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UOL Explica: qual o risco de fraude eleitoral no Brasil?

Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

16/07/2021 04h00Atualizada em 20/07/2022 21h39

Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem repetido com mais frequência acusações infundadas de fraude eleitoral no Brasil. Sem mostrar nenhuma prova ou indício que sustente as suspeitas, o presidente defende, ao mesmo tempo, o voto impresso.

Neste UOL Explica, respondemos algumas das dúvidas mais frequentes sobre o risco de fraude eleitoral no Brasil e o voto auditável, entre outros temas ligados à urna eletrônica.

O UOL formulou as perguntas a partir de consultas ao Google Trends, ferramenta do Google que permite conferir as buscas mais recorrentes na plataforma, e de declarações de autoridades sobre o processo eleitoral. As respostas foram elaboradas a partir de reportagens de veículos de imprensa e de publicações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), além de uma entrevista com o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Júlio Valente. Leia abaixo as perguntas e respostas:

É possível fraudar as urnas eletrônicas?

O TSE considera remota a possibilidade de que as urnas eletrônicas sejam invadidas, já que elas não possuem nenhum mecanismo de conexão externa (como internet ou bluetooth). Mesmo se um hacker invadir uma urna e conseguir violar o software, a invasão só funcionará naquela urna específica, já que os equipamentos não são interligados. As urnas contêm um software do sistema Linux desenvolvido pelo próprio TSE.

Conforme explicado pelo UOL em reportagem de outubro do ano passado, mesmo que conseguisse acesso a uma urna, o invasor teria de violar diversas barreiras de segurança, dispostas em camadas e programadas para bloquear automaticamente a urna a qualquer tentativa de ataque.

A inserção de programas não oficiais, como um vírus, é dificultada pelo uso de assinaturas digitais nas urnas, que verificam a integridade do software em cada uma delas. Ao ser ligada, a urna só funcionará se reconhecer a assinatura digital. Se houver suspeita de modificação dos programas, as assinaturas podem ser consultadas em aplicativos do TSE e em sistemas dos partidos políticos, do Ministério Público e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Assim que a urna é ligada, após conferidas todas as medidas de segurança, ela imprime a zerésima, um relatório que indica que a máquina ainda não possui votos registrados — ou seja, que o número de votos naquele momento é igual a zero. É outra medida para frear tentativas de manipulação dos equipamentos e a inclusão de votos antes do início da votação.

Urna eletrônica sendo ligada - Antonio Augusto/Ascom/TSE - Antonio Augusto/Ascom/TSE
Urna eletrônica sendo ligada
Imagem: Antonio Augusto/Ascom/TSE

Segundo o TSE, os bancos de dados de eleitores e candidatos são protegidos por criptografia. A cada dois anos, sempre no ano anterior ao eleitoral, o tribunal realiza o TPS (Teste Público de Segurança) para verificar a segurança das urnas e corrigir falhas apontadas.

As urnas eletrônicas não estão disponíveis no mercado, já que o maquinário, também criado dentro do TSE, "foi desenvolvido para atender à realidade nacional", diz o tribunal. Desta forma, mesmo que o Brasil se disponha a trocar experiências com outros países, as urnas brasileiras são únicas.

"Nós passamos por tantos mecanismos de segurança e garantia que hoje, mesmo que tivesse uma quadrilha dentro do TSE tentando fraudar, não conseguiria", afirmou o secretário de Tecnologia da Informação do tribunal, Júlio Valente.

Em junho, especialistas em segurança digital disseram ao UOL que ataques às urnas são possíveis, embora as chances sejam remotas devido à necessidade de uma combinação específica de fatores e de uma sofisticação no ataque cibernético.

Além dos procedimentos citados, o TSE também convida entidades e partidos políticos a participar do processo de abertura dos códigos-fonte das urnas, que fiscaliza os programas rodados nos equipamentos. No entanto, como mostrou a colunista do UOL Carolina Brígido, nas últimas três eleições nenhum partido participou do processo de fiscalização.

Para Júlio Valente, a participação dos partidos é fundamental para garantir a fiscalização do processo: "O que a gente mais pede é que os partidos nos auditem. A gente tem etapas de auditoria antes, durante e após as eleições".

Já houve fraude eleitoral no Brasil?

Desde que as urnas eletrônicas foram implementadas —parcialmente em 1996 e 1998, e integralmente a partir de 2000— nunca houve comprovação de fraude nas eleições brasileiras, mesmo quando os resultados foram contestados. A segurança da votação é constatada pelo TSE, pelo MPE (Ministério Público Eleitoral) e por estudos independentes.

Segundo o TSE, quando a votação era feita em cédulas de papel, eram comuns fraudes como:

  • Votos nulos interpretados de acordo com a intenção de quem fazia a contagem
  • Subtração ou acréscimo de cédulas
  • Urnas já contendo votos a favor de determinado candidato antes mesmo de iniciada a votação
  • Cédulas já preenchidas em favor de um candidato e entregues ao eleitor antes de entrar na seção eleitoral, para que apenas as depositasse na cabine, retirasse a cédula em branco disponibilizada para preenchimento e a levasse para fora

Há também casos em que a terceirização da contagem de votos resultava em fraudes, já que a apuração não era centralizada pelo TSE.

Como saber se meu voto foi registrado? O que é RDV?

Os votos de cada eleitor são gravados em um arquivo chamado Registro Digital do Voto (RDV), que tem estrutura similar a uma tabela. O RDV grava os votos como foram digitados pelo eleitor e os posiciona de forma aleatória no arquivo, como se a ordem fosse embaralhada. Isso acontece mesmo quando o eleitor vota em mais de um cargo. Assim, não é possível associar uns votos aos outros e nem à sequência em que os eleitores apareceram nos locais de votação.

A partir do RDV, é gerado o boletim de urna, relatório com a apuração da seção eleitoral e que aponta a quantidade de votos recebida por cada candidato ali. Os votos são registrados em uma memória interna e em outra externa, ambas necessitando de uma assinatura digital para funcionar.

Partidos políticos e coligações podem pedir cópias dos arquivos de RDV e fazer a soma dos resultados para comparar com os apresentados pelo TSE. Ao fim de cada apuração, o mesário utiliza uma senha para encerrar a votação e imprimir cinco boletins de urna: um é colado na porta da própria seção, outro é disponibilizado a representantes ou fiscais dos partidos, e os últimos três são encaminhados ao cartório eleitoral. Caso seja necessário, outras vias podem ser impressas.

A informação do boletim de urna também é inserida em uma mídia digital criptografada e digitalmente assinada. A transmissão dos dados é feita ao TSE via satélite, por meio de uma rede privada. Os resultados de cada seção eleitoral também ficam disponíveis para consulta no site do TSE.

O que é 'voto auditável'? O voto eletrônico é auditável?

"Voto auditável" é uma expressão que Bolsonaro e apoiadores têm usado para se referir ao voto impresso. Para os defensores da medida, o voto eletrônico não seria auditável — ou seja, não permitiria uma auditoria para validar os resultados.

O TSE nega que a eleição no Brasil não seja auditável. Em junho, o tribunal afirmou ao UOL que o voto eletrônico é auditável antes, durante e depois das eleições:

  • Antes: Os sistemas da urna eletrônica são devidamente assinados e lacrados com a participação de partidos políticos e entidades, responsáveis por fiscalizar o processo, conforme explicado anteriormente neste texto.
  • Durante: Dezenas de urnas são sorteadas em todos os estados para um teste de integridade no dia da votação, a Auditoria de Funcionamento das Urnas Eletrônicas, também conhecida como "votação paralela". O objetivo é verificar se as urnas estão registrando votos corretamente. O procedimento é filmado e costuma ser transmitido ao vivo pela internet. Esta etapa conta com membros do TSE, da OAB, do Ministério Público e representantes de partidos políticos, além de uma empresa terceirizada, contratada por meio de licitação.
  • Depois: Os boletins impressos pelas urnas ao final da votação podem ser conferidos por qualquer cidadão. Além disso, os partidos podem fazer, de forma independente, a soma dos votos a partir do RDV de cada urna e comparar com o resultado final apresentado pelo TSE.

Bolsonaro e apoiadores têm afirmado que o voto eletrônico não seria auditável como o voto impresso, que permitiria uma contraprova do resultado por meio da recontagem dos comprovantes impressos do voto. O presidente e aliados costumam tratar a ausência do voto impresso como sinônimo de fraude. Como já explicamos, não há provas de fraude nas eleições com urna eletrônica no Brasil.

Defensores do voto impresso afirmam que o comprovante é uma forma adicional de garantir a auditoria do resultado de uma eleição. "O voto impresso não impede que uma eventual fraude aconteça, mas aumenta a chance de ela ser detectada", disse Lucas Lago, especialista em privacidade e segurança digital e pesquisador do CEST-USP (Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia da Universidade de São Paulo), ao UOL em junho.

O TSE, por sua vez, afirma que o RDV substitui a necessidade do voto impresso. Se houver fraude na transmissão, na soma ou na divulgação dos votos, o RDV de cada urna pode ser consultado. Uma fraude nesse registro dependeria da violação das várias camadas de segurança no hardware e no software da urna, o que o TSE considera extremamente difícil de acontecer.

O tribunal é contrário ao voto impresso não só por considerá-lo desnecessário no sistema brasileiro, mas também porque vê o uso do comprovante como algo que abre espaço para fraudes no resultado final.

"O voto impresso vai potencializar o discurso de fraude. E vão pedir, como já se pediu aqui, a contagem pública de 150 milhões de votos. E contagem pública só pode ser manual. Então, nós vamos entrar num túnel do tempo e voltar à época das fraudes, em que as pessoas comiam votos, as urnas desapareciam, apareciam votos novos. Nós vamos produzir um resultado muito ruim", disse em junho o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso.

O tribunal também argumenta que mesmo se o registro do voto for impresso, o eleitor não terá a garantia de que aquele voto foi devidamente computado num processo de auditoria. Durante a conferência, os votos em papel poderiam sofrer intervenções manuais, passíveis de erros e manipulações.

Servidor do TRE-AM lacra urna eletrônica para votação nas eleições suplementares do Amazonas, em 2017 - Roberto Jayme/Ascom/TSE - Roberto Jayme/Ascom/TSE
Servidor do TRE-AM lacra urna eletrônica para votação nas eleições suplementares do Amazonas, em 2017
Imagem: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Por que o Brasil adotou urnas eletrônicas?

A ideia de adotar o voto eletrônico surgiu em 1932, com a criação da Justiça Eleitoral. A medida buscava acabar com as fraudes nas eleições. O TSE afirma que a tecnologia que permitiu a criação de urnas eletrônicas que atendessem as necessidades brasileiras só ocorreu na década de 1990.

Algum outro país usa o mesmo equipamento?

Como as urnas utilizadas no Brasil são desenvolvidas pelo próprio TSE, elas são únicas e usadas apenas nas eleições brasileiras. No entanto, o TSE afirma que o modelo já foi emprestado a outros países para ser estudado e que alguns se inspiraram na tecnologia nacional, como Argentina, México e Paraguai.

De acordo com o Idea (Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral), 35 países utilizam algum sistema informatizado em votações nacionais ou regionais, sendo 18 deles com urnas eletrônicas. Uma reportagem da Folha aponta que, além do Brasil, apenas Butão e Bangladesh têm esquemas de votação totalmente eletrônicos, sem comprovantes impressos dos votos.

A urna eletrônica nunca mudou?

Segundo Valente, do TSE, é proposital que o aspecto físico da urna eletrônica tenha mudado pouco ao longo dos anos.

"Tem que mudar muito pouco para atender as populações que são diferentes. Então tem que mudar pouco a caixa, não pode mexer muito na inclinação. Mas dentro dela, os circuitos eletrônicos e o software mudam o tempo todo", afirma.

De acordo com o site do TSE, o aperfeiçoamento dos dispositivos de segurança ocorreu na seguinte cronologia:

  • 1996: Início da implementação das urnas eletrônicas e criação da criptografia do Boletim de Urna
  • 2002: Introdução da assinatura digital do software, que permite que apenas programas desenvolvidos pelo TSE sejam rodados nas urnas
  • 2003: Criação do RDV
  • 2005: Software da urna eletrônica passa a ser inteiramente desenvolvido pelo TSE
  • 2008: Todas as urnas passam a funcionar apenas com um sistema operacional, o Linux
  • 2009: Início dos TPS e da implementação de um hardware de segurança, o MSE (Módulo de Segurança Embarcado)

A cada ciclo eleitoral — ou seja, de dois em dois anos — há novas urnas utilizadas nas eleições. As versões mais antigas são descartadas de forma ecológica e encaminhadas para a reciclagem.

Se o resultado da eleição for diferente de pesquisas, isso é indício de fraude?

Não. Para entender por que podem ocorrer diferenças entre os resultados das eleições e as projeções feitas pelas pesquisas, é necessário explicar o funcionamento das pesquisas eleitorais. Conforme explicado pelo TSE em seu site, elas precisam cumprir uma série de requisitos, que incluem a divulgação de:

  • Metodologia
  • Período de realização
  • Nome do estatístico responsável
  • Onde foi realizado o levantamento
  • Quantidade de entrevistados
  • Gastos realizados
  • Questionário aplicado
  • Registro no site do TSE

As pesquisas selecionam os entrevistados com base em recortes por gênero e classe social seguindo dados oficiais do TSE e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Como são projeções, podem apresentar diferenças em relação aos resultados eleitorais porque mostram as intenções de votos, que dependem de vários fatores. Um deles, e de difícil previsão, é o índice de abstenções, que pode influenciar no resultado final. Em entrevista ao Projeto Comprova, o sócio-diretor da FSB Pesquisas, Marcelo Tokarski, também argumentou que, com as redes sociais, "a população muda muito rapidamente de opinião".

Bolsonaro já mostrou provas de fraude eleitoral?

Não. O governo federal já admitiu não possuir provas de acusações feitas pelo presidente sobre supostas fraudes nas eleições de 2018.

Além de alegar fraude no ano em que foi eleito presidente da República, Bolsonaro afirma que o hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB) teria sido eleito em 2014 no lugar de Dilma Rousseff (PT). O tucano questionou o resultado da disputa na época, mas uma auditoria feita pelo próprio PSDB constatou que não houve fraude.

Na última semana, Aécio disse ao UOL não acreditar que tenha havido fraude na ocasião. Aloysio Nunes Ferreira, que foi seu candidato a vice, declarou à Folha: "A eleição foi limpa, nós perdemos porque faltou voto".

É verdade que Bolsonaro já se beneficiou de fraude eleitoral?

Não. Embora a Justiça Eleitoral tenha descoberto votos fraudados nas eleições de 1994, na qual Bolsonaro candidatou-se a deputado federal, reportagem do Jornal do Brasil aponta que ele só teria recebido um voto a mais caso o esquema não tivesse sido descoberto.

Segundo checagem do Projeto Comprova, Bolsonaro foi o terceiro candidato a deputado mais votado do Rio de Janeiro na ocasião e não há nenhuma notícia que evidencie que ele tenha participado da fraude.