Restaurar natureza tomada por lama é impossível; rio Doce pode desaparecer
Os danos ambientais causados pela passagem da enxurrada de lama, provocada pelo rompimento de barragens da Samarco em Mariana (MG), foram drásticos, e a restauração total é tida como impossível, segundo ambientalistas ouvidos pelo UOL.
A lama "cimentou" o bioma e pode até ter causado a extinção de animais e plantas que só existiam ali --a natureza local morreu soterrada.
Além disso, a bacia do rio Doce ficou vulnerável e terá de criar um novo curso.
É uma catástrofe, não há como dimensionar os danos, restaurar será impossível
Beatriz Missagia, membro de pesquisa sobre a biodiversidade da Mata Atlântica do médio rio Doce.
A flora e a fauna dos rios Gualaxo do Norte e Doce nunca mais serão as mesmas."A perda de habitat é enorme, e o dano provocado no ecossistema é irreversível", explica o ambientalista Marcus Vinicius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão, que monitora a atividade econômica e seus impactos ambientais nas bacias hidrográficas dos principais rios mineiros pela Universidade Federal de Minas Gerais. "Qualquer ação a ser tomada agora é para mitigar os efeitos do impacto da lama."
Segundo o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), estima-se que foram lançados 50 milhões de m³ de rejeito de mineração (o suficiente para encher 20 mil piscinas olímpicas). A lama atingiu diretamente o Gualaxo do Norte, afluente do rio Doce. A enxurrada avança pela calha do Doce, que corta cidades de Minas Gerais e Espírito Santo até desaguar no oceano Atlântico.
O grande montante de lama com rejeitos de minério de ferro e manganês está bloqueando o curso natural dos rios. Com isso, a água corrente começa a buscar alternativas para fluir, e a escolha pode não levar a um final feliz.
O novo caminho pode levar os rios à extinção. "Existe a possibilidade de o rio perder força e se dividir em lagoas", diz Missagia.
As lagoas também podem morrer. "Além dos minérios de ferro, a lama trouxe consigo esgoto, pesticidas e até agrotóxicos das terras por onde passou. Essas substâncias aceleram a produção de algas e bactérias, que rapidamente cobrirão as lagoas, formando um tapete verde que impede a fotossíntese dentro d'água. Se não há fotossíntese, não há oxigênio. Sem oxigênio os animais, vegetais e bactérias não têm chance de sobreviver”, explica.
De maneira alguma a natureza conseguirá retirar a lama sozinha
Alberto Fonseca, professor do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Ouro Preto.
Lama só sairá com retroescavadeira
Logo quando as barragens romperam um plano devia estar sendo desenhado, defende a coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro. "A lama é densa, não será diluída, só sairá de onde está com retroescavadeiras. Como os rios ficarão enquanto isso?"
Os ambientalistas concordam que o acidente também pode ter sido responsável pela extinção de parte da fauna e flora local.
Além disso, por conter ferro, a lama por si só já derruba os níveis de oxigênio e altera o PH da água.
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) multou a mineradora Samarco em pelo menos R$ 250 milhões pelo rompimento de duas barragens. A multa abrange as seguintes infrações: poluir rios, tornar áreas urbanas impróprias para a ocupação humana, causar interrupção do abastecimento público de água, lançar resíduos em desacordo com as exigências legais, provocar a morte de animais e a perda da biodiversidade ao longo do rio Doce, colocando em risco a saúde humana.
"Morreram todos os peixes"
Barro que impede a navegação, milhares de peixes mortos, mau cheiro invadindo a cidade. É esse o cenário narrado por um pescador esportivo do rio Doce em Governador Valadares (MG). “O que tinha de vida foi embora”, diz José Francisco Silva de Abreu, empresário e presidente da Associação de Pescadores e Amigos do Rio Doce.
Segundo o pescador esportivo, é possível ver nas margens do rio sinais da luta pela vida. “Na agonia de achar oxigênio, os peixes subiram barrancos, rãs fugiram da água. Tinha um monte de cascudo [espécie de peixe] com a cabecinha na pedra, procurando oxigênio, um do lado do outro. Parecia um estacionamento de carros visto de longe”, conta.
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