Tércio Arnaud Thomaz, um dos membros do gabinete do ódio, compartilhou na última terça-feira (12) uma imagem que reproduz uma foto real do casal de apresentadores pedalando em uma praia. Na montagem, foi colocada ironicamente a hashtag #FiqueEmCasa.

Os ataques recorrentes contrastam com a fase "paz e amor" que Bolsonaro tentou manter por meses durante o ano de 2020. Isso vinha ocorrendo desde que ele se aproximou do centrão para compor a sua base de apoio no Parlamento, entre fevereiro e março do ano passado. A partir de então, ele adotou uma postura menos beligerante e passou a usar a saída do Alvorada basicamente para interagir com os apoiadores, fazer piadas e ouvir relatos dos fãs.