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Governistas tentam obstruir depoimento de irmãos Miranda à CPI da Covid

Anaís Motta, Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

25/06/2021 17h23Atualizada em 25/06/2021 18h29

Senadores da base governista adotam uma estratégia de obstrução durante o depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda e do irmão dele, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), à CPI da Covid.

Os dois são ouvidos hoje na condição de testemunhas convidadas e respondem a questionamentos sobre suposta interferência indevida dentro do Ministério da Saúde no processo de aquisição da vacina indiana Covaxin.

Um dos membros da CPI mais exaltados durante a reunião é o líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). O parlamentar interrompeu a fala dos depoentes por diversas vezes —em especial quando Luis Ricardo Miranda, autor das denúncias incorporadas ao escopo de investigação da CPI, tentou explicar a cronologia dos eventos que ocorreram durante a análise do pedido de importação da Covaxin.

Diferentemente do que vinha ocorrendo nas audiências das últimas semanas, a "tropa de choque" bolsonarista optou por atuar em bloco na reunião de hoje. Por mais de uma vez, obstruções iniciadas por Bezerra foram acompanhadas por colegas governistas, como Ciro Nogueira (PP-PI) e Marcos Rogério (DEM-RO).

Depois de um debate mais acalorado, o deputado Luis Miranda chegou a ameaçar uma debandada da CPI e se disse indignado pelas insinuações de que ele o irmão estariam, sob juramento, mentindo à comissão.

"Eu, como parlamentar, não vou aceitar que duvidem que eu e o meu irmão falemos a verdade. Se for o caso, nós nos levantamos e vocês continuem defendendo o errado. Isso é um absurdo. Absurdo dizer que estamos mentindo. Não temos porque mentir", protestou.

A estratégia de obstrução gera reclamações dos colegas da oposição e da ala que se diz independente, mas é crítica ao governo Bolsonaro. Ante às manifestações de Bezerra, o presidente da CPI comentou: "Hoje o senhor está demais".

"Nunca vi o senhor desse jeito", emendou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Durante o depoimento de hoje, o deputado Luis Miranda relatou supostas reações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após tomar conhecimento das suspeitas de que existiria pressão dentro do ministério para acelerar a importação da Covaxin.

Na versão do parlamentar, o mandatário do Palácio do Planalto reconheceu a gravidade dos fatos e comunicou que repassaria o assunto à Polícia Federal. "Ele [Bolsonaro] falou: Vou acionar o DG [diretor-geral] da PF, porque, de fato, isso é muito grave o que está ocorrendo".

O contato com o presidente teria ocorrido em 20 de março, quase um mês depois da assinatura do contrato de aquisição de 20 milhões de doses do imunizante, ao custo final de R$ 1,6 bilhão.

Segundo Luis Miranda, Bolsonaro recebeu os irmãos pessoalmente em março desse ano e, "olhando nos olhos" do deputado do DEM, sinalizou ter reconhecido a gravidade dos fatos.

"[Bolsonaro] nos recebeu num sábado, porque eu aleguei que a urgência era urgente urgentíssima, devido à gravidade das informações trazidas pelo meu irmão a minha pessoa. O presidente entendeu a gravidade. Olhando nos meus olhos, ele falou: 'isso é grave'."

O parlamentar comentou ainda que o chefe do Executivo federal insinuou que os fatos poderiam ter algum tipo de vínculo com interesses de um congressista —cujo nome não foi citado. Luis Miranda também não explicou do que se tratava exatamente a suspeita levantada pelo presidente na ocasião.

"Não me recordo do nome do parlamentar, mas ele até citou um nome para mim, dizendo assim: 'Isso é coisa de fulano'. Não me recordo."

O contrato entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos foi assinado em 25 de fevereiro deste ano. Mesmo que a área técnica do ministério tivesse acelerado o aval à importação, o governo ainda dependeria de autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Com ressalvas e quantidade predeterminada, a liberação do órgão regulatório só saiu em 4 de junho.

Suposta tentativa de interferência

Os fatos abordados hoje durante audiência da CPI foram revelados pelo servidor Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado Luis Miranda, que atua na área técnica do Ministério da Saúde responsável por autorizar ou não pleitos de importação.

Supostamente pressionado a dar celeridade ao aval para chegada da Covaxin ao país, o funcionário teria se recusado a agir dessa forma e disse que sua equipe havia identificado falhas de documentação e inconsistências no acordo firmado com o laboratório indiano Bharat Biotech e a sua intermediária no Brasil, a Precisa Medicamentos.

A oitiva gera grande expectativa entre os membros da oposição e da base governista, pois o conteúdo das declarações tem potencial para dar luz a um possível esquema de corrupção dentro do Ministério da Saúde. O governo federal nega ter cometido ou compactuado com quaisquer irregularidades.

Em resposta, governo mandar PF investigar deputado

O ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência, disse na quarta (23) que Bolsonaro determinou à Polícia Federal que investigue a declaração do deputado. Segundo o ministro, as declarações de Luis Miranda são "mentirosas" e foram construídas para "atingir a imagem do presidente Jair Bolsonaro".

O parlamentar é um dos principais aliados do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que, por sua vez, foi eleito ao cargo com a ajuda do Palácio do Planalto em fevereiro.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que a fala de Onyx "interfere nas investigações" e "coage testemunhas", e defendeu sua convocação à comissão. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), também se pronunciou no mesmo sentido.

O acordo do governo federal para a compra da Covaxin com a Precisa Medicamentos é investigado pelo MPF, que identificou indícios de crime no contrato e suspeita de superfaturamento, corrupção, entre outras possíveis irregularidades. O investimento da União é de R$ 1,6 bilhão.

Brasil ainda não recebeu doses da Covaxin

Apesar do aval da Anvisa, com restrições, para a importação de 4 milhões de doses da Covaxin, o Brasil ainda não recebeu nenhum lote com doses da vacina indiana.

A previsão do Ministério da Saúde era que as primeiras doses chegassem ao país em março. O atraso no cronograma de entregas também é um fato que será abordado pela CPI da Covid dentro da investigação acerca de possíveis irregularidades no acordo.

A Precisa Medicamentos, empresa que se apresentou como representante do laboratório indiano no país e conduziu todo o processo de negociação, deverá prestar esclarecimentos à CPI e ao MPF. O dirigente da companhia, Francisco Emerson Maximiniano, foi convocado para depor na CPI —ele seria ouvido no Senado nesta semana, mas o depoimento foi adiado porque ele cumpre quarentena após regressar de viagem à Índia.