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Para não passar por "Faixa de Gaza", alunos evitam aulas noturnas em prédio da UFRJ

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

22/09/2013 06h00

Os caminhos que levam à FND (Faculdade Nacional de Direito), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), no centro da capital fluminense, estão cada vez mais perigosos. Assaltos na região são rotina diária, enquanto o policiamento é mínimo. O número de roubos a transeuntes na área cresceu mais de 30% nos primeiros sete meses deste ano em relação ao mesmo período de 2012, o que tem feito os alunos evitarem aulas e palestras noturnas, além de andarem em grupo.

“A violência é democrática. Atinge alunos, professores, servidores, a qualquer hora do dia”, afirma o diretor da FND, Flávio Martins. A Praça da República, que fica na frente da entrada do prédio, passou a ser conhecida pelos estudantes como “a rua do passou, perdeu” ou como “Faixa de Gaza”.

A faculdade fica próxima à Central do Brasil e ao Campo de Santana, reduto de muitos moradores de rua e usuários de crack. A área é de responsabilidade do 5º Batalhão da PM (Polícia Militar) e da 4ª Delegacia de Polícia Civil (Praça da República).

Segundo o levantamento de incidências criminais no Estado divulgado mensalmente pelo ISP (Instituto de Segurança Pública), a região teve 107 roubos a transeunte registrados apenas no mês de julho –o mais recente disponível--, numa média de 3,45 por dia. O número representa 4,5% do total de ocorrências do tipo (2.373) contabilizadas na cidade em todo o mês.

Considerando as 647 ocorrências registradas na área da 4ª DP nos primeiros sete meses de 2013, a média é de 3,05 roubos por dia. O número é 3,92% do total da cidade no ano até o fim de julho (16.493). Em comparação com o mesmo período do ano passado, quando foram registrados 495 casos, o aumento foi de 30,7%. Nos primeiros sete meses de 2012, os assaltos no entorno da FND representaram 3,02% do total no município.

O estudante Daniel Gomes, 20, faz parte das estatísticas deste ano. Atualmente cursando o segundo semestre de direito, ele foi assaltado depois de sair de uma palestra na faculdade à noite.

“Eu estava indo para a Central [do Brasil] e dois moleques me abordaram. Um deles mostrou a arma de fogo. Levaram celular, mochila e carteira com todos os documentos”, conta.

A estudante paulista Fernanda Carlos, 21, saiu de São Paulo para estudar direito no Rio no começo do ano. Atualmente no segundo semestre, a jovem “estreou” no rol das vítimas da FND ainda quando caloura.

“Estava chegando na [avenida] Presidente Vargas com duas colegas quando um pivete veio e puxou minha corrente. Eu ainda tentei segurar, mas acabei entregando”, conta Fernanda, que não registrou boletim de ocorrência na polícia. “Achei desnecessário. Não teria efeito nenhum mesmo, ninguém nunca teve retorno.”

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O comerciante Roberto Sousa, 43, trabalha há oito anos na esquina da FND e já perdeu as contas de quantos assaltos já presenciou. “É sempre, todo dia. O pessoal da faculdade é vítima constante deles, principalmente as meninas”, disse.

Segundo Roberto, os assaltantes geralmente atuam em duplas ou trios. “A maioria é muito jovem. Eles metem a mão e saem correndo”, afirmou. E tudo acontece, segundo ele, longe dos olhos da PM: “só aparece polícia de vez em quando”.

“Vira e mexe, entra um aluno aqui chorando, nervoso, depois de ser assaltado. A gente vê os ladrões passarem correndo aqui na frente ou pra dentro do Campo de Santana”, conta um segurança da UFRJ que não quis se identificar. “Nos últimos tempos, tenho visto só dois PMs andando por aqui, circulando por essa área enorme [entorno do Campo de Santana].”

O UOL solicitou entrevista com o comandante do 5º BPM, mas a assessoria da Polícia Militar informou que ele não estaria disponível nesta semana. Em nota, a corporação informou que o tenente coronel Luiz Henrique Marinho, recém-empossado no cargo, implantou policiamento a pé com apoio de PMs do Regime Adicional de Serviço.

“Eles atuam em diversos pontos, entre eles a Faculdade de Direito, na Praça da República. O novo comandante do batalhão já está atuando para a redução dos índices e prisão desses criminosos”, diz a nota.

Também em nota, a Polícia Civil afirmou que todos os casos registrados estão sendo investigados pela 4ª DP para tentar identificar os autores.

Formação acadêmica é afetada

Para o diretor da FND, desde 2009 no cargo, o clima de insegurança em torno da faculdade reflete no comportamento dos alunos na faculdade. “Eu só posso responder pela segurança dos estudantes da porta pra dentro, mas alguns já deixaram de vir para a aula, e outros desenvolveram síndrome do pânico. A violência na região provoca um dano considerável na formação dos estudantes e no dia-a-dia da faculdade”, diz. “À noite, já sinto os corredores mais vazios.”

De acordo com o diretor, uma professora reagiu a uma investida e foi agredida. “Uma aluna veio aqui na sala da direção pedir remédio para passar no pescoço porque alguém tinha arrancado um cordão dela”, conta. “E, algumas semanas atrás, uma servidora veio se apresentar para trabalhar aqui e começaria no dia seguinte. Na saída, ela foi atacada e nunca mais voltou aqui, pediu para ser transferida”.

Flávio afirma que o problema é histórico, mas diz que sentiu o aumento no número de assaltos, principalmente nos últimos dois anos: “Em 1984, quando eu era aluno da FND, tive vários colegas que foram vítimas de assaltos. O que a gente tem percebido é que as autoridades são omissas com relação a essa questão.”

Há cerca de três meses, representantes da UFRJ e estudantes se reuniram com o então comandante do 5º BPM, que garantiu o aumento de policiamento em torno da FND e do IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais), também no centro.

Segundo o próprio diretor da faculdade e estudantes ouvidos pela reportagem, após a reunião, duas viaturas da PM passaram a ficar posicionadas no entorno do prédio. “Mas não durou muito tempo. No retorno do semestre, já não havia mais”, diz Martins.

O diretor acredita que o problema não é uma questão exclusivamente de polícia. “O Estado e o município deveriam intervir com ações sociais, dar assistência a essas pessoas, ou isso não vai ter fim. Vão reprimir um dia, e eles vão voltar no outro. A PM sozinha não vai resolver tudo”, diz. “Seria como cuidar apenas do sintoma e se esquecer da causa da doença. Mas, infelizmente, descer o sarrafo é mais fácil.”

Medo

Para evitar os assaltos, os alunos da FND deixam de participar de certas atividades da universidade e preferem sair em grupo. "Muitas vezes eu perco uma palestra ou não me matriculo em uma disciplina eletiva quando elas ocorrem à noite", diz Natalie Múrcia, 18. "Alguns professores alertam para a gente tomar cuidado."

Rodrigo Cavalcante, 18, que já sofreu tentativa de assalto, conta que às vezes leva um celular velho para entregar ao ladrão. Já Marina Branco, 20, diz que nunca sai sozinha da faculdade. "Nos horários de saída, eu sempre espero os colegas para a gente sair em grupos."

Em uma página que reúne estudantes da faculdade em uma rede social, são frequentes os relatos de vítimas de roubos. “Tudo isso gera um clima de medo”, afirma Caio de Souza Felipe, 19.

Na internet, existe uma petição pedindo mais policiamento no entorno da FND. Mais de 2.000 pessoas já assinaram.