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Bolsonaro coleciona desmontes e aparelhamento de órgãos essenciais ao país

Bolsonaro deixará um legado de desmontes e aparelhamento de órgãos cruciais para o desenvolvimento do país - Agência Brasil
Bolsonaro deixará um legado de desmontes e aparelhamento de órgãos cruciais para o desenvolvimento do país Imagem: Agência Brasil

Do UOL em Brasília

11/10/2022 18h00Atualizada em 11/10/2022 18h38

O candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL), deixará um legado de desmontes e aparelhamento de órgãos considerados cruciais para o desenvolvimento do país, ganhando ou perdendo nas urnas no fim do mês.

A lista de órgãos que perderam orçamento, tiveram sua atuação reduzida ou ainda registraram denúncias internas de perseguição política entre seus funcionários, nos últimos quatro anos, é longa e passa por suspeitas de tentativas de interferência na Polícia Federal até o esvaziamento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

Procurado sobre os tópicos assinalados abaixo, o Palácio do Planalto não se manifestou.

STF maior. Caso eleito, Bolsonaro quer tentar estender esse legado para outros poderes, como STF (Supremo Tribunal Federal). O presidente tem intensificado nos últimos discursos a ideia de aumentar o número de ministros da corte --o que poderia lhe dar maioria em decisões de seu interesse.

"Não é uma novidade, no contexto brasileiros, que já vários outros governos já tentaram aparelhar instituições que os incomodavam. A novidade agora é como Bolsonaro tem sido bem-sucedido em mobilizar para parte da população esse discurso de que isso é algo positivo", afirma o cientista político do Insper Leandro Consentino.

Nesta terça-feira (11), o candidato à reeleição disse ter voltado atrás na ideia de aumentar o número de ministros, após repercussão negativa.

PGR fora da lista. A escolha, por duas vezes seguidas, do procurador Augusto Aras para comandar a PGR (Procuradoria Geral da República), por exemplo, provocou mal-estar no órgão e na categoria, já que foi desprezada a lista tríplice.

Para a ANPR (Nacional dos Procuradores da República), este modelo é o melhor para garantir "um processo republicano, transparente e democrático". Em nota, a entidade reforça que o Ministério Público é uma instituição independente "que não se confunde com órgãos de assessoria" do Executivo.

Servidores coagidos. Segundo Gabriela Lotta, professora de administração pública da FGV, existe um ataque às organizações públicas e aos servidores públicos como forma de conseguir implementar a agenda do governo —seja de desmonte institucional e democrático, seja uma agenda mais ideológica.

"Servidores públicos têm um papel fundamental de proteger proteger os princípios constitucionais e de garantir transparência e legalidade das ações. Eles impõem, assim, barreiras ao desmonte e a uma agenda que busca acabar com a transparência e com os direitos. A saída que o governo Bolsonaro tem adotado nesta circunstância é de atacar os servidores e ocupar os ministérios para conseguir tirar essa barreira da frente", diz.

Crises na PF. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que a Polícia Federal registrou as maiores crises de sua história durante o governo atual, e viu sua imagem ser arranhada por suspeitas de interferência política.

São citados como exemplos a tentativa de Bolsonaro de nomear Alexandre Ramagem para o comando da PF e a posse de Anderson Torres no Ministério da Justiça. Ramagem é um amigo da família Bolsonaro. Ele dirigiu a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e se tornou próximo do clã ao coordenar a segurança do então candidato na campanha de 2018 após a facada.

Torres foi o pivô de uma das crises entre o ex-ministro da Justiça Sergio Moro e Bolsonaro, e era um dos policiais federais mais próximos do presidente da República.

Reforma agrária. Bolsonaro é acusado por defensores do meio ambiente de ter acabado com boa parte dos órgãos do setor de preservação da floresta, o que ficou conhecido como a "passagem da boiada".

Em maio deste ano, a Folha de S. Paulo revelou que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) informou internamente estar sem nenhuma verba de livre destinação, e determinou a suspensão de atividades.

Inpe e o desmatamento. Logo no primeiro ano de mandato de Bolsonaro, em 2019, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgão ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia e responsável por divulgar dados sobre o desmatamento da Amazônia, foi alvo do candidato à reeleição ao revelar informações inconvenientes sobre o aumento do desmatamento.

Ricardo Galvão, que presidia o órgão, chegou a ser exonerado após criticar Bolsonaro.

Ibama e ICMBio. Ao longo do seu governo, Bolsonaro deu declarações atacando órgãos de preservação ambiental. Em uma entrevista a uma rádio do interior de São Paulo, em 2021, ele chegou a criticar o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), alegando que os dois órgãos de preservação fazem com que "tudo seja proibido".

O Ibama calcula em R$ 16,2 bilhões o valor de multas ambientais que devem ser anuladas por decisão do presidente do próprio órgão, Eduardo Bim.

As punições foram aplicadas de 2008 a 2019, por desmatamento, queimadas e transporte ilegal de madeira, por exemplo. A derrubada das multas é mais uma das medidas do governo Bolsonaro vistas pelo professor da PUC-SP Maurício Guetta como responsáveis pela "extinção da política pública ambiental" do Brasil.

Funai aparelhada. Em julho deste ano, o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Marcelo Xavier, apresentou à Justiça da Espanha uma queixa contra um ex-servidor do órgão, Ricardo Rao, que realizou um protesto contra o governo de Jair Bolsonaro, em Madri.

Ambientalista afirmam que a sobre a conduta do governo Bolsonaro o órgão deixou de servir ao seu propósito primordial, que é a defesa dos povos indígenas. O presidente a responsabilizar o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips por seu próprio desaparecimento.

"Realmente... Duas pessoas apenas, em um barco, em uma região daquela, né, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser um acidente, pode ser que eles tenham sido executados", afirmou. Dias depois, os corpos de Bruno e Dom foram encontrados.

Meteorologia afetada. Também 2021, no momento em que o país vive a pior crise hídrica da história, o SNM (Sistema Nacional de Meteorologia) teve as operações encerradas pelo governo federal.

O órgão reunia os principais institutos da área em três ministérios e nasceu há pouco mais de quatro meses para facilitar as previsões e dividir funções sobrepostas do setor na esfera pública.

Dedo no Enem. No ano passado, houve debandada de servidores de cargos de chefia do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão responsável pela elaboração e gestão do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

Foram feitas acusações de problemas na gestão do órgão, denúncias de assédio moral contra servidores. O ex-presidente do órgão Dupas Ribeiro esteve ainda envolvido em movimentações para interferir ideologicamente no conteúdo do Enem.

Censo no escuro. O censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), responsável por mapear os dados e informações sobre a população brasileira, ficou em segundo plano durante o governo e foi adiado em 2021 sob a justificativa de falta de previsão de recursos no Orçamento sancionado por Bolsonaro.

Entre os problemas causados pelo atraso está a distribuição de recursos públicos, já que o volume transferido nas cotas dos fundos de participação estaduais e municipais tem por base o número de habitantes de cada local.

A ex-presidente do IBGE Susana Cordeiro Guerra pediu exoneração do cargo em março de 2021, alegando motivos pessoais e de família. O pedido, no entanto, aconteceu após o orçamento para a realização do Censo ser reduzido em "quase 90%", passando de R$ 2 bilhões para apenas R$ 71,7 milhões.

Zé Gotinha vigiado. Principalmente durante a pandemia, Bolsonaro tentou controlar outro órgão fundamental para vida dos brasileiros, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável por aprovar e liberar a circulação de vacinas no país.

Ele chegou a pedir os nomes de funcionários que haviam liberado imunizantes contra a covid-19 e, em outros momentos, questionou publicamente a autoridade do órgão.

Cadê o Queiroz? Antes chamado de Conselho de Controle de Atividade Financeira, o Coaf foi responsável por elucidar escândalos de corrupção como Lava Jato, mensalão, até investigar Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flavio Bolsonaro.

Queiroz foi preso em junho de 2020. Antes disto sua última aparição pública tinha sido em 12 de janeiro daquele ano. Sua prisão aconteceu no âmbito da investigação do suposto esquema de rachadinhas, em que servidores da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) devolveriam parte de seus salários ao então deputado estadual Flávio Bolsonaro, que exerceu mandato de 2003 a 2019.

Queiroz foi encontrado em uma propriedade do advogado Frederick Wasseff, em Atibaia, interior de São Paulo.

Após o início dessa investigação, Bolsonaro transferiu o órgão do Ministério da Economia para o Banco Central e o rebatizou como UIF (Unidade de Inteligência Financeira), por meio e uma medida provisória, aprovada pelo Congresso posteriormente.