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Processo de impeachment de Dilma pode ser comparado ao de Collor?

Semelhanças desiguais: Collor e Dilma tiveram seus mandatos questionados em meio a crises políticas e econômicas, mas por motivos diferentes - Arte UOL
Semelhanças desiguais: Collor e Dilma tiveram seus mandatos questionados em meio a crises políticas e econômicas, mas por motivos diferentes Imagem: Arte UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

07/12/2015 06h00

Crise econômica, baixa popularidade e mobilização nas ruas são algumas das semelhanças entre os processos de impeachment do então presidente Fernando Collor (PTB), em 1992, e o pedido que a presidente Dilma Rousseff (PT) enfrenta atualmente.

No entanto, os grupos políticos que deflagram os processos não são os mesmos. O pedido de impeachment contra Dilma foi encabeçado pela oposição ao seu governo, enquanto o ex-presidente teve o processo deflagrado por organizações da sociedade civil.

E, apesar de a corrupção permear os dois momentos políticos, Collor foi acusado diretamente de ser beneficiado por dinheiro ilícito, já Dilma é questionada por sua administração, principalmente, pelas "pedaladas fiscais".

A relação com o Congresso Nacional foi o calcanhar de Aquiles de ambos, enquanto Collor não tinha base e se respaldava em sua “tropa de choque”, Dilma tem uma base maior, mas frágil em seu apoio. 

O UOL ouviu especialistas e pessoas que participaram do processo de 1992, que resultou na renúncia de Collor da Presidência da República.

Em 1992, o pedido de processo de impeachment aceito pela Câmara foi encabeçado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Marcelo Lavenere Machado era o presidente da OAB e subescreveu com Barbosa Lima Sobrinho (então presidente da ABI) o pedido. Para ele, as diferenças começam ainda nos pedidos.

“O pedido de 1992 não refletia nenhuma posição partidária, não era uma opção política de desqualificar o governo. O movimento pela ética na política contava com todas as entidades, e a população brasileira foi para as ruas espontaneamente”, afirmou.

O pedido aceito pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na quarta-feira (2), foi apresentado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Conceição Paschoal.

Segundo Machado, o pedido deles é diferente porque não teria apoio de entidades, como há 23 anos. “Não se vê nenhuma entidade séria, como OAB, CNBB (Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros) , Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas], UNE [União Nacional dos Estudantes) e UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas). Naquela época, a maçonaria, as câmaras de lojistas apoiaram; todos os partidos apoiaram, não teve bancada que não apoiou”, afirmou.

O advogado ainda alega que o teor da denúncia não poderia ser deixada de lado. “As apurações mostravam que o presidente estava recebendo depósito em suas contas, pessoas que pagavam contas da sua mulher. Depois, numa CPMI, se apurou que as denúncias eram verdadeiras. Não falamos de reformas, ou o sequestro da poupança. Não estava em jogo nenhum ato de governo. Hoje, não há nenhuma acusação quanto a honestidade da presidente”, pontuou.

O ex-deputado federal por Alagoas, José Thomaz Nonô (DEM), estava na votação histórica que afastou o presidente Collor e diz que vê semelhanças nos momentos políticos e nos processos. “O processo de corrupção é sempre o mesmo. Claro que Collor não foi cassado pela Elba, que foi uma evidencia visível; foi a questão política, a percepção de que o governo não se comporta bem. É algo semelhante com agora”, afirmou.

No caso de Dilma, a acusação é que ela editou decretos que autorizaram contração de despesas sem autorização do Congresso e das "pedaladas fiscais" --que são atrasos de repasses do Tesouro aos bancos públicos.

O ex-parlamentar, que hoje é secretário de Saúde de Maceió, lembra que a forma como os dois lidavam com o Congresso também é parecida. “Dilma e Collor tinham o mesmo desprezo político pelo Congresso, mas Collor não tinha atrás de si um partido de grande envergadura. A eleição dele foi uma vontade difusa de mudar. Já a Dilma é do PT, herdou do Lula a 'compra de partidos' pela indicação de cargos”, afirmou.

Questionado se hoje haveria clima na Câmara para andamento do processo, afirmou que um fator será decisivo. “Isso depende das emoções do momento. Hoje você tem a vontade de uns 200 e tantos pelo impeachment, sem precisar de estímulo maior. A incógnita é para onde vai o PMDB, se vai dar apoio em nome da parceria ou se vai fazer o presidente. Se o PMDB decidir, ela vai ser cassada”, analisou.

Outro fator que pode pesar, assim como em 1992, é o a mobilização popular. “O povo nas ruas ajuda muito, não digo que seja determinante. Quando a situação de Dilma começou a ficar insustentável? Com os panelaços, os apitos. Políticos vivem do voto popular, e claro que a pressão das ruas pesa”, pontou.

Especialistas divergem

O coordenador do Laboratório de Pesquisa Governo da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio, Ricardo Ismael afirma que só vê semelhanças entre os dois processos. “O elemento motivador é a corrupção. A economia com Collor tinha fracassado, e a de Dilma fracassou. Collor tinha uma base muito frágil e tinha uma tropa de choque, e Dilma está montando a tropa dela, mas a base também é muito frágil. E Collor tinha uma dificuldade e pouca habilidade de lidar com político, assim como a Dilma. E ambos são extremamente arrogantes”, explicou.

O professor lembra que pesa contra Dilma agora o fato de grandes manifestações já terem ocorrido este ano. Lembrou também que, na época de Collor, os protestos levaram um tempo para ocorrer e aconteceram após a abertura de processo de impeachment.

“As manifestações que ocorreram este ano são muito maiores, não tem nem comparação. Na verdade, ninguém sabe como vai ser essa mobilização a partir de agora, vai depender dos acontecimentos. As coisas são progressivas”, disse.

Já o doutor em Educação Histórica pela UFPR (Universidade Federal Paraná), Daniel Medeiros, acredita que a situação política dos dois é bem diferente.

“A dinâmica da sustentação pode mudar, mas a fotografia neste momento é bem diferente. Quando o Ibsen Pinheiro (presidente da Câmara em 1992) acatou o pedido da ABI e da OAB, Collor não possuía base parlamentar, e depois isso se expressa bem na votação. No mesmo momento em que Eduardo Cunha anunciava o processo, Dilma teve 314 votos a favor na mudança da meta fiscal”, disse.

Para Medeiros, outro fato que não pode ser desconsiderado é o poder de mobilização que o PT ainda possuiria. “Além dos movimentos de classe, ele tem as classes artísticas e intelectuais, especialmente professores universitários --uma força social completamente ausente de Collor. E esse pedido perde muita força também por ser feito e encabeçado por uma figura pública repulsiva que se tornou o Eduardo Cunha”, opinou.

O Brasil de Collor

  • Fernando Collor de Mello havia sido eleito com 35.089.998 votos (53,03% dos válidos)
  • O pedido de impeachment foi aceito depois de 30 meses de mandato
  • A principal acusação foi a corrupção denunciada pelo irmão do presidente, Pedro Collor, comandada pelo então tesoureiro da campanha e empresário Paulo César Farias.
  • No início do processo, o ex-presidente tinha 9% de aprovação da população
  • Collor não tinha base no Congresso e tinha sua “tropa de choque”
  • A inflação em 1992 era 1.119% (IPC)

O Brasil de Dilma

  • Dilma Rousseff foi eleita com 54.501.118 votos (51,64% dos válidos)
  • O pedido de impeachment foi aceito após 11 meses de mandato
  • A principal acusação contra Dilma é editar decretos que autorizaram despesas sem autorização do Congresso e atrasos de repasses do Tesouro aos bancos públicos, as “pedaladas fiscais”
  • No início do processo, a presidente estava com apenas 8% de aprovação do eleitorado
  • Dilma tem uma base frágil e que nem sempre acompanha suas decisões
  • A inflação dos últimos 12 meses é de 10,49% (IPC)