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Mais de 100 boletos de Flávio Bolsonaro foram pagos em dinheiro, diz MP

Flávio Bolsonaro em foto com Fabrício Queiroz, seu ex-assessor - Reprodução/Instragram
Flávio Bolsonaro em foto com Fabrício Queiroz, seu ex-assessor Imagem: Reprodução/Instragram

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

19/06/2020 10h46

Resumo da notícia

  • MP-RJ rastreou boletos de plano de saúde e mensalidades escolares de filhas do senador
  • Pagamentos não foram identificados nas contas de F. Bolsonaro e esposa, diz MP
  • Queiroz, ex-assessor de F. Bolsonaro, foi preso acusado de operar esquema de rachadinha

O MP-RJ (Ministério Público do Rio) rastreou pagamentos de plano de saúde e mensalidades escolares das filhas de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e apontou que mais de cem boletos (cerca de R$ 260 mil) foram pagos em dinheiro vivo na investigação que apura o suposto esquema de "rachadinha" na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). No levantamento, o MP-RJ verificou que os pagamentos não correspondem à movimentação bancária do político e de sua esposa, Fernanda Bolsonaro.

Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio preso ontem em Atibaia (SP) e apontado como o suposto operador do esquema, fez pagamentos com dinheiro vivo de ao menos dois boletos escolares das filhas do político em 1º de outubro de 2018 nos valores de R$ 3.382 e R$ 3.560, aponta a investigação. As informações constam nos documentos judiciais que embasaram o decreto assinado pelo juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio, de prisão preventiva de Queiroz.

Segundo o MP-RJ, Flávio e Fernanda não fizeram saques em suas contas nos 15 meses anteriores ao pagamento feito por Queiroz, em outubro de 2018.

Os promotores ainda analisaram os pagamentos no valor de cerca de R$ 252 mil das mensalidades das duas alunas. Mas verificaram débitos de apenas R$ 95 mil registrados para o pagamento no período pelos extratos bancários de Flávio, ex-deputado e hoje senador, e de sua esposa. Com o cruzamento de dados, o MP-RJ constatou uma diferença de R$ 153 mil, o equivalente a 53 boletos bancários pagos em dinheiro vivo que não saiu das contas bancárias do casal.

Ainda de acordo com a investigação, também foi possível identificar o mesmo tipo de prática em relação ao plano de saúde da família, com pagamento de R$ 108 mil em dinheiro vivo não quitados por rendimentos lícitos de Flávio e Fernanda Bolsonaro, o equivalente a 63 boletos. O MP-RJ verificou que foram debitados das contas do casal apenas R$ 8,9 mil referentes ao plano de saúde da família.

Em um trecho da decisão que fundamentou o pedido de prisão preventiva de Queiroz, o MP-RJ cita Flávio Bolsonaro como o líder do que chama de "organização criminosa". Ainda segundo a investigação, o grupo cometeu o crime de peculato ao patrimônio familiar do político.

"As movimentações bancárias atípicas e o contexto temporal nas quais foram realizadas resultam em evidências contundentes da função exercida por Fabrício José Carlos de Queiroz como operador financeiro na divisão de tarefas da organização criminosa investigada, tanto na arrecadação dos valores desviados da Alerj quanto na transferência de parte do produto dos crimes de peculato ao patrimônio familiar do líder do grupo, o então deputado estadual Flávio Nantes Bolsonaro", diz o MP-RJ.

Flávio Bolsonaro se posicionou sobre o caso por nota. "Trata-se de mais uma ilação de alguns promotores de injustiça do Rio. O patrimônio do senador é totalmente compatível com seus rendimentos e isso ficará inequivocamente comprovado dentro dos autos", diz o texto.

No Twitter, Flávio disse ontem que encara a prisão com "tranquilidade" e que "a verdade prevalecerá". "Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim. Bastou o presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!", escreveu.

A prisão de Queiroz

Queiroz foi localizado e preso em um imóvel que pertence ao advogado Frederick Wassef, que esteve na posse do novo ministro das Comunicações, Fabio Faria (PSD). Wasseff é advogado de Flávio e do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Na casa onde Queiroz estava em Atibaia, policiais apreenderam celulares, cartão de crédito e dinheiro em espécie (a quantia não foi revelada).

A esposa de Fabrício Queiroz também teve prisão autorizada, mas não foi localizada até o momento.

Quem é Fabrício Queiroz

Queiroz já foi policial militar e é amigo do presidente Bolsonaro desde 1984. Reformado na PM, trabalhou como motorista e assessor de Flávio, então deputado estadual pelo Rio.

Ele passou a ser investigado em 2018 após um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) indicar "movimentação financeira atípica" em sua conta bancária, no valor de R$ 1,2 milhão, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Queiroz foi demitido por Flávio pouco antes de o escândalo vir à tona.

O último salário de Queiroz na Alerj foi de R$ 8.517, e ele teria recebido transferências em sua conta de sete servidores que passaram pelo gabinete de Flávio. As movimentações atípicas levaram à abertura de uma investigação pelo MP-RJ.

Cheque de R$ 24 mil em conta de Michelle Bolsonaro

Uma das transações envolve um cheque de R$ 24 mil depositado na conta da hoje primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente, na época, se limitou a dizer que o dinheiro era para ele, e não para a primeira-dama, e que se tratava da devolução de um empréstimo de R$ 40 mil que fizera a Queiroz. Alegou não ter documentos para provar o suposto favor.

Em entrevista ao SBT em 2019, Queiroz negou ser "laranja" de Flávio. Segundo ele, parte da movimentação atípica de dinheiro vinha de negócios com a compra e venda de automóveis. "Sou um cara de negócios, eu faço dinheiro... Compro, revendo, compro, revendo, compro carro, revendo carro. Sempre fui assim", afirmou na ocasião.

Outros investigados

Também na operação, foi determinado o cumprimento de medidas cautelares contra outras quatro pessoas. Uma delas foi Alessandra Esteves Marins, ex-assessora de Flávio Bolsonaro na Alerj e atual assessora dele no Senado. O gabinete de Flávio não se pronunciou sobre o caso.

Luiza Paes Souza, assessora de Flávio entre 2011 e 2012, também foi alvo da ação. O UOL não conseguiu contato com sua defesa. Matheus Azeredo Coutinho, funcionário da Alerj desde setembro de 2018, também não foi localizado pela reportagem. Luis Gustavo Botto Maia, advogado da campanha de Flávio Bolsonaro ao Senado, não respondeu aos questionamentos do UOL.

A operação Anjo não incluiu Flávio como um de seus alvos. Ele, entretanto, é investigado pelo MP-RJ. Em dezembro de 2019, uma operação do MP-RJ cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Flávio por indícios de que ele tenha lavado até R$ 2,3 milhões com transações imobiliárias.