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José Luiz Portella

REPORTAGEM

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Uma disputa especial na USP

Campus da Cidade Universitária no Butantã, zona oeste de São Paulo - Marcos Santos/USP Imagens
Campus da Cidade Universitária no Butantã, zona oeste de São Paulo Imagem: Marcos Santos/USP Imagens

Colunista do UOL

17/10/2021 04h00Atualizada em 18/10/2021 11h21

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Daqui a pouco mais de um mês, em 25 de novembro, haverá eleição de reitor e vice-reitor na USP (Universidade de São Paulo) —uma das instituições mais importantes do país. Duas chapas estão concorrendo: a USP Viva e a Somos Todos USP.

A disputa é especial, porque as duas chapas são encabeçadas por candidatos que não são do campus principal da universidade, no Butantã, zona oeste de São Paulo.

A chapa USP Viva tem como candidato a reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que hoje é pró-reitor de Pós-Graduação. Já a Somos Todos USP é liderada pelo atual vice-reitor Antonio Carlos Hernandes, do Instituto de Física de São Carlos.

A coluna conversou com os candidatos da chapa USP Viva: Carlotti Junior e Maria Arminda do Nascimento Arruda, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, que concorre à vaga de vice-reitora. Confira os principais trechos:

1. Quais são os três pontos mais relevantes que a chapa USP Viva oferece para a comunidade da USP?

Os três pontos mais relevantes estão formulados no título do programa: responsabilidade social, protagonismo, excelência científica e acadêmica serão implementados a partir do diálogo com a comunidade. A USP Viva é uma proposta que busca enfrentar a gravidade do momento, aliada à intenção de construir os novos tempos para a Universidade e para a nossa sociedade. A proposta é arrojada e embebida nas promessas de um futuro cheio de esperanças.

2. Qual é o papel que a USP deveria exercer para a sociedade e não está fazendo por conta das circunstâncias?

A proposta USP Viva distingue-se por projetar uma Universidade para o futuro que seja, ao mesmo tempo, de vanguarda no campo da pesquisa científica, da produção do conhecimento, da cultura e das artes, e a preocupação com os aspectos sociais, o projeto parte do princípio, que inexiste a dicotomia entre instituição de excelência acadêmica e inclusão social. A diversidade, seja étnico-racial, seja de gênero e de identidades, é consoante ao caráter das sociedades contemporâneas. Veja-se, por exemplo, as políticas desenvolvidas por universidades situadas no topo dos rankings internacionais, como Harvard, Princeton e Stanford. Nesse contexto, ser uma instituição socialmente inclusiva é ponto de partida para uma universidade de vanguarda.

O Programa USP Viva não é apenas moderno (na acepção de estar aparelhado com as questões centrais do mundo contemporâneo), mas avançado. Ele comporta uma utopia de futuro; e essa utopia identifica-se com uma instituição compassada com os tempos, socialmente responsável. Consideramos que as instituições públicas de relevo, como as universidades, são atores fundamentais no equacionamento da profunda crise brasileira que, se foi agravada pela pandemia, não se resume a ela. As universidades não podem se descuidar dos agudos problemas do Brasil de hoje, a exemplo das políticas de desenvolvimento da ciência, da cultura, da educação, da saúde, da habitação, da desigualdade social, dos direitos, da fome, dentre tantos outros. Elas devem ser propositivas, uma vez que as pesquisas por elas desenvolvidas são importantes para sairmos da situação social que nos encontramos. A proposta identifica-se com a mudança e o avanço, com a ruptura de concepções baseadas em decisões de gabinete, que privilegiam o trato administrativo e não a substância da atividade acadêmica e científica.

3. Com a pandemia, qual economia que a USP fez?

Algumas situações ocorreram neste período, inicialmente a rápida recuperação do ICMS após uma queda no início da pandemia; outro fator importante foi a limitação, por imposição legal, de contratações e reposições salariais, além da diminuição durante a pandemia do custeio por limitações durante a pandemia. Como resultado desses diferentes fatores, a Universidade tem atualmente um bom equilíbrio econômico-financeiro, mas seus membros, servidores técnico-administrativos e docentes, acumulam perdas salariais e aumento das atividades pela diminuição de pessoal.

4. Em que projetos vocês pensam aplicar essa economia realizada?

Após uma crise financeira e sanitária, com graves repercussões, é hora de nos preocuparmos com as pessoas, recuperar o poder aquisitivo de nossos servidores, que tem apresentado forte queda pelo aumento da inflação e repor perdas de pessoal. Outro importante investimento será na permanência estudantil, pois após um processo de inclusão é fundamental o suporte aos alunos e alunas, garantindo as condições necessárias para realizarem seus estudos com tranquilidade e com a real percepção de pertencimento em relação à Universidade.

5. O que a chapa USP Viva oferece diferente da outra chapa? Onde as chapas se distinguem?

As chapas se distinguem em muitos pontos. Salientamos a preocupação da gestão com as pessoas, o caráter humanístico e diversificado da proposta, a presença de diálogo permanente, o afastamento das decisões de gabinete, a ênfase nas atividades essenciais em substituição ao domínio burocrático-administrativo, a abertura externa da Universidade em todos os níveis e a visão abrangente de pesquisa

6. Quais são os três pontos mais fortes e os três mais fracos da USP hoje?

A USP é, hoje, um grande organismo administrativo, que torna as suas decisões lentas e morosas. As sociedades contemporâneas se movem com tal celeridade que exigem tomada de decisões rápidas. Especialmente nesse ponto, a USP tem que mudar. Se as políticas sociais foram importantes, de outro lado, as políticas de permanência são fragmentadas em órgãos específicos, o que não apenas aprofunda a lentidão das respostas, mas, sobretudo, não conformam um todo de partes integradas. A política de permanência, combinada ao conjunto das políticas de inclusão, é uma das propostas altamente inovadoras do Programa, que propõe a construção de uma Pró-Reitoria, com ampla participação, para esse fim. Dentre os pontos positivos pode-se ressaltar o equilíbrio orçamentário construído ao longo desses anos, não obstante a sua característica de ter diminuido ao limite os salários de docentes e funcionários. A Universidade tem perdido quadros importantes e, a curto prazo, se não houver uma gestão adequada, é de se prever uma perda de qualidade.

7. Quais são as duas maiores ameaças para a USP e as duas maiores oportunidades por conta do momento em que vivemos?

Todo momento de crise é também momento de mudança e de projetos criativos. Nenhuma instituição será igual no período pós pandemia, pois as mudanças sociais serão de grande vulto. A Universidade deve encontrar saídas criativas em prol de uma estrutura curricular mais adequada à mudança dos tempos, com preocupação multidisciplinar e que devam agregar diferentes conhecimentos. Os anos vindouros exigirão uma formação múltipla, abrangente e que crie condições para que os estudantes possam responder criativamente aos desafios, muitas vezes ainda não formulados. No entanto, é de conhecimento da comunidade que as instituições públicas de ensino e pesquisa, além das agências de financiamento e organismos da cultura estão sob permanente ataque. Como é possível responder criativamente, resposta tão necessária no presente, quando as energias são gastas com as necessidades de responder aos ataques e de resistir à desqualificação? Nesse aspecto, em especial, a Universidade deverá agir na direção de resistir às medidas de cortes orçamentários para as áreas de educação e de ciência e tecnologia. Durante a pandemia a sociedade percebeu a importância da ciência para resolver problemas, em diferentes áreas, entendemos que esta é uma oportunidade para tornarmos esta percepção permanente e possamos oferecer mais soluções para áreas como saúde, meio ambiente, agricultura, segurança, qualidade de vida e outras.

8. Para conhecimento da sociedade: o que é e como está a política de permanência?

A USP tem várias iniciativas ligadas às políticas de permanência. Apesar disso, elas são fragmentadas, insuficientes e comumente atuam de forma isolada. Fundamental será organizá-las num todo integrado, sobretudo desenvolver ações em setores hoje essenciais, a exemplo da saúde mental, problema urgente e que foi agravado na pandemia. Entre nós se manifesta de forma particular, a exemplo da sua relação com a desigualdade social, étnica e de gênero, questões que tendem a aprofundar o desconforto psicológico.

9. O que falta para a USP estar entre as 50 melhores universidades nos rankings mais proeminentes?

A USP encontra-se entre as mais respeitáveis e prestigiosas universidades do mundo. Ter chegado a essa condição a torna um patrimônio inestimável. Nossa proposta prevê mudanças curriculares importantes, aperfeiçoando o ensino, favorecendo que tenhamos egressos com pensamento crítico, que saibam buscar o conhecimento durante suas carreiras profissionais, que mostrem flexibilidade e capacidade de resolver problemas. Em relação à pesquisa e inovação estimularemos a formação de grupos de pesquisa interdisciplinares, com laboratórios trabalhando integrados e respondendo a perguntas relevantes e na fronteira do conhecimento. Estes fatores citados acima são importantes elementos analisados nos rankings internacionais. O objetivo não deve ser "subir" nos rankings, mas ter excelência e por consequência ser bem avaliado.

10. Uma universidade com o número de alunos da USP consegue ser uma universidade de excelência?

Nem todas as universidades no mundo conseguem manter formação de massas e excelência em pesquisa. A USP, a mais prestigiosa instituição da América Latina, é exemplo incontestável da possibilidade de realizar tal junção, revelando que não existe oposição entre formação socialmente abrangente e qualidade científica.

11. Quais os projetos que a chapa tem para o USP Mulheres?

A busca de equidade de gênero é um dos lemas do programa. A Universidade para ser verdadeiramente inclusiva precisa promover políticas que enfrentem as desigualdades. A de gênero é uma delas e iniciativas nesse sentido serão ampliadas, outras aprimoradas, em busca de uma instituição verdadeiramente respeitosa com as diferenças e internamente inclusiva. Atualmente existe equilíbrio de gênero na graduação e na pós-graduação, mas no corpo docente e nos cargos de liderança acadêmica a diferença é significativa, o desafio é tornar o ambiente acadêmico amigável para as mulheres, para que todos e todas possam fazer parte dele. Para exemplificar podemos citar a maternidade, período em que ocorre diminuição natural das atividades acadêmicas, mas muitos regramentos não a consideram, exigindo que a produção acadêmica seja a mesma durante este período.

12. Qual é a evasão média hoje na USP? Quais as unidades que mais sofrem com a evasão?

A evasão tem várias causas, entre elas ausência de políticas diversificadas de permanência, de mobilidade curricular, de uma formação comumente engessada, que possa se ajustar à mudança de interesse dos estudantes. Propomos o levantamento minucioso da incidência da evasão, os motivos e razões que respondem por isso. A evasão caracteriza-se, pois, por ausência de iniciativas para dirimir a sua incidência, sendo, em suma, perda de recursos públicos. Nos últimos anos, na graduação, o número de ingressantes é de aproximadamente 11.100, e de concluintes cerca de 8.000, esses números, como dito anteriormente, serão estudados e propostas para a evasão serão discutidas com a comunidade.

13. Quais são as cinco metas que a chapa considera as mais significativas?

São cinco os pontos mais relevantes: gestão para as pessoas; ensino de qualidade e inclusivo; pesquisa de excelência e inovação; universidade transparente; compromisso social.

14. Qual é uma universidade no mundo que mutatis mutandis a USP pode utilizar como referência?

A USP distingue-se por sua diversidade em termos de formação e de pesquisa, não existe um modelo pré-definido para seguirmos, pois as realidades são muito diferentes entre os países, seria um erro importar um modelo do exterior, mas certamente um olhar internacional para iniciativas exitosas está sendo realizado, e como implementá-las na USP. O importante é estabelecermos vínculos para a cooperação e o desenvolvimento de relações com instituições internacionais e nacionais de ponta.

15. Qual a proposta para a carreira dos servidores?

É fundamental, sendo um dos nossos compromissos, retornar a progressão da carreira dos servidores e aperfeiçoá-la, permitindo a valorização de todas as atividades realizadas. Nunca é demais lembrar que o corpo administrativo é parte integrante e fundamental da qualidade das atividades desenvolvidas na Universidade, Além do mais, a carreira funcional é uma demanda justa e necessária.

16. Haverá concurso para suprir vagas de professores? Quando? Qual é o déficit hoje no somatório de todas as unidades?

A recém crise financeira e a suspensão de contratações durante a pandemia a Universidade resultou em importante déficit de docentes, considerando dados históricos da Universidade este número deve ser de aproximadamente 600 a 700 docentes, e muitas vezes concentrados em alguns departamentos e unidades, prejudicando as atividades-fim, a reposição destes docentes é urgente, portanto a contratação de docentes deverá ser retomada e mantida ao longo dos quatro anos da gestão, seguindo plano consensualmente acordado com as unidades de ensino e pesquisa e os órgãos centrais da reitoria, esta metodologia permitirá transparência ao processo. A mesma posição será tomada em relação aos servidores técnicos-administrativos. Devemos lembrar que os salários estão muito defasados em relação, por exemplo, às instituições federais. Muito deverá ser feito, por meio de diálogo, acordos e consensos nessa área, evitaremos posturas personalistas.

17. A USP pode sonhar um dia em ter um prêmio Nobel ou isso está muito distante?

Todas as instituições importantes, como a USP, estão perfeitamente habilitadas. No caso de São Paulo, a FAPESP é um trunfo fundamental nessa direção. Temos pesquisas e pesquisadores de qualidade e instituições de cultura pujantes.

18 - Qual é o maior sonho que a chapa USP Viva pretende realizar para a sociedade brasileira?

A chapa USP VIVA volta os seus olhos para o nosso país e o seu programa se construiu a partir de um diagnóstico do Brasil contemporâneo. Ela tem uma proposta civilizatória, repleta de apostas em relação ao futuro e generosa socialmente, sem se descuidar da nossa função inalienável em produzir ciência de excelência, em todas as áreas. Ela se diferencia pela compreensão do caráter universalista da vida universitária, no qual a ciência experimental e as pesquisas humanísticas, culturais e artísticas, possuem o mesmo estatuto. O conhecimento e a educação são concebidos na direção do bem comum. É um programa abrangente, haja vista a própria diversidade disciplinar dos principais responsáveis, mas que se alimenta da alegria derivada na crença em um futuro repleto de esperanças, a ser construído com ousadia e coragem.