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Com cabeça de 2003, Lula toma choque de realidade nos primeiros 100 dias

O presidente Lula (PT) visita obras do Museu Nacional, no Rio de Janeiro - Ricardo Stuckert
O presidente Lula (PT) visita obras do Museu Nacional, no Rio de Janeiro Imagem: Ricardo Stuckert

Do UOL, em Brasília

09/04/2023 04h00

Os primeiros cem dias do governo Lula (PT), a se completarem amanhã (10), foram um pouco mais difíceis do que o presidente esperava. Os principais anúncios na data vão ser relançamentos de programas antigos, numa versão repaginada dos primeiros mandatos, e a prova de fogo com o Congresso ainda nem aconteceu, mas promete.

Como foram os 100 dias?

Lula retomou programas-chave da sua gestão anterior (2003-2010), com foco no social. Parte havia sido extinta ou paralisada por Jair Bolsonaro (PL). O petista trouxe de volta o Minha Casa, Minha Vida, o Luz para Todos e o Mais Médicos, entre outros.

Algumas iniciativas, como o Bolsa Família, já estão em atividade. Outros foram anunciados, mas não iniciados, como o novo PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), que deverá sair no final de abril.

A semelhança com 2003 —algo lembrado por Lula com certa frequência— também tem criado obstáculos. O presidente encontra uma sociedade mais dividida eleitoralmente, uma polarização política bastante forte e um Congresso mais conservador. Nas negociações, por vezes, teve de ceder mais do que pretendia.

Também enfrenta um cenário econômico ruim deixado por Bolsonaro. Com a taxa básica de juros em 13,75% e o desemprego em quase 8%, a recuperação da economia vai ser mais demorada do que o governo gostaria, enquanto tenta equilibrar promessas de campanha com medidas não tão populares, como o novo arcabouço fiscal para regular as contas públicas.

A minha obsessão nos primeiros 100 dias era retomar as políticas sociais que deram certo. Agora, a obsessão é fazer a economia voltar a crescer, voltar a funcionar."
Lula, a jornalistas, na quinta passada

Quais programas voltaram

Os primeiros cem dias de governo foram marcados por entregas e anúncios quase semanais de programas sociais. Com foco "no dia a dia do povo brasileiro", como Lula gosta de dizer, grande parte vem de gestões anteriores. São eles:

  • Minha Casa, Minha Vida: Programa de moradia popular relançado em fevereiro já entregou 5.000 casas por todo o país. O plano é de 2 milhões até 2026. Tinha obras paralisadas desde 2015.
  • Bolsa Família: Retomado em março, o programa de assistência social fixou o valor de R$ 600 por família, com mais R$ 150 para cada filho menor de sete anos de idade, e retomou exigências abandonadas pelo Auxílio Brasil de Bolsonaro, como vacinação e frequência escolar. Também foi feito um pente-fino para apurar irregularidades nos cadastros.
  • Mais Médicos para o Brasil: Com nome semelhante ao anterior, o programa começou a enviar de profissionais de saúde a cidades do interior em março. São 15 mil vagas, com foco em profissionais brasileiros, em 2023. A dificuldade de reter os profissionais em locais mais vulneráveis se mantém.
  • PAC: Ainda sem nome, o novo Programa de Aceleração do Crescimento, marca da gestão Dilma Rousseff (PT), será relançado no final de abril, com frentes voltadas não só à infraestrutura, mas também em desenvolvimento urbano, educação e saúde.
  • Luz para Todos: O programa que leva energia elétrica a lugares sem acesso será incluído no novo PAC.
O presidente Lula (PT), em evento no Palácio do Planalto - Ricardo Stuckert - Ricardo Stuckert
Lula voltou ao Palácio do Planalto depois de 13 anos
Imagem: Ricardo Stuckert

Não é mais 2003

O presidente anda ansioso. Segundo pessoas próximas, há pressa e pressão sobre ministros para a entrega de resultados. Amanhã, na reunião dos cem dias cada ministério deve comentar seus feitos desde janeiro e o que vem por aí. Lula sabe que sua gestão enfrenta uma lua de mel difícil, com o mercado, com a sociedade ou com os outros Poderes.

Quando eu disse que a gente ia começar a ter o espetáculo de crescimento neste país, não foram poucos os jornalistas que zoaram com minha frase, dita numa reunião na Ford em 2004. Acontece que naquele ano a economia cresceu 5,8%, ali estava começando o jeito positivo de a economia brasileira voltar a funcionar. Estou convencido de que ela vai voltar a funcionar, na medida que a gente volta a colocar o pobre no orçamento."
Lula, na semana passada

O petista tem feito gestos políticos pela governabilidade, que visam, em especial, manter a frente ampla lançada na campanha e garantir a aprovação de projetos importantes no Congresso, onde seu partido não tem maioria. Para isso:

Incluiu a oposição no governo. De cara, cedeu três ministérios para ficarem sob a gerência do União Brasil, em acordo costurado com o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Puxou o centrão para perto no Congresso. Lula também se aproximou de Lira, grande apoiador de Bolsonaro durante os últimos quatro anos, a quem o próprio petista criticava e chamava de "imperador do Japão". Com a aliança, que incluiu apoio à reeleição do progressista em fevereiro, o governo conseguiu aprovar a PEC da Transição em dezembro, antes de assumir, e tem apoio para o arcabouço fiscal e para a reforma tributária.

Lula e Lira: parceria improvável - Adriano Machado/Reuters - Adriano Machado/Reuters
Lula e Lira: parceria improvável
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Herança maldita?

As travas econômicas se mostraram o desafio mais sério deste primeiro ano. O governo entende que o discurso de "herança maldita" e "terra arrasada" encontradas após a gestão Bolsonaro —algo que Lula repete desde que foi eleito— funciona nos três primeiros meses, mas, agora, é preciso mostrar serviço.

Com Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), o governo tem tentado reerguer a economia brasileira, equilibrando as expectativas da base com as do mercado, entidade que Lula segue criticando. As medidas tomadas foram:

Apresentou o arcabouço fiscal. Depois de reuniões com partidos, setores da indústria e comércio, sindicatos e lideranças políticas, o governo apresentou a proposta de âncora fiscal para substituir o teto de gastos (uma promessa de campanha) no fim de março. Elogiada por parte do empresariado e criticada por parte da esquerda, a proposta deve ser apresentada ao Congresso na semana que vem. Lira tem prometido aprová-la, com possíveis ajustes.

Encampou uma reforma tributária. O segundo ponto, tem repetido Haddad, é a aprovação da revisão dos impostos no Brasil. Com endosso à PEC 45, o governo luta pela transformação de cinco impostos em um imposto único (IVA) e quer que essa medida seja aprovada até o segundo semestre.

Briga com o Banco Central pelos juros altos. Uma luta que Lula quase tem levado para o pessoal é a diminuição da taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 13,75%. O petista mantém abertamente as críticas no presidente do BC, Roberto Campos Neto, sob o argumento de que a taxa atrapalha o desenvolvimento da economia e afeta os mais pobres.

Se a meta está errada, muda-se a meta. O que não é compreensível é imaginar que um empresário vá tomar dinheiro emprestado a essa taxa de juros."
Lula, na quinta passada

Revogação dos sigilos. Em decreto assinado no dia 1º de janeiro, Lula pediu que a CGU (Controladoria-Geral da União) revisasse as imposições de Bolsonaro.

No início de fevereiro, o órgão anunciou a reavaliação de 234 sigilos impostos pelo ex-presidente. Foram divulgados as visitas dos filhos de Bolsonaro ao Palácio do Planalto, os gastos com o cartão corporativo, o estoque de vacina contra a covid-19 durante a pandemia, entre outros pedidos. Alguns, como o cartão de vacinação do ex-presidente, ainda não foram revelados.