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No RS, um terço dos 633 locais interditados após tragédia da Kiss segue fechado

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

25/01/2014 06h00

Um ano depois do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), pelo menos um terço dos 633 estabelecimentos interditados no Estado após a tragédia continua de portas fechadas, segundo dados da DTPI (Divisão Técnica de Prevenção Contra Incêndio) do Corpo de Bombeiros. As interdições desses estabelecimentos --423 conseguiram reabrir e 210 seguem fechados-- ocorreram por problemas em relação às condições de segurança contra incêndio e pânico. Na tragédia de Santa Maria, que completa um ano na segunda-feira (27), 242 pessoas morreram.

No período entre 27 de janeiro de 2013 e 21 de janeiro de 2014, os Bombeiros fecharam, em média, 52 estabelecimentos que trabalham ou trabalhavam com concentração de público --boates, casas noturnas e espaços de festas, entre outros-- por mês. Na comparação com o ano anterior, a média mensal de interdições cresceu 300%. Em 2012, de acordo com o DTPI, foram fechados por problemas de segurança contra incêndio e pânico apenas 156 estabelecimentos.

INFOGRÁFICO

  • Arte/UOL

    Clique na imagem e veja: os itens de segurança que podem evitar incêndios em casas noturnas

"As principais inconformidades são extintores despressurizados ou vencidos, sistema hidráulico de combate a incêndio inoperante, saída de emergência obstruída, iluminação de emergência inoperante, falta de sinalização de saída, falta de pessoal habilitado e treinado para operar os sistemas de proteção contra incêndio entre outros específicos. Uma das regiões com maior concentração de locais de reunião de público é a região metropolitana de Porto Alegre", afirmou o comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Eviltom Diaz.

Mais de 4.300 multas

Desde a tragédia da boate Kiss, o Corpo de Bombeiros gaúcho informou ter realizado, em todo o Estado, 6.789 inspeções e reinspeções em estabelecimentos de reunião de público com o objetivo de checar questões de segurança. Nesse período, foram expedidas 19.715 notificações de adequação, 19.206 advertências e 4.322 multas. O coronel Diaz informou ainda que, de todos os locais que sofreram interdições e/ou receberam advertências ou multas após o incêndio da boate Kiss, 1.076 estabelecimentos procuraram o DTPI a fim de regularizar a situação. Desses, 1.022 aguardam reinspeção para que as eventuais adequações sejam comprovadas.

Apenas em Santa Maria, palco da tragédia, foram realizadas mais de 5.000 vistorias, porém apenas um estabelecimento foi interditado pelo Corpo de Bombeiros --o comandante da corporação disse não ter autorização para divulgar informações sobre o local. Além disso, 121 estabelecimentos situados no município receberam notificações de adequação, 71 foram advertidos e 172, multados.

RELEMBRE

No dia 27 de janeiro de 2013, um incêndio de grandes proporções na boate Kiss, em Santa Maria (RS), deixou 242 mortos e mais de 600 feridos. A maioria das vítimas era jovem e universitária, e assistia ao show da banda Gurizada Fandangueira. O fogo começou por volta de 2h, depois que o vocalista do grupo usou um artefato pirotécnico que lançou faíscas para cima. O teto da boate, que continha uma espuma de isolamento acústico --material altamente inflamável--, acabou sendo atingido, dando início ao incêndio. Das 16 pessoas que foram denunciadas à Justiça como responsáveis pela tragédia, oito respondem criminalmente.

A Prefeitura de Santa Maria, por sua vez, informou ter realizado quase dez mil vistorias desde o incêndio na Kiss. Pelo menos oito estabelecimentos foram interditados por fiscais do órgão municipal, dos quais seis continuam ou estão fechados. Desses, cinco estão com o alvará de funcionamento suspenso pela Secretaria Municipal de Controle e Mobilidade Urbana.

Lei estadual

Apesar das interdições, a nova lei contra incêndios do Rio Grande do Sul --sancionada pelo governador Tarso Genro (PT) no fim do ano passado-- ainda não está sendo cumprida. A legislação tem o objetivo de estabelecer regras mais rigorosas em relação à fiscalização dos estabelecimentos que têm reunião de público, além de definir punições, competências, entre outras normas. As prefeituras terão um prazo de 12 meses para se adequarem às novas regras.

A medida --que está em vigor desde o dia 26 de dezembro-- foi aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa, mas o seu funcionamento só será possível a partir da criação do COESPPC (Conselho Estadual de Segurança, Prevenção e Proteção Contra Incêndio), definido como "órgão superior normativo e consultivo" para assuntos referentes à prevenção de incêndios. Ainda não há previsão sobre quando o conselho sairá do papel.

O QUE MUDA?

  • Germano Roratto/Agência RBS

    Antes, os projetos de prevenção contra incêndios consideravam apenas o tipo de atividade e dimensões como área e altura. A nova lei obriga que os estabelecimentos também levem em conta o controle de acesso e a lotação máxima, entre outros. Ela determina ainda que as prefeituras não poderão conceder alvarás de funcionamento sem que o Corpo de Bombeiros tenha expedido o Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndios. Nos eventos com mais de 200 pessoas, torna-se obrigatória a presença de brigadistas de incêndio.

Interdições em outros Estados

No Rio de Janeiro, outro Estado cujo Corpo de Bombeiros encaminhou ao UOL dados sobre o trabalho de fiscalização, 391 estabelecimentos onde há concentração de público foram interditados após a tragédia de Santa Maria. Os militares realizaram, desde então, mais de dez mil vistorias, segundo o comandante-geral da corporação, coronel Sérgio Simões, e mais de 7.500 locais foram notificados por irregularidades relacionadas a questões de segurança contra incêndio e pânico. Bombeiros de São Paulo, de Pernambuco, de Minas Gerais e do Distrito Federal não responderam aos questionamentos da reportagem.

Operação "Herói de Fogo"

  • Divulgação/Procon-RJ

    Entre os dias 8 e 10 de janeiro deste ano, o Procon-RJ realizou a operação "Herói de Fogo" para fiscalizar boates e casas noturnas. Os agentes fecharam 16 dos 68 estabelecimentos vistoriados, entre os quais a boate Ritmo da Lapa (foto). Além disso, 42 locais foram multados ou parcialmente interditados. Apenas 12% dos locais não apresentaram irregularidade alguma. MAIS

A Secretaria Municipal de Mobilidade do Recife informou estimar que cerca de 80% dos estabelecimentos de reunião de público funcionavam sem alvará no ano passado. Após o incêndio na Kiss, o órgão aprovou um decreto que estabelece vistorias semanais, além de obrigar os empresários a assinar um termo de responsabilidade. Desde então, 17 estabelecimentos foram interditados e multados, dos quais quatro continuam fechados. As multas aplicadas totalizaram R$ 110 mil.

Já a Agefis (Agência de Fiscalização) do Distrito Federal informou que, nos últimos 12 meses, 151 estabelecimentos foram interditados no Estado, dos quais 33 eram boates. A agência estima que 40% dessas casas noturnas reabriram após cumprirem as exigências estabelecidas pelo Corpo de Bombeiros, 25% estão em processo de regularização, 25% funcionam amparados por liminares e 10% permanecem fechados ou encerraram suas atividades. Até o mês de novembro de 2013, no total, o órgão estadual informou ter realizado 538 ações de fiscalização, que resultaram em 103 autuações --representando cerca de R$ 200 mil em multas-- e 79 notificações de adequação.

Certificado vencido

A relação dos locais que possuem o CR (Certificado de Registro) do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro --emitido quando o espaço é projetado para eventos com reunião de público-- mostra que, até o dia 17 de janeiro, pelo menos 70 estabelecimentos estavam com o documento fora da validade no Estado. No dia 22 de janeiro, a reportagem do UOL fez nova consulta à listagem, e observou que as informações referentes a dez locais foram atualizadas --ou seja, os certificados foram renovados--, e dois estabelecimentos foram retirados da lista.

O que é o CR?

Para as edificações de reunião de público, existe esse terceiro documento que nada mais é do que o monitoramento daquelas exigências e medidas de segurança previstas no Laudo de Exigências. É a manutenção anual. Se há uma atividade de reunião de público, o estabelecimento tem que ter o CR. Eu quero ressaltar, porém, que se ele tem o Certificado de Aprovação e não tem o Certificado de Registro, trata-se de uma questão formal. Precisamos levar em consideração que a edificação já foi aprovada, mas ela precisa dessa renovação formal, que é importante. Enfim, se ela realmente não tem o CR, significa que ela não renovou e precisa renovar

Coronel Roberto Fontenelle, diretor-geral de Serviços Técnicos do Corpo de Bombeiros do Rio. Antes de obter o CR, o interessado precisa receber o Laudo de Exigências, emitido ou não após vistoria técnica, e o Certificado de Aprovação. Os dois documentos têm validade eterna desde que não sejam feitas alterações estruturais na edificação

Na listagem, quatro boates apareciam com o Certificado de Registro vencido: Itashow (em Itaboraí, na região metropolitana do Estado), que encerrou as suas atividades recentemente; Nuth (na Barra da Tijuca, zona oeste da capital fluminense), cujo CR venceu no dia 22 de outubro do ano passado; Majestade Show (na Lapa, região central da cidade), que está com o CR vencido desde o dia 7 de novembro de 2013; e The One (em Paraty, no litoral oeste do Estado), cujo documento era válido até o dia 7 de janeiro desse ano.

"Isso enseja uma preocupação, pois são locais de reunião de público, e esse tipo de local é sempre uma prioridade. (...) Vou verificar se realmente existe alguma notificação, pois já isso já deveria ter acontecido, para que possarmos dar prosseguimento e exigir a renovação desses certificados", disse o coronel Roberto Fontenelle, diretor-geral de Serviços Técnicos do Corpo de Bombeiros do Rio.

Em nota, o departamento de comunicação e marketing da Nuth informou que, de fato, ainda não recebeu "o certificado e isso será averiguado junto ao órgão responsável". A boate informou ainda ter entregue toda a documentação necessária antes do vencimento, e que está em processo de "reestruturação e mudança do do layout interno e fachada". Já os responsáveis pelas boates Majestade Show e The One não foram localizados.

TEATROS DA FUNARTE NÃO RENOVARAM

  • Divulgação/Funarte

    Os teatros Dulcina (à esquerda), Glauce Rocha (centro) e Cacilda Becker (dir.) estão na relação de estabelecimentos cujos Certificados de Registro venceram em 2013. Segundo a Funarte, os documentos não foram renovados em função de "diversas modificações na legislação" do Corpo de Bombeiros. O órgão informou ainda estar "aguardando a entrega de laudos técnicos" para que a situação regularizada. "Durante o mês de fevereiro já estaremos com a documentação em ordem", informou a Funarte.

O prédio da Bolsa de Valores do Rio também consta com o documento fora da validade desde o dia 11 de julho de 2013. A administração predial informou ter encaminhado ao Corpo de Bombeiros um projeto para unificar os procedimentos de combate a incêndio e sinalização de emergência, uma vez que o prédio foi construído em duas etapas --uma em 1996 e outra em 2002. O documento foi protocolado no dia 17 de outubro de 2013, segundo o gerente-geral da edificação, Décio Ferreira, mas ainda não houve resposta por parte do Corpo de Bombeiros. "No momento, o projeto ainda está em análise", afirmou ele.