Dois anos após enchentes, AL e PE entregam só 7% das casas e têm reconstrução longe do fim
O dia 18 de junho de 2010 ainda permanece vivo na memória dos moradores da zona da mata de Alagoas e Pernambuco. Naquela data, as chuvas registradas no agreste pernambucano elevaram os níveis dos rios Una, Mundaú e Paraíba e de seus afluentes e causaram uma das maiores tragédias naturais da história do Nordeste. Foram 47 mortes, 150 mil desabrigados ou desalojados e 30 mil casas destruídas, além de mais de 3.000 quilômetros de vias públicas arrasadas. As enxurradas levaram 26 municípios a decretar estado de calamidade pública nos dois Estados.
Dois anos após a tragédia, o UOL visitou sete das cidades mais atingidas em Alagoas e Pernambuco e constatou que, apesar das promessas e esforços das autoridades, a construção das novas casas e prédios públicos anunciadas ainda está longe de ser concluída. Os novos conjuntos habitacionais seguem em obras, e das 34,5 mil casas em construção, apenas 2.653 (ou 7,6% do total) foram entregues.
Cidades de Alagoas atingidas pela enchente em 2010 e visitadas pela reportagem do UOL
A partir de hoje e até terça-feira (19), uma série de reportagens vai mostrar como foi o recomeço de quem perdeu tudo e mudou radicalmente de vida. Nas cidades atingidas, muitas das vítimas continuam vivendo em áreas de risco e investiram para reconstruir nos mesmos locais devastados há exatos dois anos. Em União dos Palmares (73 km de Maceió), por exemplo, ainda há desabrigados vivendo em barracas de lona. Em todas as cidades visitadas há relatos de improvisos, e, na maioria dos casos, o comércio ainda tenta se reerguer.
Segundo os governos estaduais, foram investidos mais de R$ 3 bilhões na reconstrução das casas, prédios públicos e vias destruídas. As obras de infraestrutura já foram praticamente concluídas e entregues à população. O problema está na finalização das escolas, unidades de saúde e casas para as vítimas das cheias.
O prazo inicial para construção das casas era de um a dois anos. Mas o cronograma não foi seguido e ainda está longe do fim. Problemas como chuvas durante as obras, falta de mão de obra, demora na localização e desapropriação de terrenos e problemas com construtoras (algumas abandonaram obras) foram os principais entraves apresentados pelos governos para justificar o atraso.
Em Alagoas, das 17.647 casas em construção, 1.680 foram entregues (9,5% do total). Outras 15.967 estão em obras em andamento, sendo que pelo menos mil estão concluídas à espera da finalização do cadastro, que deve ser enviado pelas prefeituras à Caixa Econômica com os nomes dos moradores. Segundo a Secretaria de Estado da Infraestrutura, a expectativa é de entregar mais dez mil casas até o fim do ano.
Relembre a tragédia
- Chuva causa destruição em Alagoas; uma pessoa está desaparecida
- Calamidade pública é decretada em 15 cidades de Alagoas; 1.087 estão desaparecidos
- Governo federal libera R$ 100 milhões para vítimas da chuva no Nordeste
- Estandes e módulos pré-montados se transformarão em postos de saúde provisórios em Alagoas
- Três meses depois, 90% dos desabrigados de AL superlotam abrigos e esperam por barracas
Recuperações a fazer
Em Pernambuco, são 16.853 casas estão em construção, com percentual ainda menor de entrega: 5,7% (973 casas). Segundo a Companhia Estadual de Habitação e Obras, existem obras em 24 municípios, mas não foi informado prazo de conclusão.
Na infraestrutura danificada, o DER (Departamento de Estradas e Rodagens) de Alagoas informou que foram planejadas 210 obras, sendo que 205 delas já foram concluídas e apenas cinco estão sendo finalizadas. As obras incluíram recuperação e reconstrução de pontes, rodovias, estradas vicinais e vias urbanas. Já em Pernambuco, a maioria das obras também já foi entregue, mas ainda existem grandes recuperações, como pontes em obras em Barreiros (108 km do Recife), assim como está a dragagem do rio Una. Não foi informado o percentual concluído.
Na área da saúde, Pernambuco informou que dos cinco hospitais destruídos, quatro ainda estão sendo reconstruídos. Eles vão atender às cidades de Barreiros, Cortês (105 km do Recife), Água Preta (132 km do Recife) e Jaqueira (151 km do Recife), e a promessa é de entregar os prédios até o final deste mês.
Em dezembro de 2011, o Hospital Regional de Palmares (127 km do Recife) foi inaugurado, reconstruído em nova área. Já Alagoas disse que das 19 unidades básicas de saúde destruídas, duas já foram entregues. O órgão promete para o final de 2012 a entrega de todas as obras da reconstrução, sendo que 60% delas já estão em fase final de conclusão.
Na área de educação, estava prevista a construção de 77 escolas nos dois Estados, sendo que apenas 16 (todas em Alagoas) foram entregues até o momento. Pelo menos 50 das demais escolas ainda não tiveram início de obras e esperam detalhes burocráticos.
Cidades pernambucanas afetadas pelas chuvas de 2010 e visitadas pela reportagem do UOL
Em barracas
Em União dos Palmares (73 km de Maceió), cerca de 50 famílias ainda vivem em barracas montadas em um acampamento improvisado na comunidade Muquém, na zona rural. O acampamento reúne famílias descendentes de escravos foi montado a poucos metros do conjunto residencial que está sendo construído, mas que ainda está em fase intermediária de obras.
“Viver dois anos numa situação dessa é muito difícil. Não tem como ninguém dormir à tarde porque o calor é insuportável. As crianças todas ficam irritadas com isso”, disse a moradora Jaqueline Francisco da Silva, 25. Diante da demora, alguns moradores não suportaram o calor e construíram casas de barro. Os moradores alegam que não recebem mais as quentinhas como almoço, que foi cortado no início do ano.
Para garantir a comida, a comunidade também construiu pequenas casas de barro, onde colocaram fogão, geladeira e utensílios para fazer a comida. Além da moradia improvisada, os moradores dizem que ainda são obrigados a pagar pela água que recebem para abastecimento.
No dia da visita da reportagem do UOL, a sujeira tomava conta do local, com o chão do banheiro masculino coberto por papel higiênico e fezes. “Antes as mulheres limpavam, mas como os homens não têm consciência, a gente deixou podridão, e eles que se virem”, afirmou Maria Rosimeire Nunes, 36, que não esconde a revolta com os próprios moradores do acampamento.
As enchentes em números
Segundo o coordenador da Reconstrução de Alagoas, José Thomaz Nonô, os moradores do acampamento permanecem em barracas porque não quiseram se mudar para as casas do conjunto, que foi parcialmente inaugurado na zona urbana de União dos Palmares e para onde foram levados os demais desabrigados da cheia no município.
Ainda segundo Nonô, as obras de habitação no Estado estão 80% concluídas, assim como 99% das obras de infraestrutura, o que aponta para um bom resultado da reconstrução. “Tivemos um resultado, na minha ótica, muito satisfatório. Estamos falando de 17 mil casas que foram reconstruídas, que tiveram diversos detalhes a serem observados”, disse Nonô
“Estamos à frente de Estados como Pernambuco e Rio de Janeiro, que viveram tragédias similares. Existem alguns gargalos, como as escolas e unidades de saúde, mas que envolveram também fatores ligados às construtoras, prefeituras e Caixa Econômica. Foi uma coordenação complexa, mas que desempenhou o papel da forma correta. Fizemos de um limão uma limonada, e ao final teremos cidades muito melhores do que eram antes das enchentes”, afirmou o coordenador da reconstrução em Alagoas.
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