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Parecer pró-governo em CPI faz sugestões ao Executivo, mas nega erros

O senador governista Marcos Rogério em sessão de apresentação do relatório oficial da CPI da Covid - Roque de Sá/Agência Senado
O senador governista Marcos Rogério em sessão de apresentação do relatório oficial da CPI da Covid Imagem: Roque de Sá/Agência Senado

Luciana Amaral e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

22/10/2021 04h00

Em relatório paralelo entregue à CPI da Covid anteontem, o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) faz uma série de sugestões ao Executivo, mas afirma não haver evidências sobre atos e omissões ilegais praticadas pelo governo federal no enfrentamento à pandemia. Ele não faz sugestões de indiciamentos.

"Durante investigação da CPI da Pandemia, ficou claro que o foco da maioria dos membros sempre foi atacar o presidente da República, num claro jogo político e eleitoral. Porém, as narrativas criadas pela oposição para enfraquecer e condenar o governo federal não foram sustentadas em provas, não restando comprovadas em atos omissões ilegais praticadas por autoridades e servidores da administração pública federal no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus", escreveu Marcos Rogério em resumo do relatório.

"Por outro lado, inúmeros casos de corrupção nos estados e municípios, investigados pela Polícia Federal e CGU, foram deliberadamente negligenciados pela CPI", acrescentou.

Marcos Rogério apresentou o relatório de 238 páginas como "voto em separado". Isto é, versões que divergem parcialmente ou integralmente das conclusões do relator oficial da Comissão Parlamentar de Inquérito, Renan Calheiros (MDB-AL), que apresentou seu próprio texto anteontem, em que sugeria o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por nove supostos crimes, além de outras 65 pessoas e duas empresas por um total de 24 delitos que teriam sido cometidos durante a pandemia.

Já o documento de Renan conta com mais de 1,1 mil páginas e deverá ser votado na próxima terça-feira (26).

As opiniões dos parlamentares que apresentarem relatórios paralelos passam a constar nos registros da comissão, mas não alteram o resultado do texto final caso haja aprovação do documento de Renan pela maioria do colegiado.

Na avaliação de Marcos Rogério, o governo federal ficou por vezes impedido de agir de forma mais contundente devido à divisão tripartite —federal, estadual e municipal— de responsabilidades perante a saúde pública no país.

O senador chega a dizer que o governo Bolsonaro foi "tolhido de realizar papel central de caráter decisório e diretivo na condução do enfrentamento da pandemia" pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

A decisão do Supremo à qual ele se refere (ADPF nº 672), porém, não impedia que o governo tomasse ações de combate à pandemia, apenas afirma que o governo federal não poderia derrubar decisões de estados e municípios sobre medidas de isolamento social. Ou seja, que o Planalto teria que respeitar as ações locais.

Prossegue Marcos Rogério que, apesar do Supremo, o governo "atuou fortemente para promover todas as medidas necessárias para a preservação de vidas, empregos e empresas".

Imunidade de rebanho e compra de vacinas

O senador afirma ainda que o governo jamais buscou a chamada imunidade de rebanho, que consiste em chegar a um ponto de contato com o vírus em que haja uma quantidade suficiente de pessoas imunes, interrompendo a transmissão comunitária. Cientistas e especialistas em saúde pública são contra deixar parte da população se contaminar naturalmente para atingir essa tese devido à possibilidade de muitas mortes, sem garantia de que isso realmente funcionaria.

Bolsonaro já disse que a contaminação pelo novo coronavírus é mais eficaz do que a vacina, o que também é rebatido por especialistas. Para o grupo majoritário da CPI, formado por senadores de oposição e independentes, outros pontos também comprovariam o plano do presidente em busca da imunidade de rebanho.

Mas, no texto, Marcos Rogério diz que, se tivesse estimulado a imunidade de rebanho, o governo não estaria comprando milhões de doses de vacinas para imunizar a população.

O senador ainda rebate a acusação de que o governo demorou para comprar imunizantes. Para ele, "assim que foram sanadas as questões relativas à aprovação das vacinas pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e as de cunho jurídico, as vacinas foram compradas pela União".

Senadores contrários ao governo citam a demora nas negociações com a Pfizer e o cancelamento de protocolo para a compra da chinesa CoronaVac.

Apesar de denúncias e documentos com indícios de irregularidades, Marcos Rogério afirma não ser possível comprovar corrupção nas negociações e nos processos de compras do governo federal.

Gabinete paralelo e crise de oxigênio

Marcos Rogério afirma que a "oposição tentou sustentar a narrativa da existência" de um gabinete paralelo. Ao seu ver, a tese não se comprovou diante dos depoimentos. Também argumenta que a prática de o presidente se aconselhar com pessoas não vinculadas à administração pública não é crime e pode ser verificada em outros governos.

Para o grupo majoritário da CPI, o gabinete paralelo existiu e estimulou Bolsonaro a defender medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da covid-19, como a cloroquina.

Quanto à crise de abastecimento de oxigênio medicinal a pacientes internados no Amazonas, Marcos Rogério responsabiliza os governos locais.

O que propõe o relatório paralelo

Marcos Rogério faz uma série de recomendações para o Poder Executivo. Veja as principais:

  • criação de comitê permanente de gestão de crises e de emergências;
  • destinação de recursos prioritários para financiamento à pesquisa e ao desenvolvimento de fármacos e vacinas, bem como à Fundação Oswaldo Cruz e à ampliação de seu parque fabril;
  • destinação de recursos prioritários para criação de programas de saúde mental e de tratamento no SUS, além de um site e de um canal de comunicação para atendimento da saúde mental para população que apresenta sequelas em decorrência da pandemia;
  • estruturação das regiões de saúde no âmbito do SUS, para a regionalização e a descentralização das políticas públicas de saúde;
  • implementação de políticas públicas para a instalação de indústrias produtoras de oxigênio medicinal no território nacional, de valorização dos profissionais da saúde com a reestruturação de carreiras e com vistas à diminuição da dependência nacional de medicamentos e imunizantes produzidos no exterior;
  • criação de laboratório de nível de biossegurança 4 para que o país alcance autonomia nas pesquisas de agentes infecciosos altamente perigosos, especialmente quanto às novas cepas do novo coronavírus;
  • implementação de políticas públicas com ênfase na formação de profissionais da ciência;
  • aperfeiçoamento do sistema de certificação de garantias prestadas por entes privados em contratos com o poder público.

Outros relatórios paralelos

Além de Marcos Rogério, os senadores Luis Carlos Heinze (PP-RS), governista, e Eduardo Girão (Podemos-CE), que se diz independente, devem ler um resumo de seus relatórios paralelos na sessão de terça e entregá-los à comissão.

Girão, autor de um dos dois requerimentos que levaram à criação da CPI da Covid, deve focar na falta de investigação mais aprofundada da CPI perante suspeitas de corrução com verbas federais em estados e municípios.

Luis Carlos Heinze deve focar o parecer, como fez ao longo dos trabalhos da comissão, na defesa de medicamentos que compõem o kit covid, como cloroquina e ivermectina —comprovadamente ineficazes contra a covid-19.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.