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Com mês de março "caótico" e hospitais lotados, Bauru descarta lockdown

Loja aberta em Bauru (SP), na quinta passada (11), quando todo o estado permanecia na fase vermelha - Camila Fernandes/UOL
Loja aberta em Bauru (SP), na quinta passada (11), quando todo o estado permanecia na fase vermelha Imagem: Camila Fernandes/UOL

Camila Fernandes

Colaboração para o UOL, em Bauru (SP)

18/03/2021 04h00

A promotora de vendas Shirley Sígalo, 37, morreu à espera de uma vaga de UTI (unidade de terapia intensiva) em Bauru, no interior de São Paulo, na semana passada. Ela estava internada no Posto Avançado Covid (PAC), montado em um prédio anexo ao pronto-socorro municipal. "Demorou muito para disponibilizarem leito, e quando conseguiram, ela já estava muito fragilizada", conta a confeiteira Simone Luques, 39, amiga de Shirley.

Assim como Shirley, outras pessoas com menos de 40 anos vêm ocupando os leitos disponíveis para covid-19 na região. Esta estatística preocupa os médicos. A promotora de vendas era obesa e hipertensa, duas comorbidades que podem agravar a situação do paciente com coronavírus.

Até a noite de ontem, segundo a Prefeitura, Bauru somava 30.435 casos confirmados de covid-19 e 477 óbitos —só este ano, são 179. E os hospitais estão lotados (leia mais abaixo).

Mesmo com o quadro grave, a administração local desafiou o Plano São Paulo, do governo estadual, para controle da pandemia, pela segunda vez. Ontem, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou recurso do município para relaxar as medidas de isolamento social. Todo o estado entrou, nesta semana, na fase emergencial, de maior controle de circulação de pessoas.

Recordes de mortes

Entre os dias 8 e 14 de março, Bauru teve a semana com mais registros de óbitos desde o início da pandemia. Foram 28 —uma média de quatro por dia. A Secretaria Municipal de Saúde confirmou que 15 pacientes morreram à espera de leitos entre 27 de fevereiro e 12 de março.

Recentemente, a cidade também contabilizou o primeiro óbito adolescente por causa do novo coronavírus —uma jovem de 17 anos, que tinha problemas neurológicos e estava em hospital público.

O Hospital Estadual, referência no tratamento de covid-19, começou esta semana com recorde de lotação —a taxa de ocupação da UTI era de 122%, ou seja, não havia leitos para todos os pacientes. Ontem, estava em 118%. Os hospitais privados da cidade também estão entrando em colapso.

O secretário municipal de Saúde e vice-prefeito, Orlando Costa Dias, descarta o lockdown, que foi adotado por outras cidades do interior, como Araraquara, Lins e Bariri.

"Lockdown só em último caso, ainda estamos conseguindo controlar a situação, por mais difícil que esteja. Precisamos é de mais leitos", afirmou ao UOL.

O mês de março tem sido terrivelmente caótico, por isso precisamos muito do funcionamento dos leitos de UTI no Hospital das Clínicas, estamos lutando para serem liberados para utilização de no mínimo dez leitos de UTI do HC que estão parados há anos, bem como os demais equipamentos.
Orlando Costa Dias, secretário de Saúde e vice-prefeito

Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual da Saúde disse que "o Estado tem trabalhado sozinho pela criação de novos leitos na região e na cidade, uma vez que nenhum leito de UTI em funcionamento no município até o momento é mantido pela Prefeitura".

"Cabe pontuar que a Secretaria de Estado da Saúde já ampliou de 20 para 40 o número de leitos de enfermaria no hospital de campanha instalado no prédio da USP", afirma a pasta, em nota. "É também responsabilidade da Prefeitura e da Famesp [organização social] a instalação dos 10 leitos de UTI no hospital de campanha da USP. Assim, ao contrário do que afirma a municipalidade, a responsabilidade não é exclusiva do Estado."

De acordo com a secretaria, até terça (15), "a sobrecarga na rede de saúde já é uma realidade em diversos locais e os serviços do SUS esforçam-se para garantir assistência adequada e oportuna a todos."

Briga política

O embate entre a Prefeitura de Bauru e o governo estadual não é novidade. Em fevereiro, quando o Estado colocou Bauru na fase vermelha, a prefeita Suéllen Rosin (Patriotas) assinou uma lei colocando bares, salões de beleza e clubes como serviços essenciais.

Contrariado, o governador paulista João Doria (PSDB) acusou de Suéllen de fazer "vassalagem para o presidente Jair Bolsonaro [sem partido]" e a chamou de negacionista. Ela negou. "Eu vou aonde for necessário para ter verbas para meu município", disse, à época. A discussão também foi parar na Justiça.

Enquanto isso, nas ruas de Bauru, alguns comerciantes também não respeitam o Plano SP e se queixam da confusão nas informações. Na semana passada, quando todo o estado estava na fase vermelha, algumas lojas de serviços não-essenciais estavam funcionando, como de roupas.

Na última segunda-feira (15), quando começou a fase emergencial, moradores reclamaram nas redes sociais que teriam que sair de suas casas para trabalhar em empresas, também em atividades não-essenciais.

Sem festa

A promotor de vendas Shirley - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Shirley, vítima da covid em Bauru
Imagem: Arquivo pessoal

Os amigos de Shirley não sabem ao certo onde ela foi contaminada. De acordo com Simone, a promotora de vendas resolveu fazer o teste para covid-19 após seu aniversário. Os sintomas se agravaram rapidamente.

A mãe e o filho de Shirley, que tem 16 anos, também foram infectados e se recuperaram. "O pai está melhorando, mas ainda não sabe da morte da filha, porque isso iria deixá-lo mais frágil, triste", diz a confeiteira.

Em frente ao PAC, o construtor Fabiano Barbosa de 47 anos, lamentava que uma familiar de 52 anos tinha sido sedada enquanto esperava por uma vaga na UTI. "Isso é muito triste", disse. "As pessoas precisam parar de se aglomerar, de fazer festas. [Precisam] ter amor ao próximo. O nosso país está doente."