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"Brasil é o grande alvo dos EUA", diz jornalista que obteve documentos de Snowden

Jornalista do "Guardian", Glenn Greenwald participou de audiência pública no Congresso em agosto - Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados
Jornalista do "Guardian", Glenn Greenwald participou de audiência pública no Congresso em agosto Imagem: Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados

Guilherme Balza

Do UOL, em Brasília

04/09/2013 06h00

O jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que revelou os documentos secretos obtidos por Edward Snowden, disse em entrevista por telefone ao UOL que o Brasil é o maior alvo das tentativas de espionagem dos Estados Unidos. "Não tenho dúvida de que o Brasil é o grande alvo dos Estados Unidos", disse o jornalista, que promete trazer novas denúncias. "Vou publicar todos os documentos até o último documento que deva ser publicado. Estou trabalhando todo dia."

Greenwald revelou esta semana, em reportagem em conjunto com o programa "Fantástico", da TV Globo, que o governo americano espionou inclusive os e-mails da presidente Dilma Rousseff e de seus assessores próximos.

Snowden era técnico da NSA, a agência de segurança americana, e revelou ao jornal britânico "The Guardian", onde Greenwald é colunista, o escândalo de espionagem norte-americano.

O governo brasileiro já cobrou uma resposta formal e por escrito à Casa Branca. Em nota, o Departamento de Estado americano disse na terça-feira (3) que "responderá pelos canais diplomáticos" aos questionamentos do Brasil. O departamento não comenta publicamente as denúncias, mas afirma que os EUA "sempre deixaram claro que reúnem inteligência estrangeira". Para o jornalista, o Brasil tem de dar uma resposta "enérgica" e "menos vaga" aos EUA.

Segundo Greenwald, o que motiva os EUA a espionar até mesmo aliados é o desejo por poder. "Sempre que os Estados Unidos estão fazendo espionagem o poder deles aumenta muito. Então, para saber tudo o que eles querem fazer, coletam tudo o que for possível. Mas com certeza é para obter vantagens industriais e também por questões de segurança nacional."

O jornalista mora no Brasil e namora um brasileiro, David Miranda, que foi parado pela polícia britânica e interrogado por nove horas, quando voltava de Berlim para o Rio de Janeiro no último dia 18.

Leia abaixo a entrevista de Greenwald ao UOL:

UOL - O que o senhor tem achado da posição da diplomacia brasileira após as últimas denúncias de espionagem contra a presidente Dilma Rousseff e assessores?
Glenn Greenwald - A questão é se vai ser convertido em ação [a reação do governo brasileiro] ou se eles vão ficar expressando isso com palavras e nada vai acontecer. Vamos ver.

Que tipo de medida, de ação, o governo brasileiro poderia tomar diante dessas denúncias?
Há várias coisas que eles podem fazer para tentar encontrar a solução, para mostrar aos Estados Unidos que eles estão preocupados com as denúncias de espionagem. Não sei se eles vão querer fazer isso ou se só estão mostrando ao povo que estão zangados. Acho que o ponto mais importante é o povo pressionar o governo brasileiro para fazer alguma coisa real contra essa invasão.

Esses documentos secretos mostram que houve espionagem, além do Brasil e do México, da presidente Dilma e do presidente do México [Enrique Peña Nieto], de outros líderes mundiais?

Sim, mas esses documentos foram extremos para mim porque se dirigem pessoalmente e especificamente [aos presidentes]... Os alvos foram esses dois líderes, de maneira pessoal. E tem outros governos que os Estados Unidos estão fazendo espionagem, claro. Há artigos que já escrevi com invasões [virtuais] de embaixadas ou consulados, coisas assim. Mas esse foi o primeiro artigo publicado em que a espionagem se dirige muito pessoalmente a líderes democráticos como alvo muito forte. Não estou falando que não tenham outros [líderes espionados], mas com certeza, até agora os dois [Dilma e Peña Nieto] foram os únicos [espionados] assim.

O senhor pretende buscar nesses documentos informações sobre outros líderes ou mesmo novas informações com relação ao Brasil?
Com certeza. Eu vou publicar todos os documentos até o último documento que deva ser publicado. Estou trabalhando todo dia para analisar mais documentos. Não tenho dúvida de que o Brasil é o grande alvo dos Estados Unidos. Talvez tenham outros líderes que eles estão fazendo isso, mas é raro fazer isso com aliados, países amigos, como Brasil e México. Eles têm muito interesse no Brasil por várias razões. Acho que tem outros países, mas o Brasil é um dos principais.

Poderia citar alguns outros países que foram espionados?
Estou trabalhando com outras organizações. Já tive muita coisa publicada sobre como os Estados Unidos fizeram espionagem contra a Alemanha, contra o governo da União Europeia, mas em breve vão ter [denúncias de espionagem] de outros países também.

Além de obter vantagens comerciais, o senhor vê alguma outra motivação para essa espionagem?
A espionagem dá muito poder. Todos os governos, na história, que quiseram controlar o mundo, controlar a população, usam a espionagem para fazer isso. Quando você sabe muito sobre o que outros líderes estão pensando, planejando, comunicando, você pode controlá-los muito mais porque você sempre sabe o que eles estão fazendo. O motivo é o poder. Sempre que os Estados Unidos estão fazendo espionagem, o poder deles aumenta muito. Além disso, o sistema brasileiro de telecomunicação, como é um alvo grande, um alvo forte, eles podem coletar dados de comunicações de muitos outros países. Por exemplo, se tem alguém na China que está mandando e-mails para alguém na Rússia, muitas vezes pode atravessar o sistema do Brasil. Na internet funciona assim. Então, para saber tudo o que eles querem fazer, coletam tudo o que for possível. Mas com certeza é para obter vantagens industriais e também por questões de segurança nacional.

Nos documentos que o senhor tem em mãos, em algum deles aparece o conteúdo das interceptações?
O programa que eles usaram contra a Dilma com certeza coletou o conteúdo dela. Mas não tenho mensagem específica como tive com o presidente do México porque eles só mostraram exemplos de como o sistema está funcionando. Com certeza eles estão coletando não só os metadados [dados sobre os vetores de comunicação, mas não sobre o conteúdo destas] mas o conteúdo também, como publicamos.

O senhor teme sofrer alguma retaliação por conta dessas novas denúncias?
Tem muitos políticos que estão ameaçando, pedindo para que me prendam, falando que sou criminoso. Há debates na televisão sobre se eu sou jornalista ou criminoso. Meu advogado recomenda que eu ainda não volte para os Estados Unidos até que eles possam resolver tudo. Acontece com meu companheiro na Inglaterra, que ficou detido por nove horas. Quando você faz jornalismo contra facções mais poderosas eles vão te atacar. Eu sabia que iria acontecer, mas não vou parar nem um pouco por causa disso.

O que o senhor espera do governo americano? Que resposta eles podem dar diante dessas denúncias?
O governo dos Estados Unidos está muito arrogante com países que eles julgam mais fracos. O único jeito que o país pode ter o respeito dos Estados Unidos é mostrar força para defender seus direitos. O governo norte-americano acha que se o Brasil não está encarando com seriedade, fazendo coisas e agindo de maneira séria, eles não vão respeitar o governo brasileiro. O governo americano pode dar uma explicação menos genérica, e mais direta, interessante, se o Brasil for mais enérgico, menos vago.

O senhor tem se comunicado com Edward Snowden com qual frequência?
Mais ou menos todos os dias.

Ele tem lhe passado novas informações?
Estamos sempre discutindo o fato que está sendo criado com as divulgações dele, mas todos os documentos ele me deu em Hong Kong (China). Quando ele chegou à Rússia, não me deu mais documentos. E acho que ele não pretende dar mais documentos a ninguém porque ele tem esse acordo com o governo russo para não vazar mais documentos. Todos os documentos ele já me deu.