Cabide da Uerj: manicure e militar receberam R$ 738 mil para pesquisas
O casal formado por uma manicure e por um militar reformado, ambos sem qualquer referência acadêmica, recebeu R$ 738 mil da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em pouco mais de um ano (entre 2021 e 22).
Para Marilândia de Souza Lima, de 64 anos, foram 29 pagamentos com dinheiro público, num total de R$ 378 mil, para atuar em dois projetos de pesquisa; seu marido Joaquim Andrade dos Santos, 85, ganhou R$ 360 mil.
A manicure atende todas as quintas e sextas num salão em Copacabana, na zona sul do Rio. No início do mês, uma repórter do UOL, sem se identificar, fez as unhas com Marilândia, que pouco falou. Na última terça (13), a reportagem ligou para ela, que desligou: "Não conheço o UOL", afirmou.
Desde agosto do ano passado, o militar reformado precisa do auxílio de uma cuidadora, após ter sido atropelado no estacionamento do condomínio onde mora, na zona norte do Rio.
Em nota, a Uerj afirma que Marilândia possui formação técnica completa em gestão de empresas e que Santos foi gestor de superintendência do CML (Comando Militar do Leste). "Ambos realizaram atividades presenciais e remotas" relativas aos projetos, diz a nota.
Trata-se de mais um caso do cabide de emprego da Uerj. Grupos de parentes chegaram a ganhar juntos até R$ 1 milhão em um ano, mostra investigação feita pelo UOL Notícias ao longo de dois meses.
As irregularidades do cabide de emprego da Uerj:
- A universidade contratou sem qualquer processo seletivo público pessoas para receberem remunerações de até R$ 35 mil por mês (brutos) --e sem controle da carga horária desses profissionais.
- A verba desviada serviria para projetos de pesquisa em áreas de Educação, Ciência e Tecnologia e Segurança Pública;
- R$ 335,4 milhões (93% do total pago) foram para profissionais sem vínculo com a Uerj;
- Os recursos aplicados cresceram à medida que o período eleitoral se aproximou: em janeiro de 2021, eram só R$ 140 mil. Em julho de 2022, houve um pico, de R$ 57,45 milhões;
- Os gastos foram realizados em folhas de pagamentos secretas, que só começaram a ser reveladas após reportagens do UOL.
A Uerj anunciou que suspenderá todos os projetos realizados em parceria com outros órgãos do governo do estado a partir do dia 31 de dezembro e criará uma nova regulamentação para todos.
A universidade afirmou que uma comissão interna apura as revelações feitas pelo UOL, mas os projetos são legais, "com denúncias de irregularidades em algumas das atividades".
Rede de parentes empregada na universidade ganhou R$ 1 milhão em um ano. Luci Mary Muniz Pereira e seis familiares (três filhos, dois irmãos e um sobrinho), foram contratados para o projeto Escola Criativa de Oportunidades, que no papel pretende construir iniciativas de melhoria do ensino em colégios estaduais.
Luci Mary era servidora comissionada da Seap (Secretaria Estadual de Administração Penitenciária) até novembro, onde recebia R$ 1.212 brutos por mês. Nas folhas secretas da Uerj ganhou R$ 270,5 mil entre agosto de 2021 e julho de 2022, segundo as tabelas de pagamentos enviadas ao TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio).
Por mensagem, ela não comentou sobre a rede de parentes e afirmou que apresentou currículo para ser selecionada e que trabalha no projeto com gestão de documentos.
Assessor do vereador e vice de futebol do Flamengo recebeu R$ 192 mil em 11 meses. Paulo Nei Barroso do Vale é ligado a Marcos Braz (PL) e deveria atuar em projetos de pesquisa voltados para jovens infratores e na área de Segurança.
O UOL tentou contato com Vale pelo telefone do gabinete do vereador, onde ele tem cargo atualmente, com salário de R$ 10.700. A atendente afirmou que não conhecia ninguém com esse nome.
Sua mulher, Luana Thomé Concolato de Oliveira, ganhou R$ 260 mil, no mesmo período. O irmão dele, Marco Antônio Barroso do Vale, também recebeu R$ 148 mil.
A reportagem também entrou em contato com o próprio Marcos Braz, mas não houve retorno.
O casal Paulo Nei e Luana é amigo pessoal de outro casal que foi contratado nos dois mesmos projetos, apurou a reportagem. O coronel da PM Carlos Magno Ribeiro Cabral ganhou R$ 392 mil em 15 meses. Sua mulher, Delvana Caldonazzo, recebeu R$ 260 mil em 11 meses.
Procurado pelo UOL, Cabral respondeu, por WhatsApp, que todas as informações sobre os projetos eram públicas, mas apagou as mensagens em seguida.
Saques de valores altos em dinheiro de recursos pagos pela Uerj também foram realizados por pessoas com vínculos familiares, segundo apuração do UOL.
Jorge Antonio Pereira Barbosa e Lucas Carvalho Barbosa, pai e filho, donos de uma empresa de obras na zona norte do Rio, fizeram, ao todo, quatro saques de R$ 24.954 entre junho e julho, em agências do Bradesco (total de quase R$ 100 mil).
As planilhas da Uerj registram quatro pagamentos de R$ 34 mil brutos para a dupla contratada para um projeto de implementação de espaços de qualificação profissional.
Em nota enviada ao UOL na quinta-feira (15), a Uerj afirmou que nenhum dos casos configura nepotismo e que as remunerações respeitam o teto constitucional. Contudo, ao anunciar o congelamento dos projetos na sexta-feira (16), a universidade afirma que casos como os relatados nesta reportagem "terão controle muito mais severo daqui em diante".
O cabide da Uerj é objeto de uma série de reportagens publicadas pelo UOL desde agosto deste ano, que provocou investigações por parte do TCE-RJ e do MP-RJ (Ministério Público do Rio).
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