Cúpula do Clima: apesar de Bolsonaro falar em 'fortalecimento da fiscalização', nova norma dificulta aplicação de multas ambientais
Em um discurso que foi na contramão da política ambiental implementada pelo governo nos últimos dois anos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou na Cúpula do Clima que duplicaria os recursos destinados a ações de fiscalização dos órgãos ambientais no Brasil.
Dias antes da fala do presidente, entretanto, uma nova Instrução Normativa Conjunta do Ministério do Meio Ambiente, Ibama e ICMBio criou novos obstáculos para a atuação dos servidores que fiscalizam crimes ambientais.
Na avaliação da ex-presidente do Ibama Suely Araújo, a INC 01 é "tenebrosa" e paralisa, na prática, o trabalho dos agentes da fiscalização ambiental.
Entre outros pontos, a nova norma cria uma burocracia prévia para que os servidores possam fazer uma ação fiscalizatória, como a necessidade de apresentação de um relatório detalhado - que tradicionalmente era elaborado após a ação.
O texto também dificulta a aplicação de multas, estabelecendo que, antes de lavrar uma sanção, esta deverá ser submetida a um "supervisor hierárquico".
"A norma não diz quem são esses 'supervisores hierárquicos' - se são, por exemplo, os superintendentes estaduais, [cargos] que têm sido loteados com indicações políticas, pessoas que não têm formação para a atividade", diz Suely.
No dia 20, os servidores do Ibama divulgaram uma carta com mais de 600 assinaturas em que protestavam contra a instrução normativa, afirmando que "todo o processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais" encontrava-se "comprometido e paralisado".
"Não basta aumento de recursos, tem que dar estrutura e condição para o trabalho. Pode duplicar, até triplicar o orçamento, se os fiscais não tiverem condições para o trabalho não adianta", pontua a especialista em políticas públicas do Observatório do Clima.
Ela ressalta ainda que o aumento de recursos ao qual o presidente se referiu no discurso da Cúpula do Clima não está nem previsto na lei orçamentária.
Um trabalho divulgado em janeiro pelo Observatório do Clima, do qual Suely é coautora, mostrou que a proposta de orçamento enviada pelo governo ao Congresso, a PLOA, apontava uma redução de 27,4% no total previsto para as ações de fiscalizações ambientais e incêndios florestais, quando comparado ao que foi autorizado em 2020. Na comparação com 2019, a queda foi de 34,5%.
A proposta para o orçamento do Ministério do Meio Ambiente como um todo, por sua vez, foi a menor em duas décadas.
Em entrevista coletiva após a fala de Bolsonaro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que a suplementação de recursos para as áreas destacadas no discurso terão como base os números aprovados pelo Legislativo para a Lei Orçamentária Anual.
"Com relação ao Orçamento, o número preciso não é possível estabelecer agora, porque justamente nessa semana se está definindo o Orçamento (de 2021) junto ao Congresso Nacional. Porém, o que é possível dizer é que, o que houver de disponibilidade, o presidente vai dobrar o recurso", declarou.
Para suplementar os créditos, o governo teria de remanejar recursos de outras áreas ou ministérios. A reportagem pediu detalhes à pasta, mas não teve retorno até a publicação deste texto.
Sem garantias
As plataformas que permitem o acompanhamento da execução orçamentária do governo, como Siop e Siga Brasil, ainda não foram atualizadas com os números definitivos, já que a lei orçamentária ainda aguarda sanção de Bolsonaro. Os números disponíveis, contudo, indicam que, mesmo duplicados, os valores ainda seriam inferiores ao que essas áreas necessitam.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, pontuou que o montante autorizado em 2021 para as ações de fiscalização somam R$ 65,6 milhões, ante R$ 340 milhões efetivamente pagos em 2020, aí contabilizados tanto os dispêndios com a despesa do próprio exercício (R$ 102,5 milhões) quanto com a quitação de restos a pagar de anos anteriores (R$ 237,9 milhões).
Suely acrescenta que, ainda que os recursos apareçam, não há garantia de que eles serão destinados ao Ibama e ao ICMBio, os principais órgãos de fiscalização ambiental do país.
Durante a coletiva de imprensa, Salles mencionou que parte do dinheiro também será usado para incluir a Força Nacional no esforço de fiscalização.
Na avaliação da especialista, ampliar a participação dos agentes de segurança pública é inócua sem uma coordenação por parte das entidades competentes.
"A Força Nacional não é órgão ambiental, não tem poder de polícia ambiental, não pode autuar nem fazer apreensão. Ela vai junto, auxilia nas operações mais perigosas, mas não atua sem a coordenação do Ibama", ela diz.
*Colaborou Mariana Schreiber, da BBC News Brasil em Brasília.
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