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CPI usará recesso para 'zerar' documentos, checar dado e reforçar suspeitas

Renan Calheiros e Randolfe Rodrgues na sala onde ficam armazenados documentos da CPI - Pedro Ladeira - 28.maio.21/Folhapress
Renan Calheiros e Randolfe Rodrgues na sala onde ficam armazenados documentos da CPI Imagem: Pedro Ladeira - 28.maio.21/Folhapress

Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

19/07/2021 04h00

Atolados em uma pilha de documentos recebidos desde o início de maio, os senadores da CPI da Covid querem aproveitar o recesso do Congresso Nacional, entre 18 e 31 de julho, para avançar na análise do material e explorar provas e evidências reunidas até agora.

Lideranças, tanto da oposição como do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), consideram que esta é uma etapa fundamental com o objetivo de reforçar as narrativas e as argumentações de ambos os lados.

Alguns parlamentares chegaram a defender que novos depoimentos só fossem marcados depois que tivessem tempo para ler e esmiuçar parte da documentação obtida.

Vários lotes deste material chegaram à Comissão Parlamentar de Inquérito sob sigilo, o que demanda mobilização dos gabinetes. As informações são armazenadas em um cofre, e apenas os congressistas têm acesso.

Segundo o colegiado, até o momento, coletou-se mais de 1 terabyte de dados armazenados — medida equivalente a 6,5 milhões páginas de documentos, segundo o Dropbox. Além disso foram recebidos documentos físicos, áudios, vídeos, entre outros formatos. O volume de informações obtidas pela CPI da Covid, diz o Senado, é um recorde na Casa.

O colegiado já produziu, no total, mais de 1.100 requerimentos e cerca de 1.800 ofícios —a maioria consiste em pedidos de informações e explicações destinados a governos locais, órgãos da União, entre outros. Cada resposta enviada gera um volume ainda maior de dados.

Somente o Ministério da Saúde, por exemplo, enviou à comissão lotes com milhares de arquivos em formato digital. No decorrer dos depoimentos, veículos de imprensa, entre os quais o UOL, obtiveram acesso a informações relevantes que constam desse material.

Um exemplo é a reportagem, publicada em 24 de junho de 2021, que mostrou que o governo federal foi alertado quanto ao alto custo da vacina indiana Covaxin um mês antes de acertar o polêmico contrato com a Precisa Medicamentos. O negócio é investigado pela CPI e pelo MPF (Ministério Público Federal).

A direção da CPI e os membros estarão de prontidão nessas duas semanas de recesso. Por força constitucional, após a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias], o Congresso Nacional e as comissões não podem funcionar."
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI

A quantidade de documentos a serem analisados é tão grande que, apesar da ajuda de auditoras do TCU (Tribunal de Contas da União) e de policiais federais, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), pediu o empréstimo de mais um agente, perito e delegado da PF.

"Embora a equipe gentilmente disponibilizada por esta Polícia Federal tenha prestado relevantes serviços ao colegiado, tem-se que, em razão do expressivo volume de informações, o seu quantitativo tem sido insuficiente", escreveu ao diretor-geral da corporação, Paulo Maiurino.

Criação de núcleos e olho em novas linhas

Para organizar melhor os trabalhos e dar conta do máximo de documentos possíveis, a CPI também decidiu criar núcleos com foco em temas específicos.

Por exemplo, grupos para se debruçarem sobre: intermediários na compra de vacinas, conduta da Precisa Medicamentos, contratos da empresa VTCLog com o Ministério da Saúde, papel das fake news no agravamento da pandemia junto ao possível envolvimento de integrantes do chamado "gabinete do ódio" do Planalto, corrupção em hospitais federais no Rio de Janeiro e incentivo à cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.

A partir daí, a expectativa é que a CPI consiga inclusive abrir novas linhas de investigação, como suspeitas de propinas a políticos e servidores ligados ao Ministério da Saúde e a inserção de milícias no comando de hospitais federais no Rio, além do financiamento por farmacêutica de anúncios de remédios comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus sem a transparência devida e com a atuação de médicos suspeitos de participarem do chamado "gabinete paralelo" de assessoramento a Bolsonaro.

Omar Aziz já ressaltou estar em jogo não só se o governo federal foi corrupto ou não, mas também ações passadas que prejudicaram o enfrentamento da pandemia no país ou que ajudaram a agravar a crise, como no caso da falta de oxigênio hospitalar no Amazonas no início do ano.

No final do mês, senadores envolvidos com a CPI deverão se reunir ainda com juristas para assessorá-los na construção da base jurídica e constitucional do relatório do colegiado.

Freio de arrumação

As sessões da CPI só devem voltar em 3 de agosto. Ao todo, 37 reuniões foram realizadas desde o início da comissão, em 27 de abril.

A pausa referente ao recesso legislativo é vista como uma oportunidade para cruzar os depoimentos que ocorreram até agora com o conjunto de provas e evidências que estão em posse da CPI.

Há, por exemplo, diversas contradições e pontos ainda obscuros envolvendo o processo de negociação de supostas 400 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca pelo Ministério da Saúde com a empresa de produtos hospitalares Davati Medical Supply.

O policial militar de Minas Gerais que se apresenta como representante da Davati, Luiz Paulo Dominghetti, afirmou que então integrantes da pasta cobraram propina de US$ 1 por dose — o que o hoje ex-servidor do Ministério da Saúde Roberto Dias negou ao depor na CPI.

Os senadores esperam que dados obtidos por meio da quebra de sigilos bancário, telefônico e telemático possam ajudar a esclarecer quem está falando a verdade.

Além de ter a possibilidade de corroborar suspeitas, como a possibilidade de irregularidades também na compra da Covaxin, os senadores devem aproveitar a ocasião para descartar teses e especulações sem fundamentação.

A análise das informações coletadas por meio de documentos é uma etapa igualmente decisiva para o agendamento de depoimentos de personagens relevantes no contexto do colegiado —a exemplo do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), citado no depoimento do também deputado federal Luis Miranda (DEM-DF).

Miranda afirmou que Barros é o parlamentar supostamente acusado pelo presidente Bolsonaro, em uma reunião no dia 20 de março, de estar por trás da polêmica relacionada à negociação da Covaxin. O líder do governo nega participação em qualquer esquema ilegal.

A partir da análise dos documentos, entre os quais quebras de sigilo, os senadores da CPI esperam avançar nessa questão para, posteriormente, convocar Barros a prestar depoimento à comissão.

O mesmo ocorre com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que estava à frente da pasta na época da assinatura do contrato da Covaxin (25 de fevereiro). Já há requerimento aprovado para que ele seja convocado a prestar novo depoimento. Mas os senadores querem esperar para marcar o agendamento a depender do resultado da análise dos documentos.

O depoimento do sócio-administrador da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, que intermediou a aquisição da Covaxin, será uma prioridade dos senadores no retorno aos trabalhos.

Uma série de acareações entre depoentes e personagens citados devido a possíveis irregularidades também está no radar.

Governistas querem apuração sobre estados e municípios

Enquanto isso, governistas continuarão a pressionar para que a CPI investigue se houve uso indevido de verbas federais para o combate à pandemia repassadas a estados e municípios. Essa apuração está prevista nos objetivos da CPI, mas quase nada andou.

O único estado a ser mais esquadrinhado foi o Amazonas por causa da atuação do governo federal na crise de oxigênio no estado e do interesse político de membros amazonenses da CPI.

Oposicionistas alegam que esse viés voltado a estados e municípios é utilizado por governistas para tirar o foco do Planalto e do Ministério da Saúde. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE), idealizador da ideia de ampliação do escopo da CPI, considera que a comissão tem sido parcial ao se focar nas eventuais irregularidades do governo federal.

Um dos principais objetivos de Girão é investigar suposta corrupção na compra de respiradores pelo Consórcio Nordeste. Dos 17 membros da CPI, somente 3 não foram eleitos no Norte ou no Nordeste.

O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) também reclama de seletividade e afirma que a CPI abre mão de investigar o que aconteceu nos estados para dar palco a pessoas que "acusam sem prova e mentem descaradamente".

"Espero que, no segundo momento da CPI, aqueles que hoje têm foco só no governo federal tenham interesse em investigar o dinheiro no Amazonas, Pará, Consórcio Nordeste, Santa Catarina", disse Marcos Rogério.

Quanto a investigações referentes a estados, nesta segunda parte da CPI, os senadores devem se voltar mais a possíveis irregularidades praticadas em hospitais federais no Rio, a partir de informações prestadas pelo governador cassado Wilson Witzel (PSC), que deve falar novamente ao colegiado — desta vez em sigilo.

Randolfe Rodrigues tem dito que a CPI não pretende usar os três meses adicionais de funcionamento concedidos. De todo modo, a comissão tem prazo até 5 de novembro.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.